por Evandro Affonso
Ferreira
ARAÃ!
Vivo numa borreguice daquelas apre pudesse passava resto da vida nesta
cadeira de balanço; ando numa indecisão numa maré-me-leva-maré-me-traz
que só vendo; vida custosa diacho; agora, para mal dos meus pecados,
dei pra soltar perdigoto na cara delas visitas, cada vez mais rareadas,
é verdade, também pudera virei loba da estepe, caturra;
eta vida besta; estou durando muito tempo, velha como a serpe; incomoda
mesmo é a solidão; careço ouvir voz que não
seja a minha risada que não seja a minha choro que não seja
o meu casmurrice que não seja a minha tosse que não seja
a minha arroto que não seja o meu; vida marrasmada catrâmbias!;
desculpe, meu bichano querido, desculpe, você faz quase tudo isso,
é verdade, quase tudo, mas, convenhamos, não é a
mesma coisa que ele meu finado marido, não mesmo.
Ilustrações: Marcos Garuti
RUVINHOSO
Santinha do pau oco aquela já pintou a saracura, pintou bordou
saracoteou, carinha santimonial dela comoveu filho Dele Pedrinho solerte
da silva aqui não, entendo do riscado, infeliz vai ficar uns tempos
no Purgatório, podemos abrir precedentes de jeito nenhum senão
apre teremos lá fora fila gigantesca de outras Marias Madalenas
arrependidas.
GROGOTÓ!
Trinta e cinco anos fazendo roupas de talhe masculino eah trezentos e
cinqüenta ternos talvez ixe tesourei um sem-fim de casimiras linhos
que tais ufa vida toda quase debruçado nela aquela Singer velha
de guerra hã infarto maldito me trouxe de repente pra esta UTI
hã destino fez chanfreta comigo puh gostaria tanto de fazer meu
próprio jaquetão de oito botões pra chegar vistoso
que só vendo diante dele criador do Univer...
ESBARRONDADO
Olhos dela mulher tenebrosa parece caixa de Pandora aquela donde saíram
todos os males que povoam a Terra; veja hã fulminante; dizem que
matou quatro filhos pequenos todos envenenados; prisão perpétua;
olhar da estupentada vez em quando fica alheio de tudo se perde por entre
os vazios inexplicáveis do nada; se recusa a sair da cela hã
seis meses daquele jeito amassando uvas imaginárias com os pés
alternando olhares ora faiscantes ora alheados; digo sempre repito que
o mais sábio dos mortais jamais conhecerá in totum os recantos-escaninhos
da alma humana; coração angustioso dela viúva pobre-diaba
está quem sabe tachonado de pregos enferrujados; veja hã
rosto revelhusco aquele é desarmônico com a idade verdadeira:
42 anos; enfermeira vez em quando vem fazer curativo hã esfoladura
hã vaivém contínuo hã unhas da mão
direita arranhando braço esquerdo; ataduras que tais tanto faz
sempre arranca hã camisa-de-força talvez estamos pensando
seriamente sobre; oportuno lembrar agora pássaro pelicano cujo
amor aos filhos transcende o racionalismo hã quando os encontra
mortos pelas serpentes dilacera o próprio peito banhando com seu
prodigioso sangue rebentos extintos que incontinente voltam à vida;
agora cabisbaixa hã veja hã cabeça pra lá
pra cá feito pêndulo de relógio prístino; desesperança
eterna como os átomos; vizinhos parentela toda todos dizem que
infeliz matou por amor hã miséria demais fome demais tormento
demais hã sabe-se lá hã precipitante concordar prontamente
argumento-padrão quem ama não mata; tragédias deste
naipe terminam sempre com o suicídio daquele que produz o assassinato;
pobre-diaba aquela digamos transgrediu uma regra; cabeça agora
pendendo pro lado esquerdo pof pof pof batendo na fronte como quem tenta
escoar quem sabe pensamentos funestos pelo ouvido; veja hã mudou
de posição hã mesma coisa lado direito hã
danteco; pobre-diaba parece possuída por Adrastéia deusa
da vingança aquela que a que não se pode escapular; logo-logo
enfermeira chega trazendo injeção para aquietar três
horas pelo menos cérebro ali desassistido de esperança;
veja hã se procumbindo agora sabe Deus diante de um anhanga poderoso
qualquer do fosso de Malabolge talvez; gesto reverente este ainda não
tinha visto hã novidade hã campo vasto infinito de experiência
hã veja hã soltando perdigoto como quem tem fiapo de cabelo
na língua hã ouça hã estava demorando ixe
urros pungentes hã desventurosa reduzida a um ser in perpetuum
doloroso; morte chegasse ali de repente zape seria um bálsamo;
vamos minha jovem doutoranda continue empunhando a minicâmera perca
nada detalhe nenhum huifa pronto enfermeira chegou eh-eh hora de aquietar
três horas pelo menos alma desatinada aquela cuja dor... ora minha
jovem fique constrangida não hã primeiro dia assim mesmo
hã lenço limpo hã pegue.

PUNFAS
Funanbulesco pensa que pode me lançar à margem hã
hoje sou uma Bovary pronta pro adultério eh-eh chega ufa rufem
os tambores do brejo: primeiro bufonídio que coaxar nos meus ouvidos
fuque-fuque-fuque puh marido funambulesco aquele pensa que pode fazer
gato-sapato deles meus sentimentos só porque foi príncipe
um dia.

ARRE LÁ!
Aie agüento
mais de jeito nenhum escaldo-rabo dela parentela toda ixe extinto pai
últimos arquejos dizia lamuriante: urubu jr este incuravelmente
caído no caminho da desonra puf! me leva pra cova agindo assim
hã dia todo comendo verduras legumes frutas frescas fu!

EQÜIDIOSO
Sou um trastalhão um mal-ajambrado um bisbórria; destino
ou coisa que o valha enlabirintou meu caminho desteceu meus planos me
deixou ao realengo me fez conhecer o rigor da mandaçaia; agora
estou aqui sem eira nem beira amocambado nesta coroboca esperando angustioso
a morte entrar de repelão em forma de socos pontapés talvez
facada talvez tiro talvez; sei que ela a indesejável que mede todos
pela mesma bitola se aprochega destemerosa; melhor assim; vida do potréia
aqui sempre foi uma estrumeira daquelas hã já nasci em desarmonia
com o mundo hã sou o espírito das trevas em figura de gente
hã trago quizílias às dúzias no costado; impossível
arrepiar caminho nesta altura da situação mas também
diacho não adianta ficar azoinado hã preciso aquietar o
espírito serenar os ânimos; a morte não deve ser medonha
qual nada hã são mais as vozes que as nozes; seja como for
gostaria que fosse um tiro só tau! feito eu fiz com todas elas
minhas vítimas.
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