RG da modernidade
O design, fruto
da Revolução Industrial, transformou-se desde o início
do século 20 em peça fundamental nas mudanças de
paradigmas do modo de viver do ser humano
Repare em tudo que está a sua volta. Dos grandes aos menores objetos.
Observe a caneta, leve e de plástico, que você já
deve ter usado pelo menos uma vez hoje, o jeans que provavelmente consta
de seu guarda-roupa ou aquela garrafinha de refrigerante que você
tomou na hora do almoço. Ou o celular, que você precisa atender,
mas é tão pequeno que anda cada vez mais difícil
achá-lo na bolsa. Cenas como essas são corriqueiras e podem
passar despercebidas no dia-a-dia do século 21. Por isso um exercício
de distanciamento deve ser útil para lançar um olhar atento
sobre essas criações e chegar à sua origem
o design. Antes vale esclarecer o que de fato é design.
(Leia mais:
Sinais de Nosso tempo) Afinal, ele é um dos motores da vida no
século 21.
Desenhista de quê?
Essa palavrinha de origem inglesa caiu na boca do mundo no século
20 e, sobretudo nos últimos anos, o termo vem sendo associado a
diversos ofícios. Assim, freqüentemente se ouve falar em designers
de jóias, designers de objetos, designers de luminárias,
designers de móveis, de sapatos, de cabelos e tantos outros.
As inúmeras atribuições à palavra acabam gerando
confusão. Quem são e o que fazem, afinal, os designers?
O professor Giorgio Giorgi Junior, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (FAU-USP), um especialista na área,
esclarece alguns pontos. Por volta da década de 80, esse
termo caiu na vida, não só no Brasil mas no mundo todo,
diz ele, que atribui a banalização do termo, entre outras
coisas, à geração yuppie da época,
muito bem retratada no filme 9 1/2 Semanas de Amor (1986), de Adrian
Lyne. O Mickey Rourke, que interpretava um dos personagens principais,
era um yuppie que tinha todos os clássicos da Bauhaus no
escritório, explica Giorgi Junior, referindo-se à
famosa escola de arte alemã, criada em 1919 para ensinar artistas
a desenhar para a indústria. Segundo ele, os yuppies entraram
na moda na época do surgimento do filme. Eram
novos-ricos com certo verniz cultural que, para mostrar seu poder, passaram
a adquirir determinados signos. Foi nesse contexto dos anos 80 que o termo
design tornou-se badalado. Os holofotes foram centrados na palavra
e daí ocorreram todos os tipos de perversões, explica.
Passei 20 anos tentando explicar às pessoas o que fazia um
designer e agora eu preciso é explicar o que ele não
faz. Já ouvi falar até em flowerdesigner (algo como
desenhista de flores), brinca.
Revolução
Industrial
A verdade é que o design, pelo menos ao que esse termo originalmente
se refere, é uma conseqüência da Revolução
Industrial, iniciada na Inglaterra no século 18. À medida
que uma série de objetos passou a ser produzida em grande escala,
percebeu-se que uma coisa era a fabricação artesanal e outra,
bem diferente, a industrial. Um dos fatos mais marcantes do início
do século 20 foi a criação, em 1903, da Ford Motor
Company, fundada pelo industrial norte-americano Henry Ford. Em pouco
tempo, a Ford desenvolveu um sistema de produção em massa,
que seria determinante para a evolução do design.
Rapidamente os industriais perceberam que quanto maior a altura, maior
poderia ser o tombo e, diferentemente do artesanato, qualquer erro na
produção industrial seria muito nocivo. Para que não
se perdesse o prumo, era necessário alguém que tivesse consciência
desse novo tipo de fabricação e conseguisse uma maneira
certa de projetar os produtos para que saíssem um igual ao outro.
A idéia de design surge a partir da idéia de
produção em série, diz o professor. Não
existe uma data exata que marque o início da profissão do
designer. No entanto, convencionou-se que ela nasceu na primeira
década do século 20, quando a empresa alemã AEG,
fabricante de utensílios domésticos, contratou o arquiteto
Peter Behrens com o propósito de unificar sua produção.
A padronização foi fundamental para o sucesso da companhia.
Nascia ali, pelo menos oficialmente, o primeiro designer da história.
(Leia mais: Exposição
de Design)
A produção em alta escala representou o êxito e o
calcanhar-de-aquiles do capitalismo do século 20. Se, por um lado,
facilitou o acesso a um número maior de bens, por outro, pesa sobre
essa nova forma de fabricação a acusação de
transformar o trabalhador em mero robô. A produção
em massa tornou os bens acessíveis a um mercado mais amplo, mas
também deixou os operários das fábricas com sentimento
de alienação. Seu papel na fabricação se reduzia
a uma tarefa anônima e repetitiva, afirma Michael Tambini
em seu livro O Design do Século (Editora Ática, 2002).
Diferentemente do que ocorria antes, quando um artesão dominava
por completo a produção, o trabalho passou a ser dividido
por etapas. A novidade diminuiu os custos e aumentou os lucros, mas também
significou que as pessoas envolvidas no processo dominariam apenas uma
parte dele.
Comunicação
e identidade
A necessidade de padronizar facilitou inicialmente a industrialização
e criou outra demanda a de fazer com que os potenciais consumidores
de um produto entendessem qual a utilidade do que ia ser comprado. A comunicação
em massa passou então a funcionar como uma das chaves para o sucesso
de um produto. Quando se tenta conversar com um número muito
grande de pessoas, entra em cena uma coisa importante, o poder de comunicação
daquilo que está se propondo. É preciso garantir que todo
mundo entenda como usar aquilo. Uma caneta Bic, por exemplo, não
é desenhada para ninguém especificamente, e sim para milhares
de pessoas. Então, a idéia é que qualquer um, ao
olhar para o tubo, saiba que com aquele objeto se pode escrever,
explica o professor Giorgi Junior. Para Kenneth Grange, fundador da Pentagram
Design, importante escritório de design de Londres, o poder
de comunicar é o que faz essa engrenagem toda funcionar. O
visual das comunicações está mudando drasticamente
e as exigências da mídia ultrapassam muito a capacidade humana
de gerenciar o design do produto. A mensagem e sua influência
é a força, diz ele, no prefácio de O
Design do Século.
O design acaba por ser também o registro de uma época. Os
objetos descritos no início desta reportagem, como a calça
jeans, a caneta no tubo de plástico e a garrafa de refrigerante
já existiam bem antes de 2006. Mas são os detalhes que denunciam
em que momento vivemos. Seu aparelho celular do final dos anos 90 certamente
era bem maior do que o de hoje. O design está ligado
a esse processo industrial, mas é também uma via pela qual
uma época revela sua identidade e inventa sua beleza. É
um registro. E nem sempre as formas modernas serão lembradas por
sua inteligência ou genialidade, mas sim pela sua arrogância,
prevê o professor da FAU.
Sinais do
nosso tempo
Alguns
símbolos e objetos marcaram a evolução do comércio
e da indústria do século 20. Conheça a história
de alguns deles
McDonalds
O logotipo dos dois arcos amarelos que formam o M,
de McDonalds foi criado em 1962. Seis anos mais tarde,
o nome da conhecida cadeia de lanchonetes foi adicionado ao
símbolo. Até hoje o McDonalds é
praticamente sinônimo de fast-food. Suas lojas,
totalmente padronizadas, estão espalhadas pelo mundo
todo.
Apple
A Apple, empresa norte-americana de computação
e principal concorrente da Microsoft, de Bill Gates, quebrou
as regras quando foi a primeira a criar um logotipo
em forma de uma maçã mordida e multicolorida,
em uma referência à história bíblica
de Adão e Eva que é apenas um símbolo
e não leva o nome da companhia. Até mesmo a
sisuda rainha Elizabeth II, da Inglaterra, se rendeu às
formas dos produtos da Apple e condecorou recentemente o designer
Jonathan Ive, responsável pelo projeto do computador
iMac e do iPod tocador de música em aquivo digital
(à direita), lançado em 2005 , com o título
de Comandante da Mais Excelente Ordem do Império Britânico.
Coca-Cola
O logotipo do refrigerante mais famoso do mundo foi
criado por Frank Robinson, na verdade um escriturário
novato na empresa, que acabou bolando o símbolo. Inúmeras
variações de garrafa para a Coca-Cola foram
criadas, mas aquela curvilínea, tida como clássica
até hoje, é uma versão projetada em 1915,
pela Root Glass Company, uma companhia do estado de Indiana,
nos Estados Unidos.
Chanel
Quem se interessa por moda conhece aquele símbolo
formado por duas letras C, uma de costas para outra. Gabrielle
Coco Chanel revolucionou o armário feminino nos anos
20 ao criar peças práticas, simples e confortáveis
para uma mulher que começava a ensaiar sua entrada
no mercado de trabalho. O tailleur (foto à esquerda),
conjunto de saia até o joelho e paletó, foi
uma de suas mais famosas criações e até
hoje é adorado por muitas mulheres.
Fonte:
O Design do Século, de Michael Tambini (Editora
Ática, 2002)
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Traços
da proteção
Exposição
internacional de design chega ao Sesc Pinheiros no dia 21 para discutir
o tema da segurança por meio de 15 instalações
A
proteção talvez seja o assunto mais em voga no Ocidente
nos últimos anos, desde os atentados de 11 de setembro de
2001, que deixaram cerca de 3 mil mortos na cidade de Nova York,
nos Estados Unidos. Foi nesse contexto, no qual a segurança
é uma das principais preocupações humanas
e as conseqüências disso podem ser piores do que as ocasionadas
pelo medo , que o assunto virou tema para o design. Em 2005,
o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa, abrigou a mostra Safe:
Design Takes on Risk [Segurança: O Desenho Que Corre
Risco]. A exposição reuniu diversos designers que,
por meio de 300 objetos industrializados, como máscara de
oxigênio, placas de alerta, embalagens de medicamentos, mostraram
ao público de que maneira a criatividade, as cores, as formas
e os mais diversos tipos de materiais estão a serviço
da proteção do homem.
Neste ano, a idéia de juntar design e segurança numa
mesma exposição atravessou o Atlântico e aportou
por aqui. Foi inspirado pela iniciativa do MoMa que o arquiteto
e curador Nicola Goretti, um simpático italiano radicado
no Brasil, decidiu fazer algo parecido no país. Logo de início,
ele entendeu que para o projeto ter impacto seria necessário
adequar o ponto de vista. Afinal, a insegurança latino-americana
é muito diferente da norte-americana. Com a ajuda de Paola
Antonelli, a curadora da mostra americana, ele chegou à exposição
Ninho Seguro, que esteve no Rio de Janeiro e poderá ser vista
a partir de 21 de fevereiro no Sesc Pinheiros (foto). No Brasil,
os designers construíram instalações que provocam
a reflexão. Entendemos que no Brasil, que não
possui ainda uma forte indústria nessa área, faria
mais sentido se fôssemos pelo caminho conceitual, diz
Goretti. Aqui não estamos falando de produtos industrializados
criados para se defender, e sim em instalações de
design. Para compor Ninho Seguro, foram convidados dez designers,
brasileiros e estrangeiros. Uma das estrelas da mostra é
o alemão Matthias Megyeri. Dono de uma empresa que trabalha
com objetos como grades, arames farpados, cadeados, sua grande sacada
foi torná-los algo lúdico. Assim, em sua empresa o
arame ganhou farpas em forma de mariposas e o cadeado é a
cara de um urso. A maioria das instalações fala
da insegurança provocada não pela ação
de forças maiores, como a natureza, mas sim daquela provocada
pela sociedade contemporânea, ou seja, pelo próprio
homem, explica o curador.
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