Adrenalina
controlada

O turismo de aventura, no qual o esporte radical rapel, trilha,
canoagem é o principal atrativo, tem sido alvo de discussão
por conta de acidentes, alguns fatais, que colocaram em dúvida
as condições de segurança dessas práticas.
A busca por manter o interesse nesse filão específico da
atividade turística levou o setor a iniciar um processo de regulamentação
cujo principal objetivo é separar iniciativas sérias e responsáveis
de um perigoso amadorismo. A seguir, o advogado especialista em turismo
e direito ambiental Vinicius Porto (leia o artigo) e
o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Turismo
de Aventura (Abeta), Felipe Aragão Jr. (leia o artigo),
debatem o assunto.
A organização
do turismo de aventura no Brasil -
por Felipe Aragão Jr.
Estudos
têm nos apontado que o turismo de aventura está em franca
expansão, tanto no Brasil como no exterior, crescendo a taxas bem
superiores que as do turismo convencional. No entanto, apesar do ritmo
de crescimento e do interesse que desperta, é um segmento multifacetado
e ainda pouco compreendido pelos consumidores de um modo geral.
O turismo de aventura, em suas diversas modalidades, que vão de
uma caminhada no ambiente natural, passando pelo rafting, cicloturismo,
vôo livre a muitas outras, tem atuado como propulsor no processo
de desenvolvimento turístico de alguns municípios, promovendo
investimentos e gerando, por conseqüência, trabalho e renda
para regiões antes não reconhecidas como destinos tradicionais.
Diante de um universo de quase 3 mil organizações que oferecem
turismo de aventura atualmente no Brasil, era preciso que surgissem iniciativas
concretas que estimulassem esse segmento através de mecanismos
eficazes de controle da segurança e da sustentabilidade.
Pela necessidade de organização do mercado, em agosto de
2004, foi fundada a Associação Brasileira das Empresas de
Turismo de Aventura (Abeta), cuja missão é promover o profissionalismo
e as melhores práticas de segurança e qualidade, contribuindo
para o desenvolvimento sustentável do turismo de aventura no Brasil,
em parceria estreita com os diferentes atores da sociedade, poder público
e terceiro setor, buscando incentivar de forma harmônica e ética
a preservação do patrimônio ambiental, social e histórico-cultural,
visando, por fim, à satisfação do consumidor final.
Apesar da evolução do segmento no país e dos esforços
da Abeta, ainda persiste, por parte da sociedade e da maioria das instituições
de fomento ao turismo, certa confusão a respeito do que é
esporte de aventura e o que é turismo de aventura.
No turismo de aventura, as atividades são oferecidas comercialmente,
principalmente, para pessoas que ainda não têm aptidão
no esporte, havendo a necessidade de ser conduzidas, acompanhadas ou introduzidas
na atividade. Grosso modo, é o fato da existência da relação
de consumo entre cliente e fornecedor que distingue as duas situações.
O esporte de aventura, por outro lado, é toda atividade lúdica
praticada espontaneamente pelo atleta ou praticante, por lazer, recreação
ou competição, em que não haja nenhuma relação
de consumo entre este e um prestador de serviços turísticos
quanto à oferta específica da atividade.
Também não podemos confundir turismo de aventura com esporte
radical. Embora o esporte faça parte da oferta, no
turismo de aventura, ele é oferecido em bases comerciais, gerando
obrigações legais entre o prestador e o consumidor do serviço.
O termo radical tampouco pode ser associado ao turismo, uma vez que denota
situações extremas, de perigo, ações temerárias
e outras relacionadas, inclusive, a atos terroristas (por exemplo, radicais
da Al Qaeda). O turismo de aventura oferecido de forma segura, ética
e responsável, desenvolvido segundo as melhores práticas
de cada atividade, não pode ser entendido, portanto, como atividade
radical.
Durante os últimos meses, a Abeta tem apoiado o Projeto de Normalização
e Certificação em Turismo de Aventura do Ministério
do Turismo, que visa a subsidiar o desenvolvimento de um conjunto de normas
técnicas para as diversas atividades que compõem o setor
no âmbito da ABNT [Associação Brasileira de Normas
Técnicas, órgão responsável pela normalização
técnica do país] e do Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial, órgão
responsável, entre outras coisas, por verificar a observância,
por parte das empresas, das normas técnicas e legais quanto às
unidades de medida, métodos e instrumentos de medição
etc.]. O Ministério do Turismo (Mtur) considerou o turismo de aventura
como um dos segmentos prioritários, devido à necessidade
de se prevenirem acidentes na prática dessa atividade. O tema é
complexo e envolve diversas modalidades com níveis de risco e incidência
de perigos bastante diferentes.
De forma extremamente coerente, o MTur decidiu partir pelo lado da normalização
em vez da normatização, ou seja, optou por uma linha de
ordenamento do setor através de normas técnicas voluntárias,
via ABNT, produzidas pela sociedade e partes interessadas, em que reconheceu
a dificuldade que encontraria no futuro, caso optasse pela normatização,
ou seja, por um processo legislativo convencional através da criação
de leis de difícil operacionalização, principalmente
diante da grande dificuldade de fiscalizar empresas nos mais diversos
rincões deste país-continente. O MTur aponta para a criação
de um sistema de indução no qual as organizações
devam buscar voluntariamente a certificação diante de uma
série de vantagens oficiais que podem auferir, tais como linhas
de crédito especiais, seguros mais abrangentes, condições
diferenciadas para a participação em eventos promocionais
oficiais, entre outras.
Outro avanço do turismo de aventura no Brasil foi a celebração
de um convênio entre a Abeta e o MTur para promover um salto de
qualidade no turismo de aventura no Brasil, tendo por objetivo o fortalecimento
institucional do segmento no país, a implementação
de um amplo projeto de qualificação de condutores, empreendedores
e de sistemas de gestão da segurança, além do apoio
à criação de grupos voluntários de busca e
salvamento de turismo de aventura em alguns dos principais pólos
dessa atividade.
A Abeta tem conseguido se firmar como um importante veículo indutor
de mudanças nesse segmento tão recente e inovador, o qual,
infelizmente ainda é surpreendido por acidentes e, de modo geral,
ainda carece de mais qualificação voltada para gestão,
atendimento, operação e segurança, salvo alguns modelos
de excelência já existentes no Brasil.
Nosso desafio para o ordenamento do segmento é colossal, mas colossal
também é nossa disposição para seguir avante
com as mudanças e ações que têm como meta colocar
o Brasil definitivamente no cenário internacional do turismo de
aventura.
Felipe Aragão
Jr. é presidente da Associação Brasileira
das Empresas de Turismo de Aventura (Abeta)
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próximo
artigo
Em
busca de um turismo mais seguro - por Vinicius Porto
O
turismo de aventura, segmento do turismo que compreende os movimentos
turísticos decorrentes da prática de atividades de aventura
de caráter recreativo e não competitivo, é uma das
áreas do setor que mais crescem na atualidade e, portanto, vem
merecendo um tratamento positivo da sociedade e do Ministério do
Turismo (MTur) no que se refere à organização, qualificação
e normalização de procedimentos, pessoas e produtos.
A segurança nas operações, o alto índice de
acidentes e a possibilidade real de crescimento do segmento favorecem
um processo voluntário de organização, o que estamos
vivenciando. O importante e o foco da abordagem jurídica sobre
o processo de normalização se dão na realidade de
que a regulamentação e a aplicação das melhores
práticas de segurança devam ser aperfeiçoadas e organizadas,
para que efetivamente a existência de normas se reverta em diminuição
e controle de riscos. No âmbito do processo de normalização
realizado pelo MTur, uma das normas aplicáveis a todas as atividades
turísticas de aventura é, não por outra razão,
a da gestão da segurança.
É fundamental refletir sobre o caráter comercial das atividades,
do enfoque econômico que a realização das práticas
de aventura ganha quando elas são colocadas no mercado de consumo
turístico, porque de um lado existe uma pessoa adquirindo comercialmente
um produto ou serviço, a qual tem o direito legal de receber um
produto ou serviço seguro para sua saúde, integridade e
vida. Do outro lado, tem-se uma cadeia de fornecedores que passa por equipamentos,
empresas receptivas, guias, entre outros. Seriam todas as pessoas físicas
ou jurídicas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras,
que desenvolvem atividades de criação, construção,
transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos
ou prestação de serviço, na conceituação
consumerista.
Esses fornecedores devem a rigor ser constituídos formalmente,
com registros comerciais inerentes a qualquer atividade econômica,
cadastro no MTur com outras especificidades em alguns casos, mas a informalidade
percebida no turismo de aventura também é uma realidade
jurídica a ser considerada. Prestadores de serviços em vários
casos não oferecem contratos, seguros, não fornecem informações
adequadas, o que prejudica a segurança do consumidor já
bem antes do início da operação comercial, prejudicando
seu acesso a direitos que possui.
É necessário o entendimento de que serviço, no termo
legal, é o que fazem receptivos, agências, transportadoras,
guias, entre outros. Isso possibilita ver que a relação
havida entre o turista e os fornecedores é uma relação
de consumo, objeto da proteção do Código de Defesa
do Consumidor e, em segunda análise, objeto também do processo
de normalização voluntária em andamento.
Na atividade esportiva, a qual não é objeto do processo
de normalização que está em andamento, temos uma
prática de responsabilidade individual do praticante. Na atividade
comercial, é imperioso existir maior segurança para os profissionais
e turistas, pois eles não mais assumem determinados riscos, os
quais transferem a terceiros, diferentemente do que ocorre nas práticas
esportivas.
O termo mais adequado para o processo que estamos vivenciando não
seria regulamentação e sim normalização, pois
se trata de um processo que tem como pilar a voluntariedade. O foco do
projeto são operações responsáveis e seguras
no turismo de aventura, e um dos desdobramentos da normalização,
ressaltando-se que não é o único, é a certificação.
Não há a obrigatoriedade, como nas leis.
As premissas do processo de normalização em turismo de aventura
são a consulta às partes interessadas e o desenvolvimento
das normas no sistema público, sendo este no ambiente do sistema
oficial brasileiro (ABNTInmetro). A Associação Brasileira
de Normas Técnicas (ABNT) é uma entidade privada, sem fins
lucrativos, de utilidade pública; é representante brasileira
em fóruns regionais e internacionais de normalização
voluntária.
As normas desenvolvidas são documentos estabelecidos por consenso
e aprovados por um organismo reconhecido, que fornece regras, diretrizes
ou características para atividades ou seus resultados, para uso
comum e repetitivo visando à obtenção de um grau
ótimo de ordenação em um dado contexto. Resumindo
grosseiramente o processo de normalização, podemos dizer
que a sociedade manifesta a necessidade de ter uma norma, o comitê
oficial brasileiro específico analisa o tema e o inclui no seu
Programa de Normalização Setorial, momento em que é
criada uma comissão de estudo ou o tema é incluído
em alguma existente, desde que compatível. Esta elabora um projeto
de norma com base no consenso dos participantes e o submete a consulta
pública. Finalizada a consulta nacional, na qual todo cidadão
pode opinar, a comissão analisa o projeto de norma, que após
considerações e análise de votos é aprovado.
Três normas técnicas já foram concluídas e
publicadas como Normas Brasileiras (NBR), outras estão em consulta
nacional e outras em desenvolvimento. O cidadão, consumidor ou
não, os fornecedores, os esportistas, as associações,
o poder público e quaisquer interessados podem e devem participar.
Não basta que tenhamos leis e normas, se o envolvimento, a criação
e o aperfeiçoamento jurídico não forem priorizados.
O respeito à legislação brasileira gera mais segurança
nas atividades; não nos falta lei de proteção ao
consumidor. Muito bom também que a organização desça
agora de forma voluntária às questões técnicas,
à qualificação de pessoas, aos equipamentos, às
informações preliminares aos clientes, ou mesmo a como fazer
uma operação turística com boas práticas de
segurança, preservando direitos e vidas.
Vinicius
Porto é advogado especialista em turismo e direito ambiental
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