Atividade física
solidária
O Seminário Internacional VidAtiva e Ação Comunitária,
realizado em novembro do ano passado pelo Sesc São Paulo na unidade
Pinheiros, teve como objetivo discutir conceitos e apresentar experiências
sobre a importância da mobilização e da organização
da comunidade para o desenvolvimento de programas que estimulem um estilo
de vida ativo, saudável e solidário. No roteiro, o que fazer
para que projetos e programas na área possam se articular com o
Estado e a iniciativa privada para a sensibilização sobre
a importância da atividade física regular. No Em Pauta desta
edição, a discussão continua com artigos exclusivos
do doutor em antropologia social Hugo Lovisolo (Leia
artigo) e do diretor da Escola de Educação
Física e Esporte da Universidade de São Paulo (Eefeusp),
Alberto Carlos Amadio (Leia artigo).
Vida
ativa e ação comunitária
por Alberto
Carlos Amadio
O cenário arquitetônico contemporâneo ganhou
um novo elemento distintivo, símbolo da própria modernidade:
a academia de ginástica. Transparentes, coloridas, agitadas,
elas já fazem parte do visual e da vida das cidades, tal
como o shopping center, o supermercado, a igreja, o hospital, inclusive
nas periferias mais distantes
Danilo Santos de Miranda, 2005
Para celebrar
os dez anos de realização do Dia do Desafio, o Serviço
Social do Comércio de São Paulo inova e realiza importante
evento temático, o Seminário Internacional Vida Ativa
e Ação Comunitária. Apoiado pela Escola de
Educação Física e Esporte da Universidade de
São Paulo (Eefeusp), pela Unesco [Organização
das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura] e pela Tafisa [Trim & Fitness International
Sport For All Association] o seminário trouxe à discussão
e à reflexão a importância da mobilização
social para um estilo de vida ativo, saudável e solidário.
A sociedade brasileira vem sofrendo modificações culturais,
econômicas e sociais profundas nas últimas décadas.
Em paralelo aos problemas socioeconômicos, o avanço
tecnológico tem ocasionado também modificações
culturais bastante evidentes e relevantes para a saúde e
qualidade de vida da população. O fácil acesso
às tecnologias reduziu expressivamente a necessidade de movimento
do ser humano. Se, por um lado, essas facilidades da vida moderna
dão conforto à população melhorando
sua qualidade de vida, por outro, elas fazem com que o ser humano
se torne cada vez menos ativo. A falta de atividade física
aparece como um dos fatores que predispõem ao desenvolvimento
de doenças, principalmente as denominadas hipocinéticas,
assim como as doenças crônico-degenerativas, que pioram
a qualidade de vida, afastam os indivíduos do trabalho, geram
aposentadorias precoces levando prematuramente a disfunções,
causando, portanto, prejuízos consideráveis tanto
para o indivíduo como também para a sociedade. Considerando
os benefícios da atividade física, nosso desafio é
equacionar o necessário estímulo motivador ao exercício
físico, pelo positivo papel na construção de
uma vida saudável, prazerosa, ou seja, para uma vida ativa
com qualidade e bem-estar.
Importante registro, nesse mesmo contexto, é o fato de a
Assembléia Geral da Organização das Nações
Unidas, em 2003, ter adotado a resolução intitulada
Esporte como Meio para Promover Educação, Saúde,
Desenvolvimento e Paz, tendo proclamado 2005 como sendo o Ano Internacional
da Educação Física e do Esporte. Dessa maneira,
celebrou-se em 2005 a importância e a positiva influência
da atividade física como agente multiplicador, direcionado
à promoção da saúde. A estrutura da
atividade física orientada para a saúde, o bem-estar
e a qualidade de vida tem como preocupação central
a natureza multicultural da sociedade, que estabelece seus valores
em função do comportamento do homem e suas características.
Assim, a preocupação com a orientação
da atividade física está na formação
de hábitos e costumes que suportem as necessidades paradigmáticas
de uma vida saudável e que permitam a inserção
desse novo conceito de vida na sociedade contemporânea.
Reconhecemos, portanto, que essas ações têm
aspectos comuns, pois buscam estruturalmente os benefícios
decorrentes da atividade física para a saúde e qualidade
de vida da população. Entendemos ser essa uma legítima
reivindicação da sociedade, apoiando-se no direito
fundamental do cidadão em prol de melhores condições
para uma vida ativa que seguramente resultará no bem-estar
coletivo, no contexto de uma sociedade produtiva, harmoniosa no
seu desenvolvimento e, sobretudo, mais humanista.
Finalmente, e de acordo com Lenk [Hans Lenk, Razão Pragmática.
A Filosofia entre a Ciência e a Práxis. Biblioteca
Tempo Universitário 88, Rio de Janeiro, 1990], sem motivação
não há rendimento, sem vontade e disponibilidade para
render e sem educação para o rendimento não
pode ser resolvido nenhum dos problemas que o mundo enfrenta. O
traço mais marcante do esporte é que ele tende permanentemente
para sua melhoria e aprimoramento, ou seja, uma ação
de rendimento no sentido lato do termo. As reflexões sobre
o tema conduzem ao entendimento da necessidade de fundar e desenvolver
uma nova e positiva cultura do rendimento, a cultura do auto-rendimento,
esta sim perfeitamente adequada às manifestações
do esporte e seus inerentes desafios. O rendimento esportivo faz
parte do pensamento filosófico e antropológico da
transcendência, e por isso é constituinte da própria
essência do homem. O esporte, atento aos problemas do presente,
não poderia deixar de eleger como uma de suas orientações
centrais a da educação da saúde. Se pretende
contribuir para uma vida produtiva, criativa, bem-sucedida, o esporte
encontra na orientação pela educação
da saúde um meio de concretização de suas pretensões,
formulações e justificações. Portanto,
e de acordo com Bento [Jorge Olimpo Bento, Desporto, Discurso e
Substância. Editora Campo das Letras, Porto, 2004], uma educação
para a saúde sintetiza uma educação para a
vida.
Formulo votos de uma vida longa ao projeto Dia do Desafio, assim
como desejo que através dessa ação coletiva
possamos ver concretizados nossos sonhos de um projeto para uma
permanente vida ativa, a partir dos ensinamentos e fundamentos de
seus significados, ensinamentos estes difundidos e praticados pelo
Sesc numa comunidade que se multiplica a cada nova ação.
Alberto
Carlos Amadio é diretor da Escola de Educação
Física e Esporte da Universidade de São Paulo (Eefeusp)
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É
difícil ser feliz sozinho: vida ativa e vida boa
por
Hugo Lovisolo
A
prédica em favor da atividade física moderada enquanto
fator de saúde e como parte da higiene remonta aos gregos.
Então, faz aproximadamente 2.500 anos que se produzem discursos
a seu favor e que são geradas propostas ou programas gerais
e específicos de atividades. A mídia se tornou nas
últimas décadas um divulgador ativo de seus benefícios,
sob o ponto de vista físico, psicológico, social e,
ainda, estético. O Sesc, em particular, tem realizado investimentos
em instalações, equipamentos, pessoal e em elaboração
de propostas para motivar e criar oportunidades de atividades para
os comerciários, embora não apenas para eles.
A maioria das pessoas conhece os argumentos em favor da atividade
física enquanto dimensão importante da vida ativa:
prolonga a vida, protege contra as doenças degenerativas
(intensificadas pelo aumento da esperança de vida e o suposto
estresse que nos toca viver), ajuda a emagrecer, deixa as pessoas
mais bonitas e dispostas, e permite que os idosos diminuam as perdas
de movimentação e, portanto, conservem autonomia,
entre outros efeitos positivos.
Enfim, se tantos são os benefícios, como é
possível que apenas um pequeno percentual da população
pratique atividade física moderada de modo sistemático?
Falemos sobre esse paradoxo.
Creio que grande parte dos argumentos em favor do exercício
tem como suposto o atleta solitário: o corredor solitário,
o malhador solitário. Os primeiros trabalhos do grande promotor
da atividade física que foi Cooper transmitem claramente
essa imagem, desde os testes ao programa de desenvolvimento da aptidão
física. Na imagem do atleta solitário, a atividade
física aparece como um meio para se atingirem objetivos de
saúde, estéticos ou de desempenho no trabalho. Porém,
será que a atividade do atleta solitário significa,
para a maioria das pessoas, apenas uma obrigação no
presente para se atingirem benefícios futuros? Seria como
poupar hoje para estar melhor no futuro, isto é, realizar
sacrifícios no presente para obtermos benefícios,
proteção, no futuro? Será que isso vale a pena?
Eu diria que as pessoas que poupam no presente para garantir o futuro
são uma minoria em relação às pessoas
que preferem usufruir do dinheiro no presente, ou que poupam em
curto prazo com objetivos bastante imediatos. Se assim for, parece
bastante sensato que as pessoas digam: não quero poupar no
presente mediante a atividade física, não tenho vontade
de sacrificar meu presente para ter um futuro melhor. Para proteger
o futuro de minhas coronárias, de minhas articulações
e meus músculos, não estou disposto a perder tempo
no presente, pois há outras atividades que me satisfazem
muito mais.
Quando as pessoas sedentárias são interrogadas sobre
as razões da inatividade, geralmente respondem com frases
conhecidas: falta de tempo, muitas ocupações, falta
de condições locais, falta de vontade e assim por
diante.
A mesma pessoa que declara falta de tempo, pode destinar
duas ou três horas por semana para tomar uma cervejinha com
os colegas do trabalho. Fazer isso é muito bom! Sentimos
que nos relaxa, que nos diverte e alegra e, fundamentalmente, cria
vínculos de amizade e convívio com os colegas. Há
muitas formas individuais de relaxamento, há também
muitas formas individuais de nos alegrar e divertir; porém,
não há outras formas de desenvolver a sociabilidade
e a amizade sem estar com o grupo, com os outros. O grupo de colegas
funciona como pressão e estímulo para que participemos
do chopinho da sexta-feira, perguntando-nos se estaremos lá
ou o que se passou na última sexta-feira quando não
fomos. De forma similar funciona o grupo da pelada, uma vez que
começamos a jogar assumimos um compromisso mínimo
de participação com os outros. Podemos concluir que
o pertencimento ao grupo se manifesta em atividades que o grupo
valoriza e que, por pertencer a ele, com ele criamos compromissos.
Na verdade, nossa vida pode ser vista como uma rede de pertencimentos
que geram obrigações e benefícios: a família,
o trabalho, os amigos, a igreja, o clube, o partido político,
o ateliê de pintura, o grupo de futebol ou de teatro, entre
outros. Creio que quando pertencemos e participamos por vontade
própria de um grupo, porque gostamos, é porque os
benefícios superam largamente as obrigações
ou os compromissos. O pertencimento a esses grupos e a participação
em suas atividades formam parte da vida boa, da vida rica em relacionamentos,
sentimentos, no estar e fazer juntos, porquanto somos seres sociais.
Todos sabem que não se pode ser feliz sozinho.
Quando jogo tênis com meus colegas não estou pensando
nos efeitos e proteção do exercício. De fato,
gosto e me divirto jogando tênis. Jogar tênis é
uma finalidade em si mesma e não um meio para atingir a saúde
no futuro. Tenho um compromisso com meus colegas. Se marcamos um
jogo de duplas e um falta, já não há jogo.
Se eu faltar serei cobrado. Não posso quebrar minha obrigação
com os colegas, pois eles poderão fazer o mesmo e meu prazer
irá para o beleléu!
Os observadores da atividade física freqüentemente declaram
que os praticantes constantes e intensos são, na maioria
dos casos, os que procuram atingir padrões de estética
corporal. A procura da melhora estética é um objetivo
presente. A gratificação pode ser sentida quase imediatamente
na perda de peso, na redução das medidas, na crescente
definição de formas e proporções, enfim,
nas respostas da avaliação funcional, do espelho e
dos comentários dos outros. Se eu for um deles, e tiver um
pouco de vergonha, até posso dizer que estou indo à
academia quatro vezes por semana, durante uma hora e meia, para
melhorar minha saúde.
Agora posso juntar minhas observações. Se pretendermos
expandir a atividade física, ela deverá tornar-se
uma finalidade em si mesma, superando a linguagem da obrigação
e dos benefícios futuros, deverá render benefícios
no presente. Esses benefícios podem ser estéticos
ou derivados da sociabilidade, do estar juntos e fazer juntos atividades
que gerem sentimentos de gosto e emoção. Nesse sentido,
teremos de promover os esportes, as caminhadas não solitárias,
as atividades relacionadas com os sentimentos de pertencimento,
com o apoio mútuo e a cobrança carinhosa e amigável,
enfim, os reforços dos benefícios do presente. A atividade
física, como dimensão da vida ativa, deve formar parte
da vida boa e isso, por sermos sociais, está em grande parte
vinculado a sentimentos de pertencimento e participação.
É muito difícil, se não impossível,
ser feliz sozinho.
Hugo
Lovisolo é doutor em antropologia social e autor,
entre outros livros, de Atividade Física, Educação
e Saúde (Editora Sprint, 2000)
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