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Em Pauta

REVISTA E - fev 2006

 

Atividade física solidária


O Seminário Internacional VidAtiva e Ação Comunitária, realizado em novembro do ano passado pelo Sesc São Paulo na unidade Pinheiros, teve como objetivo discutir conceitos e apresentar experiências sobre a importância da mobilização e da organização da comunidade para o desenvolvimento de programas que estimulem um estilo de vida ativo, saudável e solidário. No roteiro, o que fazer para que projetos e programas na área possam se articular com o Estado e a iniciativa privada para a sensibilização sobre a importância da atividade física regular. No Em Pauta desta edição, a discussão continua com artigos exclusivos do doutor em antropologia social Hugo Lovisolo (Leia artigo) e do diretor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (Eefeusp), Alberto Carlos Amadio (Leia artigo).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

Vida ativa e ação comunitária

por Alberto Carlos Amadio

“O cenário arquitetônico contemporâneo ganhou um novo elemento distintivo, símbolo da própria modernidade: a academia de ginástica. Transparentes, coloridas, agitadas, elas já fazem parte do visual e da vida das cidades, tal como o shopping center, o supermercado, a igreja, o hospital, inclusive nas periferias mais distantes”
Danilo Santos de Miranda, 2005

Para celebrar os dez anos de realização do Dia do Desafio, o Serviço Social do Comércio de São Paulo inova e realiza importante evento temático, o Seminário Internacional Vida Ativa e Ação Comunitária. Apoiado pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (Eefeusp), pela Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] e pela Tafisa [Trim & Fitness International Sport For All Association] o seminário trouxe à discussão e à reflexão a importância da mobilização social para um estilo de vida ativo, saudável e solidário.

A sociedade brasileira vem sofrendo modificações culturais, econômicas e sociais profundas nas últimas décadas. Em paralelo aos problemas socioeconômicos, o avanço tecnológico tem ocasionado também modificações culturais bastante evidentes e relevantes para a saúde e qualidade de vida da população. O fácil acesso às tecnologias reduziu expressivamente a necessidade de movimento do ser humano. Se, por um lado, essas facilidades da vida moderna dão conforto à população melhorando sua qualidade de vida, por outro, elas fazem com que o ser humano se torne cada vez menos ativo. A falta de atividade física aparece como um dos fatores que predispõem ao desenvolvimento de doenças, principalmente as denominadas hipocinéticas, assim como as doenças crônico-degenerativas, que pioram a qualidade de vida, afastam os indivíduos do trabalho, geram aposentadorias precoces levando prematuramente a disfunções, causando, portanto, prejuízos consideráveis tanto para o indivíduo como também para a sociedade. Considerando os benefícios da atividade física, nosso desafio é equacionar o necessário estímulo motivador ao exercício físico, pelo positivo papel na construção de uma vida saudável, prazerosa, ou seja, para uma vida ativa com qualidade e bem-estar.
Importante registro, nesse mesmo contexto, é o fato de a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em 2003, ter adotado a resolução intitulada Esporte como Meio para Promover Educação, Saúde, Desenvolvimento e Paz, tendo proclamado 2005 como sendo o Ano Internacional da Educação Física e do Esporte. Dessa maneira, celebrou-se em 2005 a importância e a positiva influência da atividade física como agente multiplicador, direcionado à promoção da saúde. A estrutura da atividade física orientada para a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida tem como preocupação central a natureza multicultural da sociedade, que estabelece seus valores em função do comportamento do homem e suas características. Assim, a preocupação com a orientação da atividade física está na formação de hábitos e costumes que suportem as necessidades paradigmáticas de uma vida saudável e que permitam a inserção desse novo conceito de vida na sociedade contemporânea.

Reconhecemos, portanto, que essas ações têm aspectos comuns, pois buscam estruturalmente os benefícios decorrentes da atividade física para a saúde e qualidade de vida da população. Entendemos ser essa uma legítima reivindicação da sociedade, apoiando-se no direito fundamental do cidadão em prol de melhores condições para uma vida ativa que seguramente resultará no bem-estar coletivo, no contexto de uma sociedade produtiva, harmoniosa no seu desenvolvimento e, sobretudo, mais humanista.

Finalmente, e de acordo com Lenk [Hans Lenk, Razão Pragmática. A Filosofia entre a Ciência e a Práxis. Biblioteca Tempo Universitário 88, Rio de Janeiro, 1990], sem motivação não há rendimento, sem vontade e disponibilidade para render e sem educação para o rendimento não pode ser resolvido nenhum dos problemas que o mundo enfrenta. O traço mais marcante do esporte é que ele tende permanentemente para sua melhoria e aprimoramento, ou seja, uma ação de rendimento no sentido lato do termo. As reflexões sobre o tema conduzem ao entendimento da necessidade de fundar e desenvolver uma nova e positiva cultura do rendimento, a cultura do auto-rendimento, esta sim perfeitamente adequada às manifestações do esporte e seus inerentes desafios. O rendimento esportivo faz parte do pensamento filosófico e antropológico da transcendência, e por isso é constituinte da própria essência do homem. O esporte, atento aos problemas do presente, não poderia deixar de eleger como uma de suas orientações centrais a da educação da saúde. Se pretende contribuir para uma vida produtiva, criativa, bem-sucedida, o esporte encontra na orientação pela educação da saúde um meio de concretização de suas pretensões, formulações e justificações. Portanto, e de acordo com Bento [Jorge Olimpo Bento, Desporto, Discurso e Substância. Editora Campo das Letras, Porto, 2004], uma educação para a saúde sintetiza uma educação para a vida.

Formulo votos de uma vida longa ao projeto Dia do Desafio, assim como desejo que através dessa ação coletiva possamos ver concretizados nossos sonhos de um projeto para uma permanente vida ativa, a partir dos ensinamentos e fundamentos de seus significados, ensinamentos estes difundidos e praticados pelo Sesc numa comunidade que se multiplica a cada nova ação.

Alberto Carlos Amadio é diretor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (Eefeusp)

 


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É difícil ser feliz sozinho: vida ativa e vida boa

por Hugo Lovisolo

A prédica em favor da atividade física moderada enquanto fator de saúde e como parte da higiene remonta aos gregos. Então, faz aproximadamente 2.500 anos que se produzem discursos a seu favor e que são geradas propostas ou programas gerais e específicos de atividades. A mídia se tornou nas últimas décadas um divulgador ativo de seus benefícios, sob o ponto de vista físico, psicológico, social e, ainda, estético. O Sesc, em particular, tem realizado investimentos em instalações, equipamentos, pessoal e em elaboração de propostas para motivar e criar oportunidades de atividades para os comerciários, embora não apenas para eles.

A maioria das pessoas conhece os argumentos em favor da atividade física enquanto dimensão importante da vida ativa: prolonga a vida, protege contra as doenças degenerativas (intensificadas pelo aumento da esperança de vida e o suposto estresse que nos toca viver), ajuda a emagrecer, deixa as pessoas mais bonitas e dispostas, e permite que os idosos diminuam as perdas de movimentação e, portanto, conservem autonomia, entre outros efeitos positivos.

Enfim, se tantos são os benefícios, como é possível que apenas um pequeno percentual da população pratique atividade física moderada de modo sistemático? Falemos sobre esse paradoxo.

Creio que grande parte dos argumentos em favor do exercício tem como suposto o atleta solitário: o corredor solitário, o malhador solitário. Os primeiros trabalhos do grande promotor da atividade física que foi Cooper transmitem claramente essa imagem, desde os testes ao programa de desenvolvimento da aptidão física. Na imagem do atleta solitário, a atividade física aparece como um meio para se atingirem objetivos de saúde, estéticos ou de desempenho no trabalho. Porém, será que a atividade do atleta solitário significa, para a maioria das pessoas, apenas uma obrigação no presente para se atingirem benefícios futuros? Seria como poupar hoje para estar melhor no futuro, isto é, realizar sacrifícios no presente para obtermos benefícios, proteção, no futuro? Será que isso vale a pena? Eu diria que as pessoas que poupam no presente para garantir o futuro são uma minoria em relação às pessoas que preferem usufruir do dinheiro no presente, ou que poupam em curto prazo com objetivos bastante imediatos. Se assim for, parece bastante sensato que as pessoas digam: não quero poupar no presente mediante a atividade física, não tenho vontade de sacrificar meu presente para ter um futuro melhor. Para proteger o futuro de minhas coronárias, de minhas articulações e meus músculos, não estou disposto a perder tempo no presente, pois há outras atividades que me satisfazem muito mais.

Quando as pessoas sedentárias são interrogadas sobre as razões da inatividade, geralmente respondem com frases conhecidas: falta de tempo, muitas ocupações, falta de condições locais, falta de vontade e assim por diante.

A mesma pessoa que declara “falta de tempo”, pode destinar duas ou três horas por semana para tomar uma cervejinha com os colegas do trabalho. Fazer isso é muito bom! Sentimos que nos relaxa, que nos diverte e alegra e, fundamentalmente, cria vínculos de amizade e convívio com os colegas. Há muitas formas individuais de relaxamento, há também muitas formas individuais de nos alegrar e divertir; porém, não há outras formas de desenvolver a sociabilidade e a amizade sem estar com o grupo, com os outros. O grupo de colegas funciona como pressão e estímulo para que participemos do chopinho da sexta-feira, perguntando-nos se estaremos lá ou o que se passou na última sexta-feira quando não fomos. De forma similar funciona o grupo da pelada, uma vez que começamos a jogar assumimos um compromisso mínimo de participação com os outros. Podemos concluir que o pertencimento ao grupo se manifesta em atividades que o grupo valoriza e que, por pertencer a ele, com ele criamos compromissos. Na verdade, nossa vida pode ser vista como uma rede de pertencimentos que geram obrigações e benefícios: a família, o trabalho, os amigos, a igreja, o clube, o partido político, o ateliê de pintura, o grupo de futebol ou de teatro, entre outros. Creio que quando pertencemos e participamos por vontade própria de um grupo, porque gostamos, é porque os benefícios superam largamente as obrigações ou os compromissos. O pertencimento a esses grupos e a participação em suas atividades formam parte da vida boa, da vida rica em relacionamentos, sentimentos, no estar e fazer juntos, porquanto somos seres sociais. Todos sabem que não se pode ser feliz sozinho.

Quando jogo tênis com meus colegas não estou pensando nos efeitos e proteção do exercício. De fato, gosto e me divirto jogando tênis. Jogar tênis é uma finalidade em si mesma e não um meio para atingir a saúde no futuro. Tenho um compromisso com meus colegas. Se marcamos um jogo de duplas e um falta, já não há jogo. Se eu faltar serei cobrado. Não posso quebrar minha obrigação com os colegas, pois eles poderão fazer o mesmo e meu prazer irá para o beleléu!
Os observadores da atividade física freqüentemente declaram que os praticantes constantes e intensos são, na maioria dos casos, os que procuram atingir padrões de estética corporal. A procura da melhora estética é um objetivo presente. A gratificação pode ser sentida quase imediatamente na perda de peso, na redução das medidas, na crescente definição de formas e proporções, enfim, nas respostas da avaliação funcional, do espelho e dos comentários dos outros. Se eu for um deles, e tiver um pouco de vergonha, até posso dizer que estou indo à academia quatro vezes por semana, durante uma hora e meia, para melhorar minha saúde.

Agora posso juntar minhas observações. Se pretendermos expandir a atividade física, ela deverá tornar-se uma finalidade em si mesma, superando a linguagem da obrigação e dos benefícios futuros, deverá render benefícios no presente. Esses benefícios podem ser estéticos ou derivados da sociabilidade, do estar juntos e fazer juntos atividades que gerem sentimentos de gosto e emoção. Nesse sentido, teremos de promover os esportes, as caminhadas não solitárias, as atividades relacionadas com os sentimentos de pertencimento, com o apoio mútuo e a cobrança carinhosa e amigável, enfim, os reforços dos benefícios do presente. A atividade física, como dimensão da vida ativa, deve formar parte da vida boa e isso, por sermos sociais, está em grande parte vinculado a sentimentos de pertencimento e participação. É muito difícil, se não impossível, ser feliz sozinho.

Hugo Lovisolo é doutor em antropologia social e autor, entre outros livros, de Atividade Física, Educação e Saúde (Editora Sprint, 2000)

 

 

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