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Dança

Revista E - Abril 2006

 

 

Corpo sem limite

Klauss Vianna revolucionou a dança no Brasil ao imprimir consciência ao movimento

"Acho uma ignorância atroz o preconceito contra formas artísticas e infelizmente contra ignorância não tem solução. É ridículo pensar que a dança só se faz a partir de cinco posições ou que só é válida a dança que nasceu na Europa", dispara o professor, coreógrafo e bailarino mineiro Klauss Vianna (1928-1992) na autobiografia A Dança (Summus Editorial, 3ª edição, 2005). A crença de que os movimentos da dança são muito mais do que as tradicionais posições do balé clássico foi a bússola que guiou o professor, um dos maiores nomes da área no Brasil, por toda a vida. "Começamos dando aulas para crianças de 8 a 14 anos, na década de 50, em Belo Horizonte", lembra a também professora, bailarina e coreógrafa Angel Vianna, viúva de Klauss. "A primeira coisa que ele fez foi pedir que os alunos tirassem as sapatilhas, assim poderiam trabalhar a estrutura de apoio dos pés. Foi totalmente inovador, porque ninguém dançava sem sapatilha." O coreógrafo explorou inúmeras formas de movimento capazes de ser realizados pelo corpo humano, a partir da observação do que se passa no perímetro que vai da ponta dos pés aos fios de cabelos de uma pessoa. Alguns chamam o procedimento de consciência corporal, outros de técnica Klauss Vianna.(veja boxe: Palcos da dança)


Independentemente do nome, sua proposta rompeu conceitos e revolucionou tudo que tinha sido visto em termos de dança no Brasil até a década de 50. Legiões de bailarinos, atores, coreógrafos e professores se beneficiam até hoje da quebra de paradigma ocorrida em meados do século 20. Tirar a sapatilha? Esquecer aquela história de coluna sempre ereta? Onde já se viu isso... Onde? Nas aulas de Klauss Vianna. "Até hoje o trabalho dele guarda muitos aspectos inovadores", afirma Neide Neves, professora do curso de Comunicação das Artes do Corpo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "O trabalho dele não se fez só na dança, alcançou o teatro e chegou até mesmo a tocar na área da saúde. Ele propõe que se trabalhe a partir da estrutura corporal, no sentido de disponibilizar ao máximo o corpo para o movimento. Inevitavelmente, passa-se por uma reeducação de postura e movimento."

Lá em Minas
Klauss Vianna nasceu em 12 de agosto de 1928 em Belo Horizonte. Seu primeiro interesse nas artes foi o teatro, até ele assistir a Juventude, espetáculo de dança dirigido por Igor Schwezoff, e ficar encantado. "Aquilo era tudo que eu queria: dança, música, teatro", conta no livro. Na década de 40, com a chegada do bailarino e coreógrafo Carlos Leite à capital mineira, inicia o percurso que o levaria anos depois ao desenvolvimento da própria técnica. Ingressa, em 1944, na escola de dança clássica criada pelo então solista do Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Nessa época, também passou a fazer parte da escola a jovem Angel, que se casaria com Klauss. Mais tarde, o filho do casal, Rainer Vianna (1958-1995), seguiu os passos dos pais na vida profissional e deu continuidade aos estudos do movimento. Em 1958, abrem a escola Balé Klauss Vianna, período em que o bailarino mineiro, sempre acompanhado por Angel Vianna, aprofundou suas pesquisas coreográficas e pedagógicas. "Mergulhamos fundo nos estudos da anatomia", lembra Angel.

Bahia
Os estudos começaram em Minas e tiveram continuidade quando o casal se mudou para Salvador, na Bahia, em 1963, para lecionar na Escola de Dança da Universidade Federal do estado. A convite de Rolf Gelewsky, diretor do curso, Klauss transferiu-se para lá com o objetivo de fundar um núcleo de estudo de balé clássico na faculdade. Foi durante a temporada na capital baiana que o coreógrafo avançou no conhecimento sobre anatomia. "Ele não só trabalhava a denominação dos ossos, mas também sua função e a dos músculos no movimento. E, ainda, relacionava a posição do esqueleto com sentimentos e os ossos com a emoção", explica Neide Neves em sua dissertação de mestrado Movimento Como Processo Evolutivo - Técnica Klauss Vianna (2004), cujo texto está sendo preparado para publicação em livro. Apesar de todas as inovações, o professor nunca rompeu com o balé clássico, fonte do seu trabalho e base de sua formação em Belo Horizonte. "De maneira alguma houve um rompimento com o balé", enfatiza Angel. "A base é clássica e traz toda uma pesquisa ligada à dança contemporânea. Eu, por exemplo, não me fixei no clássico, mas trabalho com essa base. O resto é criativo."


Ponte aérea
Após dois anos na Bahia, Klauss e Angel decidiram partir de novo. O destino foi o Rio de Janeiro. Em 1966, Klauss entrou para o grupo de professores da escola dirigida por Tatiana Leskowa. "A partir de 1968 e por 6 anos, ele lecionou na Escola Municipal de Bailados do Rio de Janeiro, onde escolheu dar aulas para crianças e pôde desenvolver a fase lúdica da sua técnica", diz a professora Neide Neves. Mas foi em 1967 que teve início uma das fases mais importantes da carreira dele. Nessa época levou para o teatro (ver boxe: Com os pés no teatro) tudo que sabia sobre o corpo e o movimento. "Minha vida passou a ser só isso: dança de manhã e à tarde, teatro à noite. E muito cigarro e uísque", revelou na autobiografia. Em 1972, o coreógrafo tornou-se o único profissional da área de corpo a receber o prêmio Molière, um dos mais importantes do teatro brasileiro, pelo conjunto da obra. No entanto, nesse mesmo ano, sofreu o infarto que o obrigou a conviver com problemas cardíacos até a morte, em 1992. "Ele aprofundou seu trabalho na pesquisa para criar uma metodologia para dança e teatro", explica Angel. "Hoje, esse trabalho consiste no conhecimento profundo do corpo." Após quase duas décadas no Rio, resolveu fazer as malas novamente. Dessa vez, rumo a São Paulo, e sozinho. "Fiz todos os rompimentos que achava necessários naquela hora", escreveu. "Fugi para São Paulo, sem qualquer perspectiva de trabalho, sem projetos, sem nada." Na capital paulista, ele deu aulas em estúdios de dança, como a academia de Lala Deheinzelin, as escolas de Ruth Rachou e Renée Gumiel, e a Steps - Espaço de Dança.

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veja boxes:
Com os pés no teatro
Palcos da dança

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com os pés no teatro

Klauss Vianna mudou a relação do ator com o corpo, ao explorar ao máximo os movimentos da dança no universo da dramaturgia


Foi por acaso que o teatro e Klauss Vianna se encontraram no Rio de Janeiro, em 1968. Hoje é praticamente impossível pensar em um ator subindo ao palco sem preparação corporal, somente com o texto, a cara, o talento e a coragem. Mas não era assim até Klauss substituir a coreógrafa do espetáculo A Ópera dos Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill, com direção de José Renato e com atores como Dulcina de Moraes, Marília Pêra, Oswaldo Loureiro e José Wilker. "A única pessoa que fazia coreografias para teatro, no Rio de Janeiro - na verdade eram "dancinhas", pois os atores não tinham a menor noção de dança naquela época -, era Sandra Dickens", conta o coreógrafo em seu livro A Dança (Summus Editorial, 3ª edição, 2005). "Um dia ela me perguntou se eu não gostaria de fazer uma coreografia no lugar dela (...). Aceitei e isso mudou minha vida." Essa nova empreitada contou com a ajuda da mulher, Angel Vianna. "Ela demonstrava fisicamente suas sugestões e colaborou na elaboração dos princípios da metodologia do trabalho dele com os atores", escreve a professora do curso de Artes do Corpo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Neide Neves, no texto de sua dissertação de mestrado "Movimento Como Processo Evolutivo - Técnica Klauss Vianna"(2004). Depois de A Ópera dos Três Vinténs vieram importantes peças do teatro brasileiro, como Roda Viva, também de 1968. Com texto de Chico Buarque e direção de José Celso Martinez Corrêa, a peça, que tinha Marieta Severo no elenco, tornou-se uma das mais importantes daquela década, marcada por uma dramaturgia que protestava contra a ditadura militar. "Participei do espetáculo desde os primeiros testes (...) e a cada vez ouvindo o José Celso: 'Vai, experimenta mais, faz mais, bota mais dança.' E a cada ensaio propunha mais movimentação para os atores", escreveu o coreógrafo. O trabalho seguinte foi Navalha na Carne (1968), de Plínio Marcos, com direção de Fauzi Arap, e Tônia Carrero, Nelson Xavier e Emiliano Queiroz no elenco. Foi nessa época que se passou a designar as experiências de Klauss Vianna no teatro como "expressão corporal". "Tudo isso era de uma riqueza enorme, porque meu trabalho com atores modificava minhas aulas com os bailarinos nos dias seguintes. Ao mesmo tempo, essas aulas influenciavam a coreografia que faria para o teatro, mais tarde. O teatro, à noite, modificava a dança, de dia. E tudo se juntava numa coisa só", contou. Entre outras peças, contribuiu com Hoje É Dia de Rock, de José Vicente, de 1972, dirigida por Rubens Corrêa, com atuação de Rubens, Ivan de Albuquerque e do próprio Klauss. Ao todo, no currículo do coreógrafo, foram aproximadamente 25 experiências teatrais que, pela vontade de explorar os movimentos o máximo possível, influenciam as artes cênicas brasileiras até hoje.


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Palcos da dança

Sesc Consolação homenageia o coreógrafo e professor, enquanto outras unidades também transitam pelo rico e variado mundo da arte do movimento

De 7 a 12 de março, o Sesc Consolação foi tomado pela atmosfera da dança. Inspirada em Klauss Vianna (1928-1992), a primeira edição do projeto Territórios da Dança teve como objetivo principal fazer a ponte entre o público e o universo de pesquisa e criação da dança e dança-teatro. Um projeto voltado não só para profissionais, mas também para o público em geral. "Klauss foi pioneiro ao propor um tratamento cênico à luz de princípios que unem investigação artística e pedagogia do movimento", informa Natália Sasso, técnica da unidade. "Esse somatório conduziu à renovação dos sistemas tradicionais de ensino e também ao treinamento do corpo que está em cena." A expectativa dos organizadores é que o resultado dessa grande reunião dê frutos a médio prazo. "A idéia é contribuir para a formação de platéia para a dança", conta a técnica.

Outras unidades do Sesc São Paulo contam com uma intensa programação na área. No Sesc Pinheiros, o espetáculo Milágrimas (em cartaz até 2 de abril), de Ivaldo Bertazzo, um dos mais importantes coreógrafos do Brasil e também ex-aluno de Klauss Vianna, recebeu até agora cerca de 30 mil espectadores. O trabalho apresenta uma relação musical entre África e Brasil que vai além das semelhanças já conhecidas. "São duas culturas maravilhosas, ricas e diversas, em que a dança e a música se completam de forma harmoniosa e delicada", afirma Bertazzo. No palco, quem brilha são os jovens do projeto Dança Comunidade, iniciativa criada em 2003 como resultado de uma parceria entre Bertazzo, o Sesc São Paulo e diversas ONGs que atuam na periferia paulistana e que já rendeu o sucesso Samwaad - Rua do Encontro. Hoje o grupo é formado por 41 jovens e adultos, entre 14 e 29 anos, que passam 32 horas por semana participando de diversas atividades, como cursos de reeducação do movimento e aulas de canto e percussão.

No Sesc Santos, desde 1998, acontece a Bienal Sesc de Dança, que reúne as mais diversas áreas de atuação do mundo da dança. Além dos espetáculos, há uma intensa programação com debates, workshops e vídeos. A última foi realizada em 2004 e teve como tema O Corpo Brasileiro na Dança. Ao todo participaram dessa edição 29 grupos vindos de vários cantos do país.

No Sesc Santo André, o projeto Dança Hoje traz uma programação permanente que busca difundir e ampliar o espaço para a dança contemporânea na região. Quinzenalmente, espetáculos que valorizam a pesquisa de linguagens são apresentados na unidade. Em março foi a vez de Disseram Que Eu Era Japonesa, em que a coreógrafa Letícia Sekito, junto com a artista plástica Suzy Okamoto e a VJ Kika Nicolela, buscam interagir com o universo japonês ao abordar a relação entre o corpo e a cultura.

O Japão também foi um dos pontos de partida da programação de dança do mês de março do Sesc Belenzinho. Pela terceira vez no Brasil, Tadashi Endo, bailarino, coreógrafo e diretor do Mamu Butoh Center, em Göttingen, na Alemanha, fez quatro apresentações na unidade, duas do espetáculo MA e outras duas de Tasogare. A base de sua técnica é o estilo butoh-ma. "Por meio de um mínimo de movimento, ele alcança o máximo de tensões, sensações e emoções, e, dessa forma, seu trabalho consegue ser uma síntese entre teatro, performance, improvisação e dança", explica Carlos Simioni, ator fundador do Lume, grupo de Campinas dirigido por Tadashi no espetáculo Shi-Zen, 7 Cuias.


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