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REVISTA E - mar 2006

 




Hoje tem espetáculo?

por Adolfo Mazzarini Filho


Hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor. Às oito da noite? É sim, senhor.
Hoje tem marmelada? Tem sim, senhor.
Hoje tem goiabada? Tem sim, senhor. E a moça na janela? Tem cara de panela.
E a negra no portão? Tem cara de tição.
E o palhaço, o que é? É ladrão de muié. Ó raio, ó sol, suspende a lua!
Viva o palhaço que está na rua.


Minha infância foi recheada de poesia e circo. A poesia pelo meu pai e o circo porque era uma das únicas manifestações artísticas que chegavam ao interior. Sim, também havia o cinema e a música. Mas a chegada de um circo numa pequena cidade era uma transformação total. Lembro-me da euforia, do movimento: o desfile de chegada, a lona sendo erguida, o convite feito pelos artistas em todos os cantos. O nosso cotidiano modificava, o assunto do momento passava a ser o circo e suas histórias... A do casal de domadores recém-casados que haviam sido atacados pelos leões, das pessoas que fugiam com o circo, dos meninos que corajosamente furavam a lona. E todos queriam ver o maior espetáculo da terra. Pelo menos daquela nossa pequena terra.


Nas funções, as atrações de sempre, mas se eu pudesse ia todos os dias. Os palhaços, o táxi maluco, os trapezistas, os malabaristas e equilibristas, a contorcionista, o atirador de facas, os animais, a bandinha, o globo da morte, as mulheres com roupas ousadas e sensuais. E na segunda parte o circo-teatro. Encantava-me com aqueles dramas e comédias: Sansão e Dalila, O Homem Que Nasceu Duas Vezes, Lágrimas de Homem, Mestiça, E o Céu Uniu Dois Corações... Dos circos da minha infância lembro-me do Circo Robatini, Circo Teatro Irmãos Almeida, Circo Teatro Universo, Circo Teatro Rosário, Circo Teatro Novo Mundo e, talvez o mais famoso de todos, Circo Teatro Guaraciaba.


O tempo passou, as mudanças vieram, mas o circo sempre esteve presente em minha vida. Já não era a mesma emoção da infância, como não era a mesma cidade. Mas o fascínio sempre foi o mesmo. Morei em muitos lugares e, sempre que havia um circo, lá estava eu. Na hora de escolher minha profissão, não por acaso, fui estudar artes cênicas.


No entanto, foi através do Sesc que tive o privilégio de me aproximar mais do circo e seus artistas. Primeiro, em Campinas, primeira unidade em que trabalhei e na qual conheci de perto o novo circo francês. Realizamos na cidade, com enorme sucesso, apresentações do Les Art Sauts, com seu caminhão-trapézio encantador, do Que-Cir-Que, com um banho de técnica e criatividade, e da trupe de Jérome Thomas, que reescreveu a arte dos malabares.


Em 1997, por ocasião do centenário de nascimento do palhaço Piolin, um dos mais expressivos palhaços do país, coordenei o projeto Sua Majestade o Circo, que, numa lona montada no Teatro de Arena do Centro de Convivência Cultural, reuniu durante três semanas o circo tradicional e a nova geração do circo brasileiro. Já em São Paulo, em janeiro de 2002, realizamos também o Circo-Cine-Teatro Sesc Belenzinho, sob uma grande lona armada na praça central da unidade, arquibancadas para 500 pessoas, picadeiro e palco, onde aconteceram espetáculos de circo-teatro, exibições de filmes comentados, espetáculos circenses para crianças, espetáculos de circo tradicional e de circo contemporâneo, além de diversas oficinas das técnicas circenses.


Hoje, por mais que se fale que o circo está acabando, que só sobreviverão os grandes circos, a arte circense tem se fortalecido muito e sobrevive também fora do picadeiro. A nova geração, que surgiu nas últimas décadas em vários países, com a denominação de circo contemporâneo ou novo circo, que nem sempre são oriundos de famílias circenses, faz escola de circo, estuda, cria uma nova forma dessa arte, unindo técnicas do circo com outras artes. Temos no Brasil inúmeros grupos que surgiram e pertencem a essa geração, que revitalizam o circo. Já há alguns anos, artistas de vários grupos brasileiros vêm sendo contratados para trabalhar no Cirque du Soleil, o circo canadense considerado um dos melhores do mundo.


É por isso e por muito mais que podemos afirmar, com toda alegria, que hoje tem espetáculo sim, senhor!


Adolfo Mazzarini Filho
, formado em artes cênicas, é técnico do Sesc Belenzinho

 

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