NEGÓCIO
(I)LÍCITO
por Wálter Fanganiello Maierovitch
O
juiz Wálter Fanganiello Maierovitch nasceu em São Paulo,
em 1947, e formou-se em direito pela Universidade de São Paulo
(USP) em 1971. Foi representante do Brasil na Organização
das Nações Unidas (ONU) para atuação no United
Nations Office for Drug Control (Escritório das Nações
Unidas para Controle de Drogas) e na Organização dos Estados
Americanos (OEA) para atuação no seu órgão
sobre drogas ilícitas (Cicad). Passou também pela presidência
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Giovanni Falcone (IBGF)
de 1997 a 1998 e de 2000 até 2004 , quando foi designado
para presidir os trabalhos de formulação da Política
Nacional Antidrogas e auxiliar nas tarefas inerentes à implantação
e operacionalização da Secretaria Nacional Antidrogas, órgão
ligado diretamente à Presidência da República do qual
é secretário atualmente. Trato há muitos anos
do fenômeno da criminalidade organizada e das drogas, afirma.
A seguir, trechos da conversa que Maierovitch teve com o Conselho Editorial
da Revista E, em 9 de dezembro de 2005, sobre a questão.
Em 1988, as Nações
Unidas se reuniram numa convenção que ocorreu em Viena [Áustria]
na qual foi dado o alerta de que o narcotráfico estava lavando
dinheiro dentro dos sistemas financeiro e bancário internacionais.
Àquela altura, o narcotráfico movimentava 200 bilhões
de dólares por ano dentro do sistema bancário.
O que ocorre, no entanto, é que o capital
movimentado pela droga não é só lavado. É
também reciclado em atividades formalmente lícitas: hotéis,
bingos, bolsas de valores etc. A criminalidade organizada
passou por dois momentos distintos. Primeiro, o crime organizado não
era transnacional, sem fronteiras, e se especializava em assaltar bancos.
Agora, essas transnacionais criminosas não assaltam mais os bancos,
colocam dinheiro neles basta ver os 500 bilhões de dólares
movimentados em 2005 pelo narcotráfico internacional. Aos poucos,
a metralhadora foi sendo substituída pelo mouse. Em 1973, as dez
maiores instituições bancárias do mundo criaram a
Swift, um sistema de telemática [conjunto de serviços de
informática fornecidos através de uma rede de telecomunicações]
que cobre 99,9% das instituições bancárias existentes
no mundo e é um prestador de serviços responsável
por todas as compensações e movimentações
bancárias. É a rede de sustentação dos bancos.
Evidentemente, por ela circula parte dos referidos 500 bilhões
de dólares. Não que isso aconteça com a conivência
da Swift, mas não há nenhum mecanismo de controle, fiscalização.
Isso foi objeto de alguns debates, na área de drogas, da Organização
das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos
Estados Americanos (OEA). Eu, como secretário brasileiro antidrogas,
fiz uma proposta para que tivesse na Swift uma obrigação
de vigilância. A resposta que veio à época era no
sentido do mundo capitalista, ou seja, a necessidade de dar velocidade
aos negócios impedia o sistema de filtragens. Por exemplo, aquele
que vende no Brasil sua safra de laranja para outro país recebe,
no sistema Swift, em 24 horas, e não em meses, como seria o caso
se houvesse o tal dever de vigilância. E, se todos os contêineres
fossem abertos e examinados nos portos, o preço pelo tempo de permanência
de um navio atracado seria elevadíssimo. Fora as filas dos navios
para atracar e o perecimento de mercadorias. Portanto, as fiscalizações
e filtros identificadores da origem dos capitais atrapalharia
e comprometeria a velocidade exigida pelo capitalismo.
Procedência
questionada
Aquela idéia antiga do direito romano de que o que interessava
era o negócio e não a origem do dinheiro dizia-se
que dinheiro não tem cheiro (pecunia non olet) mudou. Agora
o dinheiro tem cheiro e deixa rastros de movimentações registradas
eletronicamente. Por isso se pode dizer que há possibilidade de
seguir os seus rastros, embora isso seja sempre muito difícil pela
multiplicidade de transações ao mesmo tempo. Tendo em vista
o ataque covarde às torres gêmeas e ao Pentágono,
concluiu-se que havia a necessidade de identificar e secar as fontes de
financiamento do terrorismo internacional. Portanto, hoje há uma
preocupação maior em filtrar e fiscalizar a origem desse
dinheiro, mesmo que sem muito sucesso. Calcula-se que um quarto do dinheiro
em circulação no mundo é sujo. A pedofilia movimenta
5 bilhões de dólares, fora 280 milhões de dólares
movimentados através dos vídeos com cenas de pedofilia.
O mercado de drogas movimentou em 2005, segundo a ONU, 322 bilhões.
Para especialistas, foram 500 bilhões de dólares. Tudo isso
dentro de sistemas e envolvendo muitas vezes interesses hegemônicos
e estratégicos, por exemplo, a política norte-americana
que promove a chamada guerra às drogas na verdade, uma bandeira
colocada pelo governo norte-americano para conseguir controlar alguns
países, caso claro da Colômbia e da Bolívia. Partiu-se
da lógica de que, sem oferta, não haveria demanda. Mas,
e isso é obvio, sem demanda também não há
oferta. Indo até mais longe, sem insumos químicos não
há como refinar a folha de coca e transformá-la em cloridrato
de cocaína.
Custo social
Ao pensar hoje na situação de países como o Marrocos
e a Colômbia, voltamos àquela história de países
de economias dependentes. A maconha representa 60% do PIB [produto interno
bruto valor global da produção de bens e serviços
de um país, num determinado período] do Marrocos. Antes
do início do governo Pastrana, antecessor de Uribe, a Colômbia
nunca havia precisado ir ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Vale dizer que o mercado da coca acabava alavancando o PIB colombiano.
Além da economia ilegal, existe todo um mercado atrelado à
droga. A venda do papel gomado que serve para enrolar a erva canábica,
as redes de fast-food que matam a fome que a maconha dá, as locadoras
de vídeo que servem o usuário que é mais solitário
e retraído. Há, portanto, toda essa economia paralela, movimentada
além da ilegalidade. Uma indústria que movimenta 500 bilhões
de dólares por ano tem toda condição de se expandir
e se desenvolver. É, portanto, necessário atacar a economia
movimentada pelas drogas. A droga tem um custo social alto. Na última
pesquisa feita no Canadá sobre o custo social da droga sendo
alguns dos indicativos a morte por overdose, a redução da
capacidade elaborativa, internações e problemas de atenção
nas escolas , a conclusão foi que o custo que a sociedade
paga para a utilização de drogas pela própria sociedade
é de 5% do PIB.
Portanto, existe uma indústria transnacional da droga, uma economia
das drogas, países dependentes, cúmplices e de elevado consumo,
que até querem ditar as políticas para os demais, caso dos
EUA e a sua war on drugs (guerra às drogas). Nos últimos
20 anos, a política norte-americana de guerra às drogas
investiu na Colômbia 25 milhões de dólares. No último
Plano Colômbia, que faliu, gastaram-se 5 bilhões de dólares
por ano. No entanto, ao analisar os levantamentos feitos por satélite
nas áreas de produção em países como Colômbia,
Peru e Bolívia, é possível verificar que durante
20 anos não houve redução de nem 1 milímetro
de área de plantio, e a tecnologia avançou. Se a Colômbia
teve uma redução de suas áreas de plantio, por outro
lado, as do Peru e da Bolívia aumentaram, daí a compensação
e os mesmos 200 mil hectares de 20 anos atrás. Será que
há um interesse real no sentido de atacar o problema das drogas?
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