Postado em
Para onde vai o real?
Debate sobre a crise da moeda brasileira
No dia 12 de novembro de 1998, o Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo não recebeu nenhum convidado para fazer uma palestra e debater temas de interesse geral. Nesse dia, o encontro destinava-se a uma discussão aberta, entre os próprios membros do conselho, sobre a realidade econômica do país.
Naquele mês, não se imaginava que a mudança cambial aconteceria em janeiro, quando finalmente o governo decidiu desvalorizar a moeda em relação ao dólar e adotar o câmbio flutuante.
Mesmo assim, os debatedores alertavam para a iminência da crise, e Ruben Almonacid chegou a ser profético em seu comentário, afirmando que o país não poderia mais "adiar o inadiável". Os números apresentados pelo professor Cláudio Contador, por sua vez, indicavam até o nível de defasagem cambial naquele momento, que seria de 31%.
A publicação deste debate, embora atrasado em relação aos acontecimentos, é de muita utilidade para quem deseja entender as raízes do problema. Ao permitir uma visualização mais clara dos subterrâneos do terremoto, oferece também pistas que possibilitam vislumbrar o que ainda pode vir por aí.
A crise (cambial) anunciada
RUBEN ALMONACID - Meu diagnóstico para a economia brasileira continua sendo o mesmo que sinto hoje com respeito à minha saúde: estou com gripe, febre, dor de cabeça, estava me sentindo tão mal que quase desisti de vir. No entanto, há uma pequena diferença, fundamental, diria, entre o que penso sobre minha saúde e a situação do Brasil. A menos que os médicos aqui presentes me corrijam, acredito que no meu caso isso seja coisa passageira, em outras palavras, apenas um ciclo do vírus da gripe que está me afetando, sem que eu tenha que fazer grandes modificações na minha rotina de vida; acho que em mais quatro, cinco dias estarei absolutamente recuperado. Não é o que pode acontecer com o Brasil. A menos que o país tome medidas fundamentais, importantes e relativamente rápidas, acho que esta crise, que temos anunciado desde o começo do Plano Real e que tem apresentado uma trajetória mais ou menos uniforme ao longo destes anos, nos conduzirá a uma situação de descontinuidade, de caos, ou a uma condição ainda mais difícil para a economia brasileira. Devo ter escrito uma dúzia de artigos nos últimos quatro anos sobre isso. Estive revisando-os recentemente, e infelizmente parece que o diagnóstico que eu havia feito desde o começo do Plano Real não mudou.
Fundamentalmente o Plano Real era um truque que, utilizando o artifício das expectativas em relação ao movimento de preços e juros, permitia uma trégua ao governo, um período para ele de fato fazer os ajustes essenciais à recondução da política econômica do Brasil. Lamentavelmente, parece que as autoridades não acreditaram, não estavam convictas ou não tiveram força política para agir. Enfim, alguma coisa aconteceu de forma que nada ou muito pouco de significativo foi feito. Vários ajustes fiscais foram efetuados, além de diversas alterações na taxa de juros. Qualquer comerciante ou empresário que conheça minimamente números sabe que juros da ordem de grandeza que o Brasil está praticando, há muito tempo mas particularmente nestes últimos meses, são absolutamente insustentáveis. Não há nenhuma economia que possa arcar durante anos, como o Brasil, com juros reais acima de 10% ao ano. Num dos meus artigos, eu havia estimado que nos últimos oito anos o Brasil tinha mantido, ininterruptamente ou pelo menos na média, juros em dólares acima de 20% ao ano. Desde o Plano Cruzado, eles têm se mantido acima de 30% em termos reais de dólar. Isso pode ser muito bom para os credores internacionais, para os financistas, especuladores, banqueiros, enfim, para todos aqueles que não estejam diretamente envolvidos na atividade produtiva, na agropecuária, na indústria, no comércio, em prestação de serviços e em nada que dependa da geração de renda legítima, pois esses setores não têm condições de arcar com tais juros.
Penso que o Brasil está tentando adiar uma decisão que é inadiável. Temos um problema de preços relativos e de competitividade externa, uma situação em que, com os preços atuais, não há forma de o Brasil equilibrar seu saldo externo. E tudo o que fizermos que não atinja diretamente esse problema são apenas paliativos, que não atingem o problema na essência. Os ajustes fiscais, que normalmente têm se caracterizado por maior peso de impostos e menor redução de gastos, impõem um custo adicional ao setor real, ao produtivo e às atividades que são capazes de levar o país adiante.
Em diversas oportunidades tenho usado a Argentina como referência, e espero que não interpretem mal, porque faço comparações com o objetivo de iluminar, de ilustrar meu ponto de vista. Acho que a Argentina seguiu uma trajetória parecida, ou melhor, o Brasil vem seguindo uma trajetória semelhante à dela, e, apesar de esses processos não terem sido tão dramáticos, no caso da Argentina houve muito menos exagero, os juros nunca atingiram os níveis que o Brasil tem hoje nem os impostos foram tão distorcidos como são no Brasil. Mesmo assim, aquele país sofreu um processo muito grave de desintegração do parque industrial e da atividade econômica, e de desnacionalização. Hoje, boa parte do parque produtivo, do setor agrícola argentino, é propriedade de estrangeiros, como as empresas multinacionais e as estatais que foram privatizadas. Houve uma transferência considerável, e que não foi marginal, do seu patrimônio para os estrangeiros. Essa transferência gigantesca de patrimônio, aliada ao aumento significativo da dívida externa, permitiu que o Plano Cavallo - como aconteceu também com o Plano Real - se sustentasse por períodos tão longos. No caso do Brasil, as distorções foram muito maiores porque os juros também ficaram mais altos e a transferência para os estrangeiros está sendo mais volumosa. Para termos uma idéia do que isso representa, os supostos cortes de gastos, que vão atingir os aposentados e o funcionalismo e levar à redução dos ajustes salariais ao longo destes anos - não quero dizer que não sejam necessários e que não tenham sido convenientes -, são migalhas se comparados com o desajuste que juros tão altos implicam ou impõem à economia brasileira. Com a dívida atual e nesses níveis de juros, apenas um dia de juros significa aproximadamente R$ 500 milhões. O ajuste fiscal, a redução das despesas com aposentados etc. representam R$ 500 milhões em um ano. Não há comparação na dimensão entre uma variável e outra. Portanto, do ponto de vista do Brasil, mantenho meu diagnóstico de que, se não houver uma mudança importante de trajetória nos preços relativos, com um ajuste cambial significativo, de uma vez, para não forçar o mercado a impor juros escorchantes à economia brasileira, vamos ter uma moratória num breve espaço de tempo.
Como atenuante ao pensamento que venho repetindo ao longo das vezes em que participei de encontros como este, escrevi um trabalho relativo ao debate que está sendo feito na FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), tentando dar uma interpretação ao seguinte fato: além da nossa contribuição para o processo que o Brasil está vivendo, além da nossa burrice em manter uma política econômica errada, há alguma contribuição do mercado, na forma como ele reage, que possa ter agravado o problema? Esse é o tema do artigo "A crise da Ásia e o papel do Fundo Monetário Internacional". Em minha opinião, o FMI (Fundo Monetário Internacional) tem contribuído para que a crise seja mais grave, incentivando países a seguir na direção errada, em alguns casos forçando ajustes que não eram interessantes para esses países, agindo assim mais na defesa dos interesses dos credores do que dos de uma comunidade internacional sadia, justa, quilibrada e com razoável distribuição de riqueza e renda. O artigo defende uma idéia fundamental que apenas vou mencionar, já que a brevidade do tempo não permite mais nada. De modo geral, nas economias de mercado, seus mecanismos e dinâmica de funcionamento tendem a gerar exageros nos preços dos ativos. Às vezes esses exageros são para cima. O Japão chegou a ter preços de imóveis absurdamente elevados, com um metro quadrado de terra valendo o mesmo que cem ou mil metros em Manhattan, explicando assim por que há tantos anos o Japão está em semicrise, semiparalisado, com problemas sérios. Havia no país uma bolha especulativa gigantesca, que tinha inflado os preços dos ativos, especialmente de imóveis, Bolsa etc., permitindo que o sistema financeiro alavancasse crédito com base nesses valores absurdos, absolutamente impagáveis e que hoje estão sendo traduzidos no ajuste que a economia japonesa está fazendo. Mas isso, que é um extremo no Japão, também é válido para todas as outras economias. O Brasil teve um surto especulativo que gerou entusiasmo, euforia, levou à sobrevalorização da Bolsa e de outros ativos, permitindo também um prolongamento do Plano Real, cuja permanência, em termos estritamente econômicos, era insustentável.
ROBERT APPY - Espero que haja alguns economistas otimistas, mas infelizmente não sou dessa turma. Concordo com o que Ruben disse e só quero acrescentar alguma coisa. Acho que o Plano Real cometeu três erros fundamentais: primeiro, a valorização excessiva do real; segundo, uma prática que se apoiava apenas na política monetária, que para o governo resumia-se a uma taxa de juros elevada; terceiro, não levou em conta que o déficit público provavelmente é a origem de todos os nossos problemas.
Será que o programa de estabilidade fiscal vai funcionar? Parece-me uma das coisas mais curiosas que esse programa faça alguns cortes de despesas. Como sabemos, houve outro plano de cortes de despesas que não foi avante. Aumentando as alíquotas de dois impostos que são os piores que podem existir, porque incidem em cascata, os planos acabam reduzindo a capacidade de concorrência do Brasil, sem facilitar a exportação, muito pelo contrário. Além do mais, trata-se de uma política que vai aumentar o desemprego e a queda da atividade econômica. Ora, se um país como o Brasil, que há quatro anos está com uma taxa de crescimento medíocre diante de suas necessidades, digamos sociais, não entrou em recessão logo, não pode entrar agora. Na realidade, com as medidas propostas para a receita e com o aumento das despesas decorrente do plano, como a necessidade de dar mais dinheiro do ICMS para os estados porque eles podem perder receita, isso representa uma perda de R$ 11 bilhões. A previsão de aumento de receita era de R$ 13 bilhões. Teria sido mesmo necessário fazer isso?
Curiosamente, só nos interessamos pelo superávit primário, mas a coisa mais importante no Brasil, com seus preços estáveis, é o déficit nominal. Se os juros caíssem, teríamos realmente uma forte diminuição do déficit nominal e iríamos nos equiparar aos países industrializados. Só que hoje temos um déficit nominal de 7% do PIB. Portanto, não entendo a lógica desse plano, que me parece totalmente paradoxal: vai aumentar a receita com novos impostos e vai baixar a receita com esses novos impostos. É o paradoxo dessa situação. Acho que o Brasil realmente enfrenta graves problemas.
Talvez o único ponto que pudesse discutir com Ruben diga respeito à mudança da política cambial. Sou favorável a ela, mas não agora. Enquanto não tivermos colocado em ordem nossas finanças públicas, uma mudança da política cambial não serviria para nada. Ou seja, iríamos entrar no círculo infernal de uma desvalorização constante da moeda. Acho que só conseguindo esse ajuste fiscal - duvido que estejamos no caminho certo! -, poderemos e deveremos pensar numa mudança de política cambial. O Brasil não vai agüentar muitos anos ainda de recessão. Talvez o governo tenha sido um pouco pessimista anunciando uma queda de 1,5% do PIB. Ainda há setores que vão contribuir para uma atividade econômica maior, mas não há dúvida de que só a queda real da taxa de juros poderá compensar os efeitos dramáticos desse plano de ajuste fiscal.
JOSEF BARAT - Já foi dito que o Plano Real, na verdade, definiu uma estratégia de redução da inflação a praticamente zero, em circunstâncias que pareciam favoráveis, e que essa estratégia seria transitória, incluindo valorização cambial, taxas de juros elevadas, maior abertura das importações e redução das tarifas. Só que desde o início essa estratégia provocou um desequilíbrio externo grave que não foi corrigido ao longo do tempo. Como as condições, inclusive internacionais, de início eram favoráveis, esse déficit seria financiado com recursos do exterior, aumentando as reservas. No entanto, mesmo com reservas elevadas, o Brasil se tornou um país altamente vulnerável às crises externas. Como as chamadas reformas de natureza mais estrutural não foram feitas logo no início do plano, essa estratégia, que seria transitória e geraria um desequilíbrio fiscal a ser corrigido no tempo certo, em vez disso, se agravou.
O governo tinha condições políticas de conduzir as reformas no primeiro ano, pois, como vimos no passado, mudanças muito mais radicais foram encaminhadas pelo Executivo ao Congresso, que as aprovou, incluindo aí a loucura do Plano Collor. O governo Fernando Henrique, portanto, teria condições de aprovar pelo menos boa parte dessas reformas no primeiro ano de governo. Mas o que foi encaminhado pelo Executivo era medíocre. Havia sempre a desculpa de que o Congresso não estava se mobilizando para aprovar as reformas, e a situação se agravou na medida em que um dos seus pontos mais importantes, que seria a reforma tributária, não foi sequer encaminhado de início. A falta de interesse do governo em conduzir uma reforma tributária de maior profundidade ficou muito patente nas medidas de ajuste que ele propôs em 97 e está propondo agora.
É preocupante, também, e talvez seja um aspecto que valha a pena salientar, o grande risco que há - e isso em parte já está acontecendo -, de desencadear um processo de desindustrialização, com conseqüência ruim para a pauta de exportações do Brasil, que, ao longo dos anos 80, conseguiu mudanças importantes, fortalecendo a exportação de manufaturados, de produtos de maior valor agregado. Nos anos 90, vem acontecendo o contrário, o Brasil está se tornando novamente um exportador predominantemente de semifaturados, matérias-primas e produtos de baixo valor agregado. É verdade que isso depende em parte da política cambial e em parte do fato de que a própria indústria brasileira perdeu poder de competitividade, por várias razões. O que se nota nestes últimos anos é uma redução de valor agregado em todas as cadeias industriais mais complexas, uma forte ocupação do mercado de bens finais por produtos importados, uma perda da capacidade de especialização e da competitividade na área química, petroquímica, de componentes e bens de capital. Há também perda de rentabilidade em setores competitivos, em que o Brasil tinha posição mais destacada no mercado internacional, como o de papel e celulose, o de siderurgia, dificultando inclusive um processo de desenvolvimento tecnológico dessas linhas de produtos.
Curiosamente, o próprio crescimento industrial, mais baseado em bens de consumo duráveis ou não-duráveis voltados para o mercado interno, passou a responder também pela acentuação dos desequilíbrios comerciais. As taxas de crescimento das exportações são modestas, inferiores às do comércio mundial, com uma pauta concentrada cada vez mais em produtos de menor valor agregado. Se compararmos a pauta atual das exportações brasileiras com as mundiais, considerando a tendência para as exportações mundiais de produtos de maior sofisticação, de maior valor agregado, o Brasil está percorrendo um caminho bem diferente do que já trilhou no passado.
Os investimentos em curso, hoje, no país, têm uma participação expressiva de aquisições e fusões, mas tiveram um efeito muito pequeno na expansão da renda e do emprego. Um exemplo interessante disso é o das privatizações. Na verdade, o que está sendo privatizado são ativos existentes, sistemas de serviços públicos já em operação; não se está privatizando, dando-se concessões para a criação de nada novo no país. Nenhuma ampliação de infra-estrutura está sendo feita na base de concessões, as quais são exclusivamente para serviços existentes, com pequenas ampliações e melhorias. Isso não gera emprego, pelo contrário, a tendência é acentuar o desemprego, para corrigir as distorções desses serviços, que eram estatais. No próprio processo de aquisições, fusões, desnacionalização da indústria brasileira, a preocupação não é ampliar a produção e gerar mais emprego. Mesmo em setores como o automobilístico e o eletrônico, em que houve expansão mais significativa, esta se traduziu pelo aumento da oferta de bens finais, mas com maior importação de componentes e equipamentos.
Na verdade, a tendência industrial do Brasil tem sido de agravar o desequilíbrio na balança comercial. Como o Plano Real foi baseado em câmbio valorizado, taxa de juros elevada e abertura comercial, a tendência na correção de rumos é a seguinte: temos que desvalorizar o câmbio, diminuir a taxa de juros e fechar um pouco a economia para que ela adquira fôlego para se desenvolver. Mas esse é um terrível dilema, porque pode representar também o retrocesso ao velho modelão de reserva de mercado, proteção, ineficiência etc., incluindo a volta da inflação.
A situação é muito difícil, pois reconhecemos onde estão os erros do Plano Real, mas não sabemos exatamente como eles podem ser corrigidos, de forma imediata, sem provocar um retrocesso violento na economia, agravando a situação social do país. Isso não significa que vamos ficar imobilizados diante desse dilema, mesmo porque as coisas têm que ser feitas.
Embora a situação econômica seja muito grave, parece que o problema acaba se tornando uma questão política de difícil solução. Há pouco tempo, ouvi uma entrevista no rádio a respeito de um livro lançado recentemente com a biografia de Jânio Quadros, cujo autor, o professor Arnaldo Lacombe, falava sobre a renúncia de Jânio e a crise institucional que se seguiu a partir daquele momento até 1964. E o que chamou minha atenção - levei até um susto quando ouvi - foi que ele disse que a crise que estamos vivendo hoje é mais grave do que a do período 1961/64. Não estamos mais acostumados a ouvir isso.
Estamos vivendo num clima de aparente tranqüilidade política, até porque o presidente foi reeleito com grande maioria de votos. Na verdade, a deterioração da situação econômica pode provocar uma crise política de graves proporções. Claro que a oposição é incompetente, não mostrou alternativas nem parece ter capacidade de discutir a situação econômica do país, mas de qualquer maneira o que se nota é um sentimento de mal-estar generalizado. O povo votou na reeleição porque era a escolha de menor risco, mas ninguém está satisfeito. E a crise é muito complicada.
Tenho a impressão de que neste segundo mandato o presidente vai ter que fazer o que deveria ter feito no primeiro e não fez. Só espero que, pela gravidade da situação do Brasil e por sua importância no cenário internacional, pelo menos regionalmente, a coisa não acabe virando algo estranho em que o Brasil diz o que vai fazer, finge que está fazendo, o FMI faz de conta que aceita esse pacote de ajuste fiscal, que é medíocre, libera o dinheiro para não quebrarmos, levando de roldão as economias latino-americanas, e fica tudo por isso mesmo, até que daqui a dois ou três anos essa coisa se repita novamente.
ISAAC JARDANOVSKI - Você é daqueles otimistas que afirmam "daqui a dois ou três anos". Maravilha!
AMÉRICO CAMPIGLIA - A situação socioeconômica em que o Brasil se encontra hoje tem causas bem difundidas e bastante notórias. Mas, para justificar um determinado ponto a que pretendemos chegar até a parte final desta rápida exposição, é bom recapitularmos em parte aqueles eventos que, por sua importância e gravidade, dificultam a reestruturação da nossa economia.
O grau de sinceridade do governo em relação às medidas que se propôs tomar pode ser deduzido do nome que ele deu ao Plano de Ajuste Fiscal. Exagerando um pouco, eu diria que se trata de um plano de remendos, que tenta apenas ajustar algumas fontes de receita através de novas incidências tributárias e cortes de despesas, embora também inclua as reestruturações institucionais.
O Plano de Ajuste Fiscal, na verdade, comporta duas ordens de providências: a primeira delas são as arrecadações. Com essas arrecadações o governo aumenta a alíquota de impostos sobre transações financeiras e transforma uma medida provisória em permanente; eleva a taxa da Cofins, que, além de incidir sobre as empresas, deve incluir também os bancos, isentos dessa tributação até agora; transfere os depósitos judiciais da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil para a própria autoridade governamental e, por último, no item das arrecadações, os servidores públicos aposentados e pensionistas que recebem mais de R$ 1,2 mil por mês contribuirão com 9% sobre o excedente a essa base, o que dará um ganho de R$ 2,5 bilhões para o governo. Realmente, na parte de corte de despesas, há uma redução total de R$ 8,7 bilhões. O governo se propõe ampliar a sua faculdade de manejo orçamentário, que atualmente é de 20%, elevando-a para 40%.
Depois vem a reforma administrativa, com a qual será possível dispensar funcionários e servidores públicos, produzindo uma economia de R$ 500 milhões. E, finalmente, temos a reforma previdenciária, que considero um assunto de magna importância para a normalização da nossa economia.
Sabemos que a dívida total do Brasil, incluindo agora os US$ 40 bilhões que o FMI se propôs emprestar para ajudar o país a sair dessa situação, chega à ordem de US$ 400 bilhões, o que representa um aumento de 500% do valor de quatro anos atrás, quando foi implementado o Plano Real. Obviamente os juros referentes a uma dívida dessa magnitude por si sós já representam o que era talvez o total da dívida de quatro anos atrás.
Declarava-se que a diminuição das reservas cambiais brasileiras (da ordem de US$ 70 bilhões) era resultante da crise asiática e da russa, do problema psicótico da baixa da Bolsa de Jacarta (Indonésia), que repercutia na Praça Antônio Prado, em São Paulo, onde está nossa Bolsa de Valores. O que entra aí é realmente muito de especulação.
Evidentemente, a dívida externa deve-se à entrada de bens ou de moedas. Pergunta-se: o que foi feito com esse dinheiro todo? Até que ponto as crises asiática e russa, que são apontadas, em seus efeitos, como causa do esgotamento das reservas e dos déficits fiscais do Brasil, têm uma afinidade qualquer com esses elementos? O problema do ajuste da previdência, que agora obriga à incidência das contribuições também para os inativos, para os servidores públicos etc., naturalmente vem agravar muito a questão social inerente à distribuição de renda.
Outro aspecto que foi muito bem abordado aqui é a questão da taxa de juros. Hoje temos uma taxa de juros anual reduzida para 42,25%. Não há economia no mundo, nem na história econômica mundial, que possa sobreviver e se desenvolver mantendo uma taxa de juros dessa ordem. Seria preciso que a atividade empresarial, de modo geral, tivesse uma taxa média de lucratividade superior a 50%, 60% para atender às despesas de juros de 42% ao ano. E o que se prevê para os próximos três anos? Em 99 a taxa seria reduzida para 22%, no ano 2000 para 17% e em 2001 para 13%. Seriam necessários três anos para reduzir a taxa de juros de 42% para 13%. De acordo com nossa experiência, não é possível acreditar que isso seja possível no prazo de três anos. Evidentemente o Brasil precisa pensar grande em termos de custos e fabricação, produção agrícola e industrial para competir no mercado interno, dado o apelo que se faz de que o país concentre esforços maiores na exportação para sustentar um desenvolvimento econômico interno. Precisamos pensar grande porque a competição dos países mais avançados tecnologicamente impõe, e de forma acelerada, essa evolução da capacidade competitiva, para podermos nos manter num nível razoável no mercado externo, em termos de exportação e importação. Portanto, é preciso que se assegure, dentro de um plano estrutural e não de remendos, como é esse do ajuste fiscal, o suficiente para proporcionar à economia brasileira condições necessárias de vida, trabalho, saúde e educação compatíveis com as exigências da era moderna.
Finalmente, uma questão mais psicológica: logo depois da reeleição, o presidente da República foi à televisão e fez um veemente apelo às instituições hierárquicas, União, estados e municípios etc., para reduzirem despesas, evitando gastar mais do que arrecadam, o que tem sido um dos fatores mais significativos que conduziram o Brasil a esses fabulosos déficits fiscais. Na verdade, foram eles, os apelantes, que gastaram mais do que deviam, não aquele que no final sempre paga a conta, contribuindo para a cobertura dos déficits das despesas excessivas, das violações da ética e das normas orçamentárias, quando são elas, as autoridades, que gastam mais do que arrecadam.
Também há uma questão conexa da ordem civil em relação a invasões de terra, ilegalidades que são cometidas à revelia das autoridades policiais e governamentais, e, uma vez renovado o mandato por mais quatro anos, esperava-se que fossem tomadas imediatamente as medidas necessárias para coibir os desmandos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra). Vemos que continua a conivência, a permissibilidade em relação a essas infrações que não favorecem muito o conceito do Brasil no exterior.
Para finalizar, gostaria de lembrar que há 12, 15 anos esteve no Brasil o economista americano Arthur Lafer, a convite da revista "Visão", o qual fez uma conferência sobre o sistema previdenciário. Em sua exposição, ele concluiu que não há sistema de previdência que possa subsistir sem um fundo. E esse fundo deve administrar as arrecadações, as contribuições, e promover receitas extras da aplicação das disponibilidades financeiras para aumentar sua capacidade de atender ao crescimento das aposentadorias, especialmente num país como o nosso, cuja população passou de 50 milhões para 165 milhões em praticamente uma geração.
Ora, a instalação da previdência, em nosso país, coincidiu exatamente com o pronunciamento do economista Lafer. O sistema da previdência foi baseado no chamado três terços, ou seja, o empregado contribuía com um terço, o patrão com outro terço e o governo era obrigado a entrar com seu terço. Ele não só não entrou com seu terço como utilizou os outros dois terços arrecadados para a cobertura de déficits gerados por seus desmandos financeiros. E, se considerarmos a taxa de crescimento demográfico no Brasil e da população economicamente ativa, vamos chegar à conclusão de que tudo o que o governo arrecadar será insuficiente para pagar a despesa mensal de auxílio à previdência social.
Seria preciso ter estudado no início uma forma estrutural, com a participação dos aposentados e dos trabalhadores, além de representantes do governo, e que esse assunto fosse confiado pelo menos ao Banco do Brasil ou à Caixa Econômica Federal, de maneira que fosse proibido, vedado e mesmo considerado crime o governo avançar sobre os recursos da previdência para cobrir as despesas excedentes de suas verbas orçamentárias.
JULIAN CHACEL - Ouvi com muita atenção as intervenções anteriores e não tenho maiores diferenças de opinião. Por isso mesmo gostaria de dar um enfoque um pouco diferente ao debate, partindo da proposta de ajuste fiscal que está sendo posta diante do Congresso pelo governo. Nesse caso, o Executivo, e a maioria do Congresso que o apóia, justifica em larga medida o ajuste fiscal em função da situação econômica mundial, da chamada crise financeira mundial. É o deslocamento entre o mundo financeiro e o real, em que as coisas ocorrem em termos de mercadorias e serviços, mutatis mutandis, a frase de Alan Greenspan de dois anos atrás, quando se referiu à exuberância do mercado acionário nos Estados Unidos.
Para situar um pouco a questão, volto a 1944, quando se estabeleceu um regime de taxas cambiais fixas, com os acordos de Bretton Woods, e automaticamente se verificou um controle do movimento de capitais. É bem verdade que, depois dos acordos de Bretton Woods, houve diversas rodadas de negociação do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que mais tarde deu lugar à OMC - Organização Mundial do Comércio), que contribuíram para reduzir as barreiras alfandegárias e incrementar o comércio.
Seja como for, os movimentos de capitais eram inibidos pelo fato de que o regime cambial prevalecente no mundo inteiro decorria de taxas cambiais fixas. Em 1970, modificou-se o regime de taxas cambiais fixas e alguns países muito importantes passaram a utilizar taxas flutuantes. Ao se reduzirem ou desaparecerem os controles, os movimentos de capitais acabaram renascendo com grande intensidade. Isso se mostrou particularmente verdadeiro no caso da Alemanha, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, do Japão, e, mais tarde, no início dos anos 90, a Itália e a França também acabaram aderindo ao movimento de liberdade de capitais. Esse é um dos pontos que está na gênese da realidade mundial de hoje.
Gostaria de trazer à baila também a questão da tecnologia da informação, com o desaparecimento das barreiras naturais de tempo e de espaço. Basta entrar aqui na questão do paradigma técnico-econômico que a microeletrônica gerou: as ligações telefônicas baixaram brutalmente de preço nos últimos 30 anos, e o custo de processamento de computação cai em média US$ 30 por ano, de sorte que a informação passa como um rastilho de pólvora de uma área a outra do planeta. Acho até que a analogia com o rastilho de pólvora é fraca porque demanda um certo tempo, enquanto o regime cambial e a tecnologia de informação mudam completamente a ambiência econômica mundial; penso que isso pode estar na origem das crises bancárias que se sucederam nesse período todo.
Essa crise tem quatro causas: a volatilidade macroeconômica, amplamente discutida hoje, no caso específico do Brasil; os empréstimos dirigidos, como é o caso, por exemplo, do imobiliário no Japão e do Crédit Lyonnais na França; o envolvimento político, que talvez possa ser bem ilustrado pelo próprio Crédit Lyonnais e pelo Banespa, no caso do Brasil; e uma liberalização financeira que também tem muito a ver com a criação dos chamados hedge fundings, fundos de investimentos que até o momento escapam a qualquer tipo de regulamentação e que são muito visados pela ambição dos seus próprios gestores em fazer fortuna. Os hedge fundings são fundos de cobertura de risco, portanto, especulativos e de arbitragem.
Aqui faço uma ligação com as taxas cambiais flutuantes, porque a arbitragem de moedas só pode existir em regime de taxa cambial flutuante. Esse deslocamento entre o mundo financeiro e o real tem gerado um debate que já está entrando em nosso ambiente mais restrito, no caso brasileiro. Até que ponto a globalização criou um turbilhão financeiro, em função dessas premissas que estabeleci aqui, e até que ponto a liberdade de comércio não deu os resultados esperados?
Há uma corrente que continua insistindo nas vantagens comparativas, na teoria dos custos comparativos, que vem do século 19, assinalando, por exemplo, que a política de substituição de importações da América Latina contribuiu para o atraso da região. Em conseqüência disso, haveria uma tendência para manter a liberalização do comércio de mercadorias e de movimentos financeiros, assinalando que os malefícios da globalização estariam sendo mal interpretados porque a globalização teve maus resultados exatamente onde os países praticaram uma política de taxa cambial sobrevalorizada.
A outra vertente argumenta que a equalização de custos de fatores, e aqui há uma visão do norte em relação à do sul, provoca um achatamento de salários, por conseguinte, a massa de salários fica contraída, tendo como conseqüência a tendência mundial para a estagnação. Nessas circunstâncias, não haveria uma política monetária do tipo keynesiano capaz de reinflar a demanda mundial.
O que essa corrente defende? Isso vem ao encontro da observação final de Barat, que advoga uma mudança de cultura econômica com a introdução de uma política industrial de caráter seletivo e o protecionismo setor a setor. Penso que neste momento o debate já está acontecendo, no Brasil, entre a idéia de liberalização do comércio e a de retomar, dentro de certos limites, uma política industrial. Nesse sentido, as declarações do novo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo me parecem muito claras.
O que posso antever em relação ao nosso caso, especificamente? Como o Brasil sempre se coloca numa posição diferente, em relação a outros países, provavelmente vai adotar uma solução híbrida. Fará uma desvalorização cambial e ao mesmo tempo uma política industrial de natureza seletiva, ou seja, vai tentar conciliar os argumentos de uma e de outra corrente de pensamento. O único risco, como todos sabem, é que na biologia o híbrido é estéril. Não sei se na política dará resultados.
De modo geral, me filio àqueles que consideram que o ajuste fiscal é decorrente da premência de tempo que temos e certamente aprofundará a recessão por meio de impostos, cujas alíquotas vão ser aumentadas, e de cobertura ampliada. Estamos na contramão da recuperação da capacidade concorrencial, com uma taxa cambial visivelmente defasada. E, mais do que isso, penso que o ajuste fiscal, como uma medida de curtíssimo prazo, vai se chocar com outra de médio prazo, que é a reforma tributária.
Neste momento, não vejo condições de retomar o tema da reforma tributária, mesmo porque as medidas que estão sendo postas diante do Congresso se chocam virtualmente com a idéia de uma reforma tributária em que o sistema seria simplificado e determinados impostos de caráter cumulativo seriam totalmente abandonados. Vejo com preocupação a questão do ajuste fiscal, uma vez que, nos próximos dois anos, certamente haverá aprofundamento da recessão e teremos que pensar num trade-off entre um pouquinho mais de inflação e um pouquinho menos de desemprego.
Gostaria também de apresentar alguns estudos de Cláudio Contador, que não pôde comparecer a esta reunião. O primeiro é uma simulação de países que fizeram fortes desvalorizações e o que teria acontecido antes e após a queda do valor da moeda. Ele pressupõe para o Brasil uma desvalorização cambial de 31%. Com ela, como podemos observar, a taxa de desemprego cairia e a de inflação - o preço a pagar - subiria. Mas, em relação à nossa experiência histórica, não seria nada dramático conviver com uma taxa de inflação de 5%, num momento em que não existe um mecanismo de indexação. Além disso, teríamos uma melhoria na balança comercial. Aqui talvez caiba uma explicação: quando o presidente do Banco Central argumenta que o Brasil precisa ter déficit de balanço de pagamentos em conta corrente, isso significa que o Brasil é um país importador de capitais. Mas esses déficits têm que ser parcialmente compensados por superávits na balança comercial, caso contrário será muito difícil que a brecha possa ser sistematicamente fechada em conta de capital.
Outro estudo de Contador mostra as contas do setor público. Ali fica latente, pelo menos na minha opinião, numa primeira análise, que a questão dos juros nominais está fortemente concentrada na União e no Banco Central, e não nos estados e municípios. Em termos do resultado nominal de 7,7% do PIB, previsto para 98, distribui-se 5,1% para União e Banco Central; estados e municípios, 2,3%; e empresas estatais, talvez já com o reflexo das privatizações, 0,3%. No caso do resultado primário, haveria pequenos contrastes entre estados e municípios, de um lado, e União e Banco Central, do outro.
Por último, os cenários para 1999/2000, elaborados por Cláudio Contador, contêm três hipóteses: uma de reformas, uma de ajuste lento e uma de política econômico-social de caráter populista. Não faço comentários, espero apenas que os senhores examinem os números com atenção e tirem suas próprias conclusões.
ISAAC - Josué Mussalém está viajando, mas fez questão de participar deste debate. Vou ler o depoimento que nos enviou, já que estava ciente do tema que estaríamos discutindo.
"No último dia 28 de outubro de 1998 o governo federal, através do Ministério da Fazenda, apresentou à nação um projeto básico denominado Programa de Estabilidade Fiscal. Trata-se, sem dúvida, do mais ambicioso programa de ajuste do setor público da União jamais tentado em nosso país. Tem impactos diretos e indiretos sobre as finanças públicas dos estados e municípios e reduz drasticamente a capacidade de investimentos do Estado para o próximo ano de 99.
"O programa, de caráter trienal, 1999/2001, possui uma ambiciosa meta: realizar uma economia por meio do que foi denominado distribuição do esforço adicional do governo central, da ordem de R$ 28 bilhões em 99, R$ 33,8 bilhões em 2000 e R$ 38 bilhões em 2001.
"Essa distribuição do esforço adicional está centrada em quatro grandes linhas de atuação: a) medidas estruturais; b) redução de gastos na conta do orçamento geral da União na rubrica 'outros custeios e capitalí; c) redução do déficit da previdência; d) elevação de receitas.
"O programa está dirigido principalmente para a vertente externa, ou seja, o Brasil precisa mostrar aos investidores internacionais e ao mundo, além do FMI, que está levando a sério uma reforma de caráter fiscal. Na verdade, o pacote, ou programa, como o governo o denomina, poderia ser chamado de UTI Fiscal. Chegamos a uma situação-limite em que só uma medida de caráter emergencial poderá salvar a credibilidade do Brasil diante da comunidade financeira internacional, bem como dos investidores, inclusive os de médio e longo prazos. O Programa de Estabilidade Fiscal é ambicioso, mas foi feito para ser negociado com o Congresso Nacional. O governo federal deve ter acertado previamente com o FMI algo em torno de um montante mais reduzido.
"No programa do governo federal, existem evidentes sinais de exagero político com características de ajuste econômico. O maior deles, para forçar uma reação dos governadores e prefeitos, diz respeito ao Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), previsto para terminar sua vigência em 31 de dezembro de 1999, podendo ser prorrogado até 31 de dezembro de 2006. Para estados e municípios, o pior seria o aumento da retenção do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios de 20% para 40%. O governo federal também quer incluir no FEF 40% dos recursos diretamente arrecadados por órgãos do próprio governo, conhecidos como Fonte 150 e Grupo 200. Evidentemente, esse aumento do prazo e da retenção será combatido por governadores e prefeitos, inclusive os da base governista. Pernambuco, por exemplo, perderá R$ 420 milhões de receita. Se o FEF tiver vigência até 2003 e retenção de 30%, o governo federal já terá obtido uma importante vitória.
"Outra base de negociação com o Congresso será a violenta alíquota de 20% sobre o excedente de R$ 1,2 mil, na contribuição previdenciária da União. Provavelmente baixa para 15%, e o governo ainda sai ganhando, embora o déficit consolidado do sistema previdenciário brasileiro seja brutal, se considerarmos o déficit do INSS mais o da União, dos estados e municípios, cujo valor é estimado pelo governo federal em R$ 42,2 bilhões, só no ano de 1998, com tendência a atingir R$ 49,6 bilhões em 99. Mesmo assim existe um pequeno espaço para a redução de 20% para 16% da contribuição previdenciária adicional.
"O terceiro vetor de negociação é a CPMF, aumentada para 0,38%, o equivalente a 90% de aumento. Provavelmente o Congresso Nacional negociará uma redução para 0,33% ou até mesmo para 0,30%. A Cofins, aumentada de 2% para 3%, vai ser objeto de ampla discussão, mas seu efeito político é menor porque atinge empresas, não pessoas físicas, que interessam mais de perto aos congressistas. Muito provavelmente o Programa de Estabilidade Fiscal será alterado nos próximos dias, em processo de negociação no Congresso Nacional.
"É evidente que o nordeste sairá penalizado pelo programa proposto pelo Ministério da Fazenda. A principal perda está vinculada à ampliação do prazo do FEF, sem falar na hipótese de aumento da taxa de retenção do Fundo de Participação de Estados e Municípios. O nordeste também será prejudicado com os cortes em programas de investimento em setores básicos, como infra-estrutura de estradas, reforma de portos ainda não privatizados e ampliação da rede hospitalar pública, sem falar na possibilidade de redução dos incentivos fiscais à disposição da região, seja pelo artigo 9º, seja à conta do Finor ou do FNE.
"A capacidade de reação do nordeste não é desprezível, até porque o vice-presidente da República, Marco Maciel, conhecido por sua extrema habilidade na condução de processos políticos complexos, deverá atuar de forma discreta, enquanto o presidente do Congresso, senador Antonio Carlos Magalhães, atuará de forma ostensiva. Dos governadores eleitos pelo PMDB, Jarbas Vasconcelos está prestigiado por ter imposto uma vitória esmagadora e histórica ao último mito da esquerda brasileira, o governador Miguel Arraes. Além disso, o cearense Tasso Jereissati, provável candidato do PSDB à sucessão de Fernando Henrique, em confronto com Mário Covas, não é de deixar passar nada que possa afetar o Ceará.
"No entanto, mesmo que essa conjugação de forças políticas de peso no cenário regional e nacional consiga reduzir os impactos do pacote ou do Programa de Ajuste Fiscal, o nordeste sairá prejudicado. A esperança é que a economia brasileira não caia mais do que 1% em termos do Produto Interno Bruto em 99."
Essa é a participação de Josué Mussalém. De minha parte, gostaria de colocar algumas questões muito objetivas a Ruben Dario Almonacid, que estuda exaustivamente o problema do câmbio há muitos anos e tem feito vários trabalhos sobre o assunto. Ouvimos uma sugestão de Cláudio Contador, um número mágico de 31%, e gostaria que Almonacid falasse a esse respeito. Como vê as repercussões negativas que alguns países tiveram ao desvalorizar de forma radical o câmbio, sem poder controlar depois o processo? Será que a Argentina está de fato em situação melhor que o Brasil, hoje? E uma questão para Marcos Cintra, sobre o problema do ajuste fiscal que todos levantaram e que não parece ser um ajuste, mas sim um remendo. O que seria e como poderia ser feito o ajuste fiscal?
ALMONACID - Antes da crise asiática, encontrei um trabalho que media o preço relativo do Brasil, ou seja, quanto ele estava desajustado. Naquele momento nossa estimativa dava alguma coisa como 23% para o desajuste do Brasil. A crise asiática trouxe uma defasagem adicional para o real da ordem de 8%, e portanto o número de Cláudio Contador, da ordem de 31%, é muito próximo do que estimo ser razoável. As duas últimas máxis que o Brasil teve foram de 30%; portanto, não há como dizer se é de 29%, 30% ou 31%. Mas a ordem de grandeza do reajuste que o Brasil precisaria fazer para corrigir significativamente o déficit na balança comercial e melhorar sua posição de negociação no déficit de transações correntes é da ordem de 30% em termos reais. Entretanto, se ocorrer qualquer inflação que venha a reduzir o impacto da máxi ou do possível ajuste sobre os preços, isso terá que ser corrigido novamente. Nesse caso, seria como um processo de reindexação necessário para a máxi não ser comida pela inflação.
Acho que o sistema institucional que o Brasil tem hoje é muito diferente do que havia antes do plano. O Brasil pré-Plano Real era absolutamente indexado em todos os aspectos, formalmente, contratualmente, legalmente, de forma que qualquer ajuste de preço relevante, como ocorre com o câmbio, imediatamente se traduziria em reflexos inflacionários. Hoje a situação é diametralmente diferente, primeiro porque a economia brasileira está muito parada, muito recessiva, com uma capacidade ociosa relativamente grande, e, segundo, porque o marco institucional é muito diferente. Imagino que não haveria grande impacto inflacionário num ajuste, hoje.
Em relação à segunda pergunta - se de fato algum país que fez um ajuste cambial significativo teve problemas principalmente por causa da inflação, de modo que não houve ganho real -, acho que nenhum país que fez um ajuste sensato pôde fazer a máxi, mas sim outras correções em termos de política fiscal, monetária, de demanda agregada, juros etc. Provavelmente, isso precisaria ocorrer simultaneamente, fazendo-se o câmbio e os ajustes mínimos que permitam que esse acerto de câmbio gere variações de preços relativos, que são necessários para dar maior competitividade ao Brasil.
Com relação à Argentina, penso que o país fez mudanças muito importantes dentro de seu marco institucional. Organizou a economia, reformou o sistema fiscal, criou um sistema financeiro muito mais realista, deu maior estabilidade e transparência aos mercados. Resumindo, o ajuste feito na Argentina, no Plano Cavallo, foi um processo suficientemente racional. Diria que, em muitos aspectos, foi semelhante à reforma que o Chile fez com Pinochet para dar mais coerência às leis econômicas.
Os países só vão ter um sistema econômico forte, com possibilidade de crescimento, se houver racionalidade nas decisões econômicas. Vejo que a Argentina caminhou uma longa distância nesse sentido. Não fez tudo, mas fez muita coisa. Já o Brasil fez muito pouco nestes quatro anos. Fora a privatização das empresas estatais, que eram absolutamente irracionais do ponto de vista administrativo e absurdamente desperdiçadoras de recursos, não vejo nenhuma medida de fundo que tenha gerado qualquer eficiência no processo econômico brasileiro. Se não começarmos por aí, as chances de sucesso serão muito pequenas.
ISAAC - Como o professor Campiglia lembrou, a revista "Visão" trouxe Lafer ao Brasil na década de 80 para falar sobre o sistema previdenciário. Na ocasião, ele também abordou a questão dos impostos porque era assessor do governo Reagan e foi o inventor da chamada Curva de Lafer, que apresentava um ponto ótimo de taxa de arrecadação de impostos, a partir do qual o seu aumento traria efeitos paradoxais de queda de arrecadação. Embora hoje Lafer seja um economista que praticamente está no ostracismo, sua curva continua válida e respeitada pelos governos americanos que se seguiram a ele, pois eles têm uma posição muito criteriosa em relação a aumento de impostos visando o objetivo final, que é a arrecadação.
MARCOS CINTRA - Antes de responder à questão, gostaria de fazer um comentário que acho muito importante. Hoje, no Brasil, há uma tendência muito séria por parte da imprensa e do próprio governo de tentar mostrar, à opinião pública, que o país está sendo afetado pela crise internacional, quando na realidade ele é parte dessa crise por todas as razões que acabamos de expor aqui.
Estamos vivendo uma situação de absoluto irrealismo do ponto de vista estrutural da economia brasileira, e o governo não está de forma alguma buscando alternativas do ponto de vista de um ajuste fiscal; ele simplesmente reage a uma armadilha na qual foi colocado pelos próprios erros cometidos no passado, dentre eles a sobrevalorização da moeda e a própria política monetária que vem sendo aplicada como conseqüência disso.
A questão é saber como podemos resolver a crise, efetivamente, não apenas reagir a ela, como o governo vem fazendo. Hoje a crise fiscal é muito profunda, todos sabemos, e o pacote fiscal que foi apresentado é de uma impotência exemplar para resolver o problema brasileiro. Basta verificarmos que quando se fala de uma conta de serviço de dívida, como foi mencionado pelo doutor Campiglia, de US$ 80 bilhões a US$ 100 bilhões anuais, o governo fala num ajuste fiscal de R$ 28 bilhões. Estamos tentando fazer com que o rabo abane o cachorro em vez de o cachorro abanar o rabo. Há um equívoco do ponto de vista da eficiência, da eficácia da política que está sendo apresentada.
Alguém afirmou aqui, acho que foi Barat, que a oposição está sendo incompetente para oferecer alternativas. Nós também estamos sendo muito ineficientes. Quando digo "nós", não estou me referindo à oposição radical, porque a única solução que hoje se apresenta, e foi mencionada neste debate, é uma desvalorização cambial. Será isso uma solução ou o agravamento do problema?
Ouvimos duas opiniões divergentes em relação à questão. A de Almonacid, que defende uma desvalorização cambial em torno de 28%, 30% ou 31%, e a de Barat, que mostra que o nosso problema em termos de perda de competitividade não decorre só de preços relativos, mas é uma questão estrutural. Talvez o Brasil esteja funcionando fora da fronteira de produção e, se estiver, não há alteração de preço relativo que permita ao país resolver o seu problema de balanço de pagamento. A meu ver, o cerne da questão está efetivamente nesse problema. Não estou dizendo que não haja espaço para um ajuste cambial, acho até que o governo vem fazendo essa taxa de 6% ou 7%, anualmente, o que não vai resolver o problema a curto prazo; parece-me que o cerne do problema se encontra mesmo no ajuste tributário, na reforma tributária. Essa é a única peça de todo esse quebra-cabeça que permitiria fazer tudo aquilo que um ajuste fiscal precisa realizar, aumentando a arrecadação, reduzindo despesas e ao mesmo tempo incentivando a competitividade externa para fazer o país crescer, se desenvolver, gerando não só produção como emprego.
A questão da reforma tributária exigiria um outro debate, portanto não cabe aqui uma análise mais aprofundada dela. O que preconizo pessoalmente, na contramão do que foi dito, é que o ajuste tributário caminhe na direção dos impostos sobre transações financeiras. Se o governo encontra como única alternativa o aumento da CPMF e da Cofins para elevar sua arrecadação, e o próprio governo vem declarando ser contra impostos cumulativos, ele o faz por absoluto pragmatismo. Os únicos sistemas tributários que mostram eficiência hoje são a CPMF e a Cofins, o que os outros tributos não conseguem fazer. Portanto, uma reforma tributária capaz de conciliar os objetivos que acabamos de mencionar (aumento da arrecadação, da competitividade e ao mesmo tempo redução de despesas e crescimento do país) é o grande desafio.
Defendo uma reforma tributária nos moldes de um aumento de impostos sobre transações financeiras pela eficiência que eles mostram. Existem contra-indicações, há custos e benefícios em todos esses tributos, mas o grande problema da economia brasileira não é só uma questão de tributar bem, mas de incidência. Não vamos fazer uma reforma tributária eficiente se ela incidir apenas sobre uma parcela da população, como ocorre com o sistema tributário convencional e clássico. Como é possível termos hoje um sistema previdenciário que mostra não só todas essas inconsistências atuariais, mas que incide apenas sobre 50% da massa assalariada? De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 50% dos assalariados brasileiros não têm carteira assinada, portanto, não contribuem para o sistema.
Essas questões de cunho mais operacional precisam ser analisadas numa reforma tributária, sem que se limite a argumentações do ponto de vista teórico, que visam apenas a análise da questão da eficiência do sistema tributário. Esta é minha opinião: o ajuste fiscal não vai funcionar, pois apresenta uma falta de potência exemplar diante da gravidade do problema. E provavelmente a cada final de ano vamos ter um pacote tributário, como aconteceu no final de 1997, que não resolve nada. De modo que engrosso aqui o coro dos pessimistas.
APPY - Marcos Cintra sabe que não posso compartilhar da sua proposta de imposto. Antes da CPMF, fui convidado por um deputado a ouvir a exposição de Marcos, e minha primeira reação foi dizer: "Vocês estão criando um novo monstro, vão fazer um imposto a mais". E aconteceu exatamente isso. A idéia de Marcos foi muito bem recebida pelo Congresso, mas infelizmente se transformou num imposto a mais. E continuo me opondo a esse imposto sobre o cheque, para mim um imposto antieconomia.
CINTRA - Realmente ouvi esse comentário de Robert Appy na época e aconteceu o que ele temia. Fui contra a criação da CPMF, como continuo sendo contra a elevação da alíquota na atual circunstância. Não vamos poder analisar isso agora, mas queria chamar a atenção para a necessidade de uma discussão mais específica sobre reforma tributária e o preconceito que existe contra impostos sobre transações financeiras e mais especificamente contra impostos em cascata ou cumulativos. Isso precisa ser fortemente questionado. Acho que existem duas linhas teóricas, inclusive na análise de finanças públicas, que mostram que a coisa não é assim tão simples. Prefiro um imposto cumulativo com uma alíquota baixa e uma incidência mais justa a um imposto sobre valor agregado que não tenha o mesmo padrão de incidência e que exija, para ter eficiência, uma alíquota muito mais elevada, como temos hoje.
Além disso, a moderna teoria da tributação ótima vem demonstrando que, numa economia altamente ineficiente como a nossa, em que os pré-requisitos fundamentais para a existência de mercados perfeitos e completos não estão presentes, é impossível se dizer a priori se o imposto cumulativo é necessariamente pior do que o imposto em cascata. E deixo aqui uma pergunta a Robert Appy. Queria que ele me mostrasse qual é a diferença efetiva entre a Cofins, que é o imposto sobre faturamento, cumulativo e portanto execrado por ele, e o Imposto de Renda de pessoa jurídica, cobrado sobre lucro presumido, que é a tendência crescente hoje. O governo vem aplicando isso a cada momento, ampliando as faixas que permitem esse tipo de prática, porque é o mesmo tipo de imposto.
APPY - Pessoalmente sou contra o Imposto de Renda sobre lucro presumido.
CINTRA - Mas eles têm exatamente a mesma finalidade.
APPY - O que temos que fazer no Brasil é aumentar o universo do contribuinte sobre a renda real.
MOACYR VAZ GUIMARÃES - Considero a proposta do governo simplista demais diante da magnitude do problema que pretende resolver, mas não vai conseguir. Simplista porque resolve o problema no papel aumentando impostos e reduzindo despesas, cortando com grande estardalhaço os servidores públicos e os aposentados e fazendo uma economia pequena ou pouco significativa em face do enorme volume do déficit e dos impostos. Realmente isso não vai refrescar nada, é muito pouco para o problema que pretende resolver. O governo usa as mesmas fórmulas do passado para solucionar um problema que se agravou por sua própria culpa.
Quanto à questão que Marcos Cintra havia proposto, e que seria o imposto único sobre o cheque, eliminando tantos outros tributos, lembro que há divergências. Só queria dizer que esse é o único imposto que não comporta sonegação. O grande mal do Brasil hoje, inclusive na previdência social, é o alto índice de sonegação que o governo não tem coragem de enfrentar, especialmente quando o sonegador é uma grande empresa.
Por fim, concordo com a afirmação de Barat. Se o governo federal, no primeiro ano de mandato de Fernando Henrique, tivesse começado a pensar nos ajustes fiscais, que poderiam ter sido feitos parceladamente e com muito menor impacto, não teríamos chegado à situação atual, porque teríamos resolvido o problema ao nascer, prevendo outros que surgiriam depois. Mas o que todo mundo sabe, e não adianta querer esconder, é que perdemos três anos de governo cuidando apenas da reeleição do presidente da República.
MANUEL HENRIQUE FARIAS RAMOS - Na verdade, eu poderia dar testemunho do que foi exposto aqui. Como empresário da agricultura estou perdendo dinheiro, e no comércio as vendas caíram. Parece que para o próximo ano também perderei dinheiro e aí tudo poderá afundar de uma vez só.
Há uma preocupação com a distribuição de renda no país, e creio que estamos dentro de uma armadilha onde se encaixam todas essas peças. Quanto à distribuição de renda, temos uma relação de mais ou menos 20% para 80%, isto é, um quinto da população mundial consome quatro quintos dos bens produzidos, o que significa que crescemos no sentido do supérfluo, do descartável, não descemos para a base. Isso é extremamente preocupante, porque estamos numa armadilha na qual vamos nos globalizando e caminhando para que a concentração se acumule. O modelo é o de concentração.
Duvido que o governo realmente tenha força para implantar qualquer medida quando se trata de impostos, porque os interesses são conflitantes.
Estamos afirmando que é necessário ampliar a base. E isso parece óbvio. Só que ao ampliar a base é preciso tributar aquele que está nos 80% que consomem menos. Trata-se de um círculo vicioso, porque esse já está pauperizado. É um paradoxo, como foi colocado aqui. Se aumentarmos a base, tiramos mais daquele que já não tem. Existe a sonegação, mas há a dificuldade para intervir; aprovar a continuação no poder, a reeleição, é diferente de interferir nos interesses de grupos econômicos. Creio que para isso o governo não tem tanta força assim.
Tenho uma outra preocupação, que é a guerra que se abriu contra o Estado. É uma guerra declarada, que se manifesta inclusive nas privatizações. Sabemos que o Estado de planejamento acabou e que o Estado centralizador também não deu certo. Mas essa é a instituição que a sociedade tem. Depois desse combate, eu me pergunto: o que temos para colocar no lugar da instituição Estado? Vemos crescer uma polícia privada e os condomínios fechados. Mas quero saber a verdade, porque é muito fácil bater em quem não tem capacidade de reação. Qual é a instituição que temos para colocar no seu lugar? Como é que a sociedade civil está se organizando e quais são as suas propostas? Dissemos que o Plano Real não dá certo etc., mas não temos propostas alternativas, pelo menos isso ficou claro para todos nós. E vamos acabar voltando à discussão: se fizéssemos a Constituição, não remendos, tudo daria certo; tudo daria certo se fizéssemos as reformas, e amanhã vamos retomar coisas anteriores, como "precisamos fazer reformas estruturais, que não pudemos fazer até agora, mas temos capacidade de fazer dentro de uma economia globalizada".
Há condições de romper esses US$ 86 bilhões da administração da dívida? Gostaria de saber quem teria coragem de fazer isso e como repercutiria no sistema internacional. Se o governo romper, o que vão fazer com ele? Ele dá uma balançada, vira comunista novamente e sobra no poder. João Goulart sobrou, não era nem nunca foi comunista. Tenho certeza disso, é só dar uma chacoalhada, é só deixar de pagar. Quero ver como é que ficam os intercâmbios, as trocas de caráter internacional. É fácil dizer que é impagável, mas o que temos para colocar aí? Como ousamos fazer isso?
Por incrível que pareça, se quisermos fazer algumas propostas aprazivelmente sustentáveis, há uma questão a ser colocada: ainda é possível crescimento? Ou nossa proposta é de crescimento e desenvolvimento sustentado? Conforme o tipo de crescimento, estamos comprometendo a camada de ozônio. Já não sabemos onde pôr o lixo atômico. Não me importa que me chamem de malthusiano, mas, quando se fala em crescimento, é preciso haver também o controle da população. Estamos comprometendo o futuro do planeta, da espécie. Por isso, é preciso discutir o desenvolvimento sustentado, voltado para a base, porque o fosso que se estabeleceu entre os 20% e os 80% vai nos levar a um federalismo histriônico, e então haverá um retrocesso na nossa civilização.
FÉLIX SAVÉRIO MAJORANA - A experiência mostra que as pessoas se comportam diferentemente quando estão fora do governo ou no poder. Fora do poder são contra os cortes, o aumento de impostos; quando se colocam no poder e o têm na mão, então passam a ser favoráveis aos impostos porque dependem disso para sua sobrevivência política. Essa dicotomia fica difícil de ser resolvida. Acho que precisamos mudar o comportamento das pessoas, de forma que, quando alguém se torna poder, continue com a personalidade que tinha antes, com aquela vontade de consertar o que julgava errado, quando estava fora do poder. Na minha opinião, parece que o presidente da República e sua equipe, que montou e criou o Plano Real, só precisam de um cinzel para dar uma pancadinha no joelho do plano e dizer: "Per che non parla?" É imexível, como diria Magri. Será que não falta um pouco de humildade a todos esses economistas do governo, tendo em vista que a economia não é uma ciência exata, não é como a engenharia, que é indiscutível? Na engenharia o certo é certo, o errado é errado, e não há dúvida. Em relação à economia não, existem muitas opiniões. Aqui mesmo ouvimos várias opiniões, cada uma seguindo um caminho diferente. E todas parecem boas. Então não faltaria um pouco de humildade àqueles que participam do processo econômico do Brasil? Deveriam discutir com os demais economistas, analisar o que os outros têm a dizer e tentar tirar uma média para levar ao bem da pátria, não ao bem do plano.
FLÁVIO PÉCORA - Penso que cometeremos um erro grave mexendo com o câmbio. Hoje isso é impossível por uma razão muito simples: o governo é um grande devedor, mas o sistema privado também é um grande devedor e não vai pagar a dívida porque ela é impagável em todos os sentidos. Portanto, não adianta mexer nisso. De quanto é a dívida externa? Sei lá, alguns bilhões de dólares que não vão ser pagos nunca.
ISAAC - Pécora, muitos dizem que as taxas de juros não podem cair demais porque o resto das reservas iria embora; outros afirmam que não, que o que tinha de sair de reserva já saiu, portanto, poderíamos baixar tranqüilamente os juros. Qual é a sua opinião?
PÉCORA - Mexer nos juros hoje é uma temeridade, porque isso realmente faria com que quem tem dinheiro no país levasse esse dinheiro para fora. Com isso teríamos uma situação gravíssima: tudo isso que está se desenhando hoje no Brasil poderia acontecer, de fato, e acabaríamos caindo numa vala comum, num país sem futuro, com um presidente cruel. Portanto, acho que não devemos mexer na taxa de juros, hoje. Minha idéia é a seguinte: precisamos usar mais o câmbio do que a inflação, gradativamente, como está sendo feito hoje. Não vamos esquecer que no Plano Real US$ 1 valia R$ 0,83.
Temos que pensar bem no que vamos fazer. Se tivermos muito em dólar, uma desvalorização cambial representará a quebra das empresas e do govern
![]() | |