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REVISTA E - março 2006

Adrenalina controlada




O turismo de aventura, no qual o esporte radical – rapel, trilha, canoagem – é o principal atrativo, tem sido alvo de discussão por conta de acidentes, alguns fatais, que colocaram em dúvida as condições de segurança dessas práticas. A busca por manter o interesse nesse filão específico da atividade turística levou o setor a iniciar um processo de regulamentação cujo principal objetivo é separar iniciativas sérias e responsáveis de um perigoso amadorismo. A seguir, o advogado especialista em turismo e direito ambiental Vinicius Porto (leia o artigo) e o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura (Abeta), Felipe Aragão Jr. (leia o artigo), debatem o assunto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A organização do turismo de aventura no Brasil - por Felipe Aragão Jr.

Estudos têm nos apontado que o turismo de aventura está em franca expansão, tanto no Brasil como no exterior, crescendo a taxas bem superiores que as do turismo convencional. No entanto, apesar do ritmo de crescimento e do interesse que desperta, é um segmento multifacetado e ainda pouco compreendido pelos consumidores de um modo geral.


O turismo de aventura, em suas diversas modalidades, que vão de uma caminhada no ambiente natural, passando pelo rafting, cicloturismo, vôo livre a muitas outras, tem atuado como propulsor no processo de desenvolvimento turístico de alguns municípios, promovendo investimentos e gerando, por conseqüência, trabalho e renda para regiões antes não reconhecidas como destinos tradicionais.


Diante de um universo de quase 3 mil organizações que oferecem turismo de aventura atualmente no Brasil, era preciso que surgissem iniciativas concretas que estimulassem esse segmento através de mecanismos eficazes de controle da segurança e da sustentabilidade.


Pela necessidade de organização do mercado, em agosto de 2004, foi fundada a Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura (Abeta), cuja missão é promover o profissionalismo e as melhores práticas de segurança e qualidade, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do turismo de aventura no Brasil, em parceria estreita com os diferentes atores da sociedade, poder público e terceiro setor, buscando incentivar de forma harmônica e ética a preservação do patrimônio ambiental, social e histórico-cultural, visando, por fim, à satisfação do consumidor final.
Apesar da evolução do segmento no país e dos esforços da Abeta, ainda persiste, por parte da sociedade e da maioria das instituições de fomento ao turismo, certa confusão a respeito do que é esporte de aventura e o que é turismo de aventura.


No turismo de aventura, as atividades são oferecidas comercialmente, principalmente, para pessoas que ainda não têm aptidão no esporte, havendo a necessidade de ser conduzidas, acompanhadas ou introduzidas na atividade. Grosso modo, é o fato da existência da relação de consumo entre cliente e fornecedor que distingue as duas situações. O esporte de aventura, por outro lado, é toda atividade lúdica praticada espontaneamente pelo atleta ou praticante, por lazer, recreação ou competição, em que não haja nenhuma relação de consumo entre este e um prestador de serviços turísticos quanto à oferta específica da atividade.


Também não podemos confundir turismo de aventura com esporte “radical”. Embora o esporte faça parte da oferta, no turismo de aventura, ele é oferecido em bases comerciais, gerando obrigações legais entre o prestador e o consumidor do serviço. O termo radical tampouco pode ser associado ao turismo, uma vez que denota situações extremas, de perigo, ações temerárias e outras relacionadas, inclusive, a atos terroristas (por exemplo, “radicais da Al Qaeda”). O turismo de aventura oferecido de forma segura, ética e responsável, desenvolvido segundo as melhores práticas de cada atividade, não pode ser entendido, portanto, como atividade “radical”.


Durante os últimos meses, a Abeta tem apoiado o Projeto de Normalização e Certificação em Turismo de Aventura do Ministério do Turismo, que visa a subsidiar o desenvolvimento de um conjunto de normas técnicas para as diversas atividades que compõem o setor no âmbito da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas, órgão responsável pela normalização técnica do país] e do Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, órgão responsável, entre outras coisas, por verificar a observância, por parte das empresas, das normas técnicas e legais quanto às unidades de medida, métodos e instrumentos de medição etc.]. O Ministério do Turismo (Mtur) considerou o turismo de aventura como um dos segmentos prioritários, devido à necessidade de se prevenirem acidentes na prática dessa atividade. O tema é complexo e envolve diversas modalidades com níveis de risco e incidência de perigos bastante diferentes.


De forma extremamente coerente, o MTur decidiu partir pelo lado da normalização em vez da normatização, ou seja, optou por uma linha de ordenamento do setor através de normas técnicas voluntárias, via ABNT, produzidas pela sociedade e partes interessadas, em que reconheceu a dificuldade que encontraria no futuro, caso optasse pela normatização, ou seja, por um processo legislativo convencional através da criação de leis de difícil operacionalização, principalmente diante da grande dificuldade de fiscalizar empresas nos mais diversos rincões deste país-continente. O MTur aponta para a criação de um sistema de indução no qual as organizações devam buscar voluntariamente a certificação diante de uma série de vantagens oficiais que podem auferir, tais como linhas de crédito especiais, seguros mais abrangentes, condições diferenciadas para a participação em eventos promocionais oficiais, entre outras.
Outro avanço do turismo de aventura no Brasil foi a celebração de um convênio entre a Abeta e o MTur para promover um salto de qualidade no turismo de aventura no Brasil, tendo por objetivo o fortalecimento institucional do segmento no país, a implementação de um amplo projeto de qualificação de condutores, empreendedores e de sistemas de gestão da segurança, além do apoio à criação de grupos voluntários de busca e salvamento de turismo de aventura em alguns dos principais pólos dessa atividade.


A Abeta tem conseguido se firmar como um importante veículo indutor de mudanças nesse segmento tão recente e inovador, o qual, infelizmente ainda é surpreendido por acidentes e, de modo geral, ainda carece de mais qualificação voltada para gestão, atendimento, operação e segurança, salvo alguns modelos de excelência já existentes no Brasil.
Nosso desafio para o ordenamento do segmento é colossal, mas colossal também é nossa disposição para seguir avante com as mudanças e ações que têm como meta colocar o Brasil definitivamente no cenário internacional do turismo de aventura.

Felipe Aragão Jr. é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura (Abeta)

 

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Em busca de um turismo mais seguro - por Vinicius Porto

O turismo de aventura, segmento do turismo que compreende os movimentos turísticos decorrentes da prática de atividades de aventura de caráter recreativo e não competitivo, é uma das áreas do setor que mais crescem na atualidade e, portanto, vem merecendo um tratamento positivo da sociedade e do Ministério do Turismo (MTur) no que se refere à organização, qualificação e normalização de procedimentos, pessoas e produtos.

A segurança nas operações, o alto índice de acidentes e a possibilidade real de crescimento do segmento favorecem um processo voluntário de organização, o que estamos vivenciando. O importante e o foco da abordagem jurídica sobre o processo de normalização se dão na realidade de que a regulamentação e a aplicação das melhores práticas de segurança devam ser aperfeiçoadas e organizadas, para que efetivamente a existência de normas se reverta em diminuição e controle de riscos. No âmbito do processo de normalização realizado pelo MTur, uma das normas aplicáveis a todas as atividades turísticas de aventura é, não por outra razão, a da gestão da segurança.

É fundamental refletir sobre o caráter comercial das atividades, do enfoque econômico que a realização das práticas de aventura ganha quando elas são colocadas no mercado de consumo turístico, porque de um lado existe uma pessoa adquirindo comercialmente um produto ou serviço, a qual tem o direito legal de receber um produto ou serviço seguro para sua saúde, integridade e vida. Do outro lado, tem-se uma cadeia de fornecedores que passa por equipamentos, empresas receptivas, guias, entre outros. Seriam todas as pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que desenvolvem atividades de criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço, na conceituação consumerista.

Esses fornecedores devem a rigor ser constituídos formalmente, com registros comerciais inerentes a qualquer atividade econômica, cadastro no MTur com outras especificidades em alguns casos, mas a informalidade percebida no turismo de aventura também é uma realidade jurídica a ser considerada. Prestadores de serviços em vários casos não oferecem contratos, seguros, não fornecem informações adequadas, o que prejudica a segurança do consumidor já bem antes do início da operação comercial, prejudicando seu acesso a direitos que possui.

É necessário o entendimento de que serviço, no termo legal, é o que fazem receptivos, agências, transportadoras, guias, entre outros. Isso possibilita ver que a relação havida entre o turista e os fornecedores é uma relação de consumo, objeto da proteção do Código de Defesa do Consumidor e, em segunda análise, objeto também do processo de normalização voluntária em andamento.

Na atividade esportiva, a qual não é objeto do processo de normalização que está em andamento, temos uma prática de responsabilidade individual do praticante. Na atividade comercial, é imperioso existir maior segurança para os profissionais e turistas, pois eles não mais assumem determinados riscos, os quais transferem a terceiros, diferentemente do que ocorre nas práticas esportivas.

O termo mais adequado para o processo que estamos vivenciando não seria regulamentação e sim normalização, pois se trata de um processo que tem como pilar a voluntariedade. O foco do projeto são operações responsáveis e seguras no turismo de aventura, e um dos desdobramentos da normalização, ressaltando-se que não é o único, é a certificação. Não há a obrigatoriedade, como nas leis.

As premissas do processo de normalização em turismo de aventura são a consulta às partes interessadas e o desenvolvimento das normas no sistema público, sendo este no ambiente do sistema oficial brasileiro (ABNT–Inmetro). A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) é uma entidade privada, sem fins lucrativos, de utilidade pública; é representante brasileira em fóruns regionais e internacionais de normalização voluntária.

As normas desenvolvidas são documentos estabelecidos por consenso e aprovados por um organismo reconhecido, que fornece regras, diretrizes ou características para atividades ou seus resultados, para uso comum e repetitivo visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto. Resumindo grosseiramente o processo de normalização, podemos dizer que a sociedade manifesta a necessidade de ter uma norma, o comitê oficial brasileiro específico analisa o tema e o inclui no seu Programa de Normalização Setorial, momento em que é criada uma comissão de estudo ou o tema é incluído em alguma existente, desde que compatível. Esta elabora um projeto de norma com base no consenso dos participantes e o submete a consulta pública. Finalizada a consulta nacional, na qual todo cidadão pode opinar, a comissão analisa o projeto de norma, que após considerações e análise de votos é aprovado.

Três normas técnicas já foram concluídas e publicadas como Normas Brasileiras (NBR), outras estão em consulta nacional e outras em desenvolvimento. O cidadão, consumidor ou não, os fornecedores, os esportistas, as associações, o poder público e quaisquer interessados podem e devem participar. Não basta que tenhamos leis e normas, se o envolvimento, a criação e o aperfeiçoamento jurídico não forem priorizados. O respeito à legislação brasileira gera mais segurança nas atividades; não nos falta lei de proteção ao consumidor. Muito bom também que a organização desça agora de forma voluntária às questões técnicas, à qualificação de pessoas, aos equipamentos, às informações preliminares aos clientes, ou mesmo a como fazer uma operação turística com boas práticas de segurança, preservando direitos e vidas.

Vinicius Porto é advogado especialista em turismo e direito ambiental

 

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