Corpo
sem limite
Klauss Vianna revolucionou
a dança no Brasil ao imprimir consciência ao movimento
"Acho uma ignorância
atroz o preconceito contra formas artísticas e infelizmente contra
ignorância não tem solução. É ridículo
pensar que a dança só se faz a partir de cinco posições
ou que só é válida a dança que nasceu na Europa",
dispara o professor, coreógrafo e bailarino mineiro Klauss Vianna
(1928-1992) na autobiografia A Dança (Summus Editorial,
3ª edição, 2005). A crença de que os movimentos
da dança são muito mais do que as tradicionais posições
do balé clássico foi a bússola que guiou o professor,
um dos maiores nomes da área no Brasil, por toda a vida. "Começamos
dando aulas para crianças de 8 a 14 anos, na década de 50,
em Belo Horizonte", lembra a também professora, bailarina
e coreógrafa Angel Vianna, viúva de Klauss. "A primeira
coisa que ele fez foi pedir que os alunos tirassem as sapatilhas, assim
poderiam trabalhar a estrutura de apoio dos pés. Foi totalmente
inovador, porque ninguém dançava sem sapatilha." O
coreógrafo explorou inúmeras formas de movimento capazes
de ser realizados pelo corpo humano, a partir da observação
do que se passa no perímetro que vai da ponta dos pés aos
fios de cabelos de uma pessoa. Alguns chamam o procedimento de consciência
corporal, outros de técnica Klauss Vianna.(veja boxe:
Palcos da dança)
Independentemente do nome, sua proposta rompeu conceitos e revolucionou
tudo que tinha sido visto em termos de dança no Brasil até
a década de 50. Legiões de bailarinos, atores, coreógrafos
e professores se beneficiam até hoje da quebra de paradigma ocorrida
em meados do século 20. Tirar a sapatilha? Esquecer aquela história
de coluna sempre ereta? Onde já se viu isso... Onde? Nas aulas
de Klauss Vianna. "Até hoje o trabalho dele guarda muitos
aspectos inovadores", afirma Neide Neves, professora do curso de
Comunicação das Artes do Corpo da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). "O trabalho dele não
se fez só na dança, alcançou o teatro e chegou até
mesmo a tocar na área da saúde. Ele propõe que se
trabalhe a partir da estrutura corporal, no sentido de disponibilizar
ao máximo o corpo para o movimento. Inevitavelmente, passa-se por
uma reeducação de postura e movimento."
Lá em Minas
Klauss Vianna nasceu em 12 de agosto de 1928 em Belo Horizonte. Seu primeiro
interesse nas artes foi o teatro, até ele assistir a Juventude,
espetáculo de dança dirigido por Igor Schwezoff, e ficar
encantado. "Aquilo era tudo que eu queria: dança, música,
teatro", conta no livro. Na década de 40, com a chegada do
bailarino e coreógrafo Carlos Leite à capital mineira, inicia
o percurso que o levaria anos depois ao desenvolvimento da própria
técnica. Ingressa, em 1944, na escola de dança clássica
criada pelo então solista do Corpo de Baile do Teatro Municipal
do Rio de Janeiro. Nessa época, também passou a fazer parte
da escola a jovem Angel, que se casaria com Klauss. Mais tarde, o filho
do casal, Rainer Vianna (1958-1995), seguiu os passos dos pais na vida
profissional e deu continuidade aos estudos do movimento. Em 1958, abrem
a escola Balé Klauss Vianna, período em que o bailarino
mineiro, sempre acompanhado por Angel Vianna, aprofundou suas pesquisas
coreográficas e pedagógicas. "Mergulhamos fundo nos
estudos da anatomia", lembra Angel.
Bahia
Os
estudos começaram em Minas e tiveram continuidade quando o casal
se mudou para Salvador, na Bahia, em 1963, para lecionar na Escola de
Dança da Universidade Federal do estado. A convite de Rolf Gelewsky,
diretor do curso, Klauss transferiu-se para lá com o objetivo de
fundar um núcleo de estudo de balé clássico na faculdade.
Foi durante a temporada na capital baiana que o coreógrafo avançou
no conhecimento sobre anatomia. "Ele não só trabalhava
a denominação dos ossos, mas também sua função
e a dos músculos no movimento. E, ainda, relacionava a posição
do esqueleto com sentimentos e os ossos com a emoção",
explica Neide Neves em sua dissertação de mestrado Movimento
Como Processo Evolutivo - Técnica Klauss Vianna (2004), cujo texto
está sendo preparado para publicação em livro. Apesar
de todas as inovações, o professor nunca rompeu com o balé
clássico, fonte do seu trabalho e base de sua formação
em Belo Horizonte. "De maneira alguma houve um rompimento com o balé",
enfatiza Angel. "A base é clássica e traz toda uma
pesquisa ligada à dança contemporânea. Eu, por exemplo,
não me fixei no clássico, mas trabalho com essa base. O
resto é criativo."
Ponte
aérea
Após dois anos na Bahia, Klauss e Angel decidiram partir de novo.
O destino foi o Rio de Janeiro. Em 1966, Klauss entrou para o grupo de
professores da escola dirigida por Tatiana Leskowa. "A partir de
1968 e por 6 anos, ele lecionou na Escola Municipal de Bailados do Rio
de Janeiro, onde escolheu dar aulas para crianças e pôde
desenvolver a fase lúdica da sua técnica", diz a professora
Neide Neves. Mas foi em 1967 que teve início uma das fases mais
importantes da carreira dele. Nessa época levou para o teatro (ver
boxe: Com os pés no teatro) tudo que
sabia sobre o corpo e o movimento. "Minha vida passou a ser só
isso: dança de manhã e à tarde, teatro à noite.
E muito cigarro e uísque", revelou na autobiografia. Em 1972,
o coreógrafo tornou-se o único profissional da área
de corpo a receber o prêmio Molière, um dos mais importantes
do teatro brasileiro, pelo conjunto da obra. No entanto, nesse mesmo ano,
sofreu o infarto que o obrigou a conviver com problemas cardíacos
até a morte, em 1992. "Ele aprofundou seu trabalho na pesquisa
para criar uma metodologia para dança e teatro", explica Angel.
"Hoje, esse trabalho consiste no conhecimento profundo do corpo."
Após quase duas décadas no Rio, resolveu fazer as malas
novamente. Dessa vez, rumo a São Paulo, e sozinho. "Fiz todos
os rompimentos que achava necessários naquela hora", escreveu.
"Fugi para São Paulo, sem qualquer perspectiva de trabalho,
sem projetos, sem nada." Na capital paulista, ele deu aulas em estúdios
de dança, como a academia de Lala Deheinzelin, as escolas de Ruth
Rachou e Renée Gumiel, e a Steps - Espaço de Dança.
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veja boxes:
Com
os pés no teatro
Palcos
da dança
Com
os pés no teatro
Klauss Vianna mudou a relação do ator com o corpo,
ao explorar ao máximo os movimentos da dança no universo
da dramaturgia
Foi
por acaso que o teatro e Klauss Vianna se encontraram no Rio de
Janeiro, em 1968. Hoje é praticamente impossível pensar
em um ator subindo ao palco sem preparação corporal,
somente com o texto, a cara, o talento e a coragem. Mas não
era assim até Klauss substituir a coreógrafa do espetáculo
A Ópera dos Três Vinténs, de Bertold
Brecht e Kurt Weill, com direção de José Renato
e com atores como Dulcina de Moraes, Marília Pêra,
Oswaldo Loureiro e José Wilker. "A única pessoa
que fazia coreografias para teatro, no Rio de Janeiro - na verdade
eram "dancinhas", pois os atores não tinham a menor
noção de dança naquela época -, era
Sandra Dickens", conta o coreógrafo em seu livro A
Dança (Summus Editorial, 3ª edição,
2005). "Um dia ela me perguntou se eu não gostaria de
fazer uma coreografia no lugar dela (...). Aceitei e isso mudou
minha vida." Essa nova empreitada contou com a ajuda da mulher,
Angel Vianna. "Ela demonstrava fisicamente suas sugestões
e colaborou na elaboração dos princípios da
metodologia do trabalho dele com os atores", escreve a professora
do curso de Artes do Corpo, da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP), Neide Neves, no texto de sua dissertação
de mestrado "Movimento Como Processo Evolutivo - Técnica
Klauss Vianna"(2004). Depois de A Ópera dos Três
Vinténs vieram importantes peças do teatro brasileiro,
como Roda Viva, também de 1968. Com texto de Chico
Buarque e direção de José Celso Martinez Corrêa,
a peça, que tinha Marieta Severo no elenco, tornou-se uma
das mais importantes daquela década, marcada por uma dramaturgia
que protestava contra a ditadura militar. "Participei do espetáculo
desde os primeiros testes (...) e a cada vez ouvindo o José
Celso: 'Vai, experimenta mais, faz mais, bota mais dança.'
E a cada ensaio propunha mais movimentação para os
atores", escreveu o coreógrafo. O trabalho seguinte
foi Navalha na Carne (1968), de Plínio Marcos, com
direção de Fauzi Arap, e Tônia Carrero, Nelson
Xavier e Emiliano Queiroz no elenco. Foi nessa época que
se passou a designar as experiências de Klauss Vianna no teatro
como "expressão corporal". "Tudo isso era
de uma riqueza enorme, porque meu trabalho com atores modificava
minhas aulas com os bailarinos nos dias seguintes. Ao mesmo tempo,
essas aulas influenciavam a coreografia que faria para o teatro,
mais tarde. O teatro, à noite, modificava a dança,
de dia. E tudo se juntava numa coisa só", contou. Entre
outras peças, contribuiu com Hoje É Dia de Rock,
de José Vicente, de 1972, dirigida por Rubens Corrêa,
com atuação de Rubens, Ivan de Albuquerque e do próprio
Klauss. Ao todo, no currículo do coreógrafo, foram
aproximadamente 25 experiências teatrais que, pela vontade
de explorar os movimentos o máximo possível, influenciam
as artes cênicas brasileiras até hoje.
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Palcos
da dança
Sesc
Consolação homenageia o coreógrafo e professor,
enquanto outras unidades também transitam pelo rico e variado
mundo da arte do movimento
De
7 a 12 de março, o Sesc Consolação foi tomado
pela atmosfera da dança. Inspirada em Klauss Vianna (1928-1992),
a primeira edição do projeto Territórios da
Dança teve como objetivo principal fazer a ponte entre o
público e o universo de pesquisa e criação
da dança e dança-teatro. Um projeto voltado não
só para profissionais, mas também para o público
em geral. "Klauss foi pioneiro ao propor um tratamento cênico
à luz de princípios que unem investigação
artística e pedagogia do movimento", informa Natália
Sasso, técnica da unidade. "Esse somatório conduziu
à renovação dos sistemas tradicionais de ensino
e também ao treinamento do corpo que está em cena."
A expectativa dos organizadores é que o resultado dessa grande
reunião dê frutos a médio prazo. "A idéia
é contribuir para a formação de platéia
para a dança", conta a técnica.
Outras
unidades do Sesc São Paulo contam com uma intensa programação
na área. No Sesc Pinheiros, o espetáculo Milágrimas
(em cartaz até 2 de abril), de Ivaldo Bertazzo, um dos mais
importantes coreógrafos do Brasil e também ex-aluno
de Klauss Vianna, recebeu até agora cerca de 30 mil espectadores.
O trabalho apresenta uma relação musical entre África
e Brasil que vai além das semelhanças já conhecidas.
"São duas culturas maravilhosas, ricas e diversas, em
que a dança e a música se completam de forma harmoniosa
e delicada", afirma Bertazzo. No palco, quem brilha são
os jovens do projeto Dança Comunidade, iniciativa criada
em 2003 como resultado de uma parceria entre Bertazzo, o Sesc São
Paulo e diversas ONGs que atuam na periferia paulistana e que já
rendeu o sucesso Samwaad - Rua do Encontro. Hoje o grupo
é formado por 41 jovens e adultos, entre 14 e 29 anos, que
passam 32 horas por semana participando de diversas atividades,
como cursos de reeducação do movimento e aulas de
canto e percussão.
No Sesc Santos, desde 1998, acontece a Bienal Sesc de Dança,
que reúne as mais diversas áreas de atuação
do mundo da dança. Além dos espetáculos, há
uma intensa programação com debates, workshops e vídeos.
A última foi realizada em 2004 e teve como tema O Corpo Brasileiro
na Dança. Ao todo participaram dessa edição
29 grupos vindos de vários cantos do país.
No Sesc Santo André, o projeto Dança Hoje traz uma
programação permanente que busca difundir e ampliar
o espaço para a dança contemporânea na região.
Quinzenalmente, espetáculos que valorizam a pesquisa de linguagens
são apresentados na unidade. Em março foi a vez de
Disseram Que Eu Era Japonesa, em que a coreógrafa
Letícia Sekito, junto com a artista plástica Suzy
Okamoto e a VJ Kika Nicolela, buscam interagir com o universo japonês
ao abordar a relação entre o corpo e a cultura.
O Japão também foi um dos pontos de partida da programação
de dança do mês de março do Sesc Belenzinho.
Pela terceira vez no Brasil, Tadashi Endo, bailarino, coreógrafo
e diretor do Mamu Butoh Center, em Göttingen, na Alemanha,
fez quatro apresentações na unidade, duas do espetáculo
MA e outras duas de Tasogare. A base de sua técnica
é o estilo butoh-ma. "Por meio de um mínimo de
movimento, ele alcança o máximo de tensões,
sensações e emoções, e, dessa forma,
seu trabalho consegue ser uma síntese entre teatro, performance,
improvisação e dança", explica Carlos
Simioni, ator fundador do Lume, grupo de Campinas dirigido por Tadashi
no espetáculo Shi-Zen, 7 Cuias.
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