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Ficção Inédita

REVISTA E - março 2006

por Evandro Affonso Ferreira


ARAÃ!
Vivo numa borreguice daquelas apre pudesse passava resto da vida nesta cadeira de balanço; ando numa indecisão numa maré-me-leva-maré-me-traz que só vendo; vida custosa diacho; agora, para mal dos meus pecados, dei pra soltar perdigoto na cara delas visitas, cada vez mais rareadas, é verdade, também pudera virei loba da estepe, caturra; eta vida besta; estou durando muito tempo, velha como a serpe; incomoda mesmo é a solidão; careço ouvir voz que não seja a minha risada que não seja a minha choro que não seja o meu casmurrice que não seja a minha tosse que não seja a minha arroto que não seja o meu; vida marrasmada catrâmbias!; desculpe, meu bichano querido, desculpe, você faz quase tudo isso, é verdade, quase tudo, mas, convenhamos, não é a mesma coisa que ele meu finado marido, não mesmo.



Ilustrações: Marcos Garuti







RUVINHOSO
Santinha do pau oco aquela já pintou a saracura, pintou bordou saracoteou, carinha santimonial dela comoveu filho Dele Pedrinho solerte da silva aqui não, entendo do riscado, infeliz vai ficar uns tempos no Purgatório, podemos abrir precedentes de jeito nenhum senão apre teremos lá fora fila gigantesca de outras Marias Madalenas arrependidas.










GROGOTÓ!
Trinta e cinco anos fazendo roupas de talhe masculino eah trezentos e cinqüenta ternos talvez ixe tesourei um sem-fim de casimiras linhos que tais ufa vida toda quase debruçado nela aquela Singer velha de guerra hã infarto maldito me trouxe de repente pra esta UTI hã destino fez chanfreta comigo puh gostaria tanto de fazer meu próprio jaquetão de oito botões pra chegar vistoso que só vendo diante dele criador do Univer...








ESBARRONDADO

Olhos dela mulher tenebrosa parece caixa de Pandora aquela donde saíram todos os males que povoam a Terra; veja hã fulminante; dizem que matou quatro filhos pequenos todos envenenados; prisão perpétua; olhar da estupentada vez em quando fica alheio de tudo se perde por entre os vazios inexplicáveis do nada; se recusa a sair da cela hã seis meses daquele jeito amassando uvas imaginárias com os pés alternando olhares ora faiscantes ora alheados; digo sempre repito que o mais sábio dos mortais jamais conhecerá in totum os recantos-escaninhos da alma humana; coração angustioso dela viúva pobre-diaba está quem sabe tachonado de pregos enferrujados; veja hã rosto revelhusco aquele é desarmônico com a idade verdadeira: 42 anos; enfermeira vez em quando vem fazer curativo hã esfoladura hã vaivém contínuo hã unhas da mão direita arranhando braço esquerdo; ataduras que tais tanto faz sempre arranca hã camisa-de-força talvez estamos pensando seriamente sobre; oportuno lembrar agora pássaro pelicano cujo amor aos filhos transcende o racionalismo hã quando os encontra mortos pelas serpentes dilacera o próprio peito banhando com seu prodigioso sangue rebentos extintos que incontinente voltam à vida; agora cabisbaixa hã veja hã cabeça pra lá pra cá feito pêndulo de relógio prístino; desesperança eterna como os átomos; vizinhos parentela toda todos dizem que infeliz matou por amor hã miséria demais fome demais tormento demais hã sabe-se lá hã precipitante concordar prontamente argumento-padrão quem ama não mata; tragédias deste naipe terminam sempre com o suicídio daquele que produz o assassinato; pobre-diaba aquela digamos transgrediu uma regra; cabeça agora pendendo pro lado esquerdo pof pof pof batendo na fronte como quem tenta escoar quem sabe pensamentos funestos pelo ouvido; veja hã mudou de posição hã mesma coisa lado direito hã danteco; pobre-diaba parece possuída por Adrastéia deusa da vingança aquela que a que não se pode escapular; logo-logo enfermeira chega trazendo injeção para aquietar três horas pelo menos cérebro ali desassistido de esperança; veja hã se procumbindo agora sabe Deus diante de um anhanga poderoso qualquer do fosso de Malabolge talvez; gesto reverente este ainda não tinha visto hã novidade hã campo vasto infinito de experiência hã veja hã soltando perdigoto como quem tem fiapo de cabelo na língua hã ouça hã estava demorando ixe urros pungentes hã desventurosa reduzida a um ser in perpetuum doloroso; morte chegasse ali de repente zape seria um bálsamo; vamos minha jovem doutoranda continue empunhando a minicâmera perca nada detalhe nenhum huifa pronto enfermeira chegou eh-eh hora de aquietar três horas pelo menos alma desatinada aquela cuja dor... ora minha jovem fique constrangida não hã primeiro dia assim mesmo hã lenço limpo hã pegue.












PUNFAS

Funanbulesco pensa que pode me lançar à margem hã hoje sou uma Bovary pronta pro adultério eh-eh chega ufa rufem os tambores do brejo: primeiro bufonídio que coaxar nos meus ouvidos fuque-fuque-fuque puh marido funambulesco aquele pensa que pode fazer gato-sapato deles meus sentimentos só porque foi príncipe um dia.

















ARRE LÁ!
Aie agüento mais de jeito nenhum escaldo-rabo dela parentela toda ixe extinto pai últimos arquejos dizia lamuriante: urubu jr este incuravelmente caído no caminho da desonra puf! me leva pra cova agindo assim hã dia todo comendo verduras legumes frutas frescas fu!


















EQÜIDIOSO

Sou um trastalhão um mal-ajambrado um bisbórria; destino ou coisa que o valha enlabirintou meu caminho desteceu meus planos me deixou ao realengo me fez conhecer o rigor da mandaçaia; agora estou aqui sem eira nem beira amocambado nesta coroboca esperando angustioso a morte entrar de repelão em forma de socos pontapés talvez facada talvez tiro talvez; sei que ela a indesejável que mede todos pela mesma bitola se aprochega destemerosa; melhor assim; vida do potréia aqui sempre foi uma estrumeira daquelas hã já nasci em desarmonia com o mundo hã sou o espírito das trevas em figura de gente hã trago quizílias às dúzias no costado; impossível arrepiar caminho nesta altura da situação mas também diacho não adianta ficar azoinado hã preciso aquietar o espírito serenar os ânimos; a morte não deve ser medonha qual nada hã são mais as vozes que as nozes; seja como for gostaria que fosse um tiro só tau! feito eu fiz com todas elas minhas vítimas.

 

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