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PROBLEMA DE PESO

 

por Carlos Augusto Monteiro

 

 

Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada em 2004 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mudou o modo como a obesidade era encarada no Brasil. Os dados revelaram que 40% dos adultos apresentam excesso de peso - e, desses, 12% são clinicamente obesos. O fato foi - trocadilhos à parte - um prato cheio para a mídia. No entanto, ainda que alguns enxerguem certo grau de sensacionalismo no modo como o estudo foi divulgado pela imprensa, a notícia acendeu a discussão tanto sobre os hábitos alimentares do brasileiro quanto a respeito do problema. "Embora a obesidade em adultos já represente o segundo fator de risco que produz mais doença e morte no Brasil (perdendo apenas para o alcoolismo), são ainda poucas as pessoas que têm idéia da gravidade e da importância desse problema no país", afirma o professor titular do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Augusto Monteiro, convidado da seção Encontros desta edição. "A mudança no comportamento alimentar e nos padrões de atividade física das pessoas é o que está por trás da epidemia de obesidade, mas essas mudanças ocorrem porque o ambiente em que vivem mudou radicalmente." Em conversa com o Conselho Editorial da Revista E, o professor falou sobre as causas da obesidade na sociedade atual, da necessidade de mudar os hábitos alimentares e evitar o sedentarismo como atitudes de prevenção e da importância de estabelecimento de políticas públicas para que o quadro não piore ainda mais. A seguir, texto do professor sobre os principais assuntos tratados.



Embora a obesidade em adultos já represente o segundo fator de risco que produz mais doença e morte no Brasil (perdendo apenas para o alcoolismo), são ainda poucas as pessoas que têm idéia da gravidade e da importância desse problema no país. Outro fato pouco conhecido pela população brasileira é que, pelo menos no caso das mulheres, a obesidade já é mais freqüente entre as camadas mais pobres da população. O aumento de mais de 100% na prevalência de adolescentes do sexo masculino com excesso de peso nos últimos 15 anos é também fato pouco conhecido, mas muito preocupante, uma vez que fornece mais combustível para a epidemia de obesidade.



As causas do problema

Com freqüência, a obesidade é vista como um problema individual, em parte genético, em parte relacionado à incapacidade dos indivíduos de cuidar de sua alimentação e seu estilo de vida. Essa visão é o que poderíamos chamar de meia verdade. De fato, cada um de nós nasce com uma capacidade distinta de regular fisiologicamente seu balanço energético e de manter uma proporção adequada e estável de gordura corporal, e isso é dependente da herança genética que trazemos de nossos pais. Também é verdade que no ambiente em que vivemos hoje é essencial que o indivíduo preste atenção no que e quanto come e, também, que atente para a necessidade de combater o sedentarismo, sem o que o risco de se tornar obeso é muito grande. Mas, se a genética e o comportamento individual explicam por que alguns indivíduos são obesos e outros não, do ponto de vista populacional essa explicação é claramente insuficiente. A genética não explica a epidemia de obesidade porque as gerações hoje afligidas pelo problema são, geneticamente, muito semelhantes às gerações que as antecederam - mudanças na constituição genética das populações ocorrem ao cabo de milhares ou milhões de anos e não de décadas. A mudança no comportamento alimentar e nos padrões de atividade física das pessoas é o que está por trás da epidemia de obesidade, mas essas mudanças ocorrem porque o ambiente em que vivem mudou radicalmente. Por exemplo, sabemos que o aumento da quantidade diária de calorias ingeridas pelas pessoas decorre, em parte, do aumento da densidade calórica de sua alimentação (quantidade de calorias por volume ingerido). Também sabemos que o aumento da densidade calórica da alimentação decorre, em parte, da substituição de alimentos básicos por alimentos industrializados, ricos em gorduras e açúcar. Finalmente, também sabemos que a crescente oferta de alimentos industrializados e poderosas estratégias de marketing estão por trás do aumento da "preferência" da população por alimentos industrializados. Seqüências semelhantes de relações ligando o ambiente a comportamentos individuais explicam o aumento do sedentarismo.



Políticas públicas
Há apenas uma solução para a epidemia de obesidade que atinge o Brasil e muitos outros países do mundo: a prevenção. E a prevenção se faz com a promoção da alimentação saudável e da atividade física regular. As terapêuticas disponíveis para o tratamento da obesidade a partir de dietas e/ou de medicamentos apresentam efeitos colaterais indesejáveis, são caras e têm baixa eficácia. Mas, para promover a alimentação saudável e a atividade física regular, precisamos atuar no ambiente que leva as pessoas a optar pelos alimentos não saudáveis e pelo sedentarismo. Por exemplo, os alimentos saudáveis não devem estar menos disponíveis nem ter custo maior do que os demais; para isso precisamos de políticas fiscais que privilegiem o bem-estar da população. A embalagem de alimentos industrializados ricos em gordura, açúcar ou sal deveria trazer bem clara a advertência sobre a composição desses alimentos e sobre o prejuízo que podem acarretar à saúde das pessoas. Propagandas desses alimentos deveriam sofrer restrição, particularmente quando dirigidas a crianças. Os espaços públicos teriam de ser mais convidativos para as atividades físicas, algo que tem de estar no planejamento urbano.

 



Novos tempos
Basicamente, o problema da obesidade decorre de uma falha no mecanismo de auto-regulação do balanço energético dos indivíduos. Esse mecanismo deveria regular o apetite das pessoas de modo que o consumo de calorias deveria se igualar exatamente ao gasto energético. Há apenas 30 anos, no caso do Brasil e de outros países em desenvolvimento, e há cerca de 40 ou 50 anos em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a auto-regulação do balanço energético funcionava perfeitamente para a maioria das pessoas e a obesidade era rara, alcançando apenas alguns indivíduos que, geneticamente, possuíam falhas no mecanismo de apetite-saciedade. Mas, com as mudanças que ocorreram com nosso ambiente, incluindo a proliferação de alimentos industrializados de alta densidade energética e com excesso de gordura, açúcar e sal, a oferta e o marketing agressivos desses alimentos, o aumento do número de automóveis e a automação das atividades produtivas, entre muitas outras mudanças, a obesidade passou a ser uma condição relativamente comum. No Brasil, 40% dos adultos têm excesso de peso e, desse percentual, 12% são clinicamente obesos. Nos Estados Unidos, 70% dos adultos têm excesso de peso, dos quais mais de 30% são obesos. A situação do México é particularmente interessante em relação à evolução da obesidade e deveria muito nos preocupar: no final dos anos 80, a freqüência da obesidade era semelhante à que temos hoje no Brasil enquanto, agora em 2006, as estatísticas apontam situação muito próxima da observada nos Estados Unidos. Para responder à epidemia de obesidade e de outras doenças crônicas relacionadas à alimentação não saudável e ao sedentarismo, a Assembléia Mundial de Saúde da Organização Mundial da Saúde aprovou em 2004 a Estratégia Global em Alimentação, Atividade Física e Saúde. Em essência, essa estratégia prega a necessidade de políticas intersetoriais globais, nacionais e locais que aumentem o conhecimento das pessoas sobre opções saudáveis de alimentação e de estilo de vida e façam com que essas opções sejam factíveis para todas as classes sociais.

 


O professor de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP Carlos Augusto Monteiro esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E em 20 de outubro de 2006.

 

 

 

 

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