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Design

REVISTA E - fev 2006

RG da modernidade

O design, fruto da Revolução Industrial, transformou-se desde o início do século 20 em peça fundamental nas mudanças de paradigmas do modo de viver do ser humano


Repare em tudo que está a sua volta. Dos grandes aos menores objetos. Observe a caneta, leve e de plástico, que você já deve ter usado pelo menos uma vez hoje, o jeans que provavelmente consta de seu guarda-roupa ou aquela garrafinha de refrigerante que você tomou na hora do almoço. Ou o celular, que você precisa atender, mas é tão pequeno que anda cada vez mais difícil achá-lo na bolsa. Cenas como essas são corriqueiras e podem passar despercebidas no dia-a-dia do século 21. Por isso um exercício de distanciamento deve ser útil para lançar um olhar atento sobre essas criações e chegar à sua origem – o design. Antes vale esclarecer o que de fato é design. (Leia mais: Sinais de Nosso tempo) Afinal, ele é um dos motores da vida no século 21.

Desenhista de quê?
Essa palavrinha de origem inglesa caiu na boca do mundo no século 20 e, sobretudo nos últimos anos, o termo vem sendo associado a diversos ofícios. Assim, freqüentemente se ouve falar em designers de jóias, designers de objetos, designers de luminárias, designers de móveis, de sapatos, de cabelos e tantos outros. As inúmeras atribuições à palavra acabam gerando confusão. Quem são e o que fazem, afinal, os designers? O professor Giorgio Giorgi Junior, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), um especialista na área, esclarece alguns pontos. “Por volta da década de 80, esse termo caiu na vida, não só no Brasil mas no mundo todo”, diz ele, que atribui a banalização do termo, entre outras coisas, à geração yuppie da época, muito bem retratada no filme 9 1/2 Semanas de Amor (1986), de Adrian Lyne. “O Mickey Rourke, que interpretava um dos personagens principais, era um yuppie que tinha todos os clássicos da Bauhaus no escritório”, explica Giorgi Junior, referindo-se à famosa escola de arte alemã, criada em 1919 para ensinar artistas a desenhar para a indústria. Segundo ele, os yuppies entraram na moda na época do surgimento do filme. “Eram novos-ricos com certo verniz cultural que, para mostrar seu poder, passaram a adquirir determinados signos. Foi nesse contexto dos anos 80 que o termo design tornou-se badalado. Os holofotes foram centrados na palavra e daí ocorreram todos os tipos de perversões”, explica. “Passei 20 anos tentando explicar às pessoas o que fazia um designer e agora eu preciso é explicar o que ele não faz. Já ouvi falar até em flowerdesigner (algo como desenhista de flores)”, brinca.

Revolução Industrial
A verdade é que o design, pelo menos ao que esse termo originalmente se refere, é uma conseqüência da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no século 18. À medida que uma série de objetos passou a ser produzida em grande escala, percebeu-se que uma coisa era a fabricação artesanal e outra, bem diferente, a industrial. Um dos fatos mais marcantes do início do século 20 foi a criação, em 1903, da Ford Motor Company, fundada pelo industrial norte-americano Henry Ford. Em pouco tempo, a Ford desenvolveu um sistema de produção em massa, que seria determinante para a evolução do design. Rapidamente os industriais perceberam que quanto maior a altura, maior poderia ser o tombo e, diferentemente do artesanato, qualquer erro na produção industrial seria muito nocivo. Para que não se perdesse o prumo, era necessário alguém que tivesse consciência desse novo tipo de fabricação e conseguisse uma maneira certa de projetar os produtos para que saíssem um igual ao outro. “A idéia de design surge a partir da idéia de produção em série”, diz o professor. Não existe uma data exata que marque o início da profissão do designer. No entanto, convencionou-se que ela nasceu na primeira década do século 20, quando a empresa alemã AEG, fabricante de utensílios domésticos, contratou o arquiteto Peter Behrens com o propósito de unificar sua produção. A padronização foi fundamental para o sucesso da companhia. Nascia ali, pelo menos oficialmente, o primeiro designer da história.
(Leia mais: Exposição de Design)


A produção em alta escala representou o êxito e o calcanhar-de-aquiles do capitalismo do século 20. Se, por um lado, facilitou o acesso a um número maior de bens, por outro, pesa sobre essa nova forma de fabricação a acusação de transformar o trabalhador em mero robô. “A produção em massa tornou os bens acessíveis a um mercado mais amplo, mas também deixou os operários das fábricas com sentimento de alienação. Seu papel na fabricação se reduzia a uma tarefa anônima e repetitiva”, afirma Michael Tambini em seu livro O Design do Século (Editora Ática, 2002). Diferentemente do que ocorria antes, quando um artesão dominava por completo a produção, o trabalho passou a ser dividido por etapas. A novidade diminuiu os custos e aumentou os lucros, mas também significou que as pessoas envolvidas no processo dominariam apenas uma parte dele.

Comunicação e identidade
A necessidade de padronizar facilitou inicialmente a industrialização e criou outra demanda – a de fazer com que os potenciais consumidores de um produto entendessem qual a utilidade do que ia ser comprado. A comunicação em massa passou então a funcionar como uma das chaves para o sucesso de um produto. “Quando se tenta conversar com um número muito grande de pessoas, entra em cena uma coisa importante, o poder de comunicação daquilo que está se propondo. É preciso garantir que todo mundo entenda como usar aquilo. Uma caneta Bic, por exemplo, não é desenhada para ninguém especificamente, e sim para milhares de pessoas. Então, a idéia é que qualquer um, ao olhar para o tubo, saiba que com aquele objeto se pode escrever”, explica o professor Giorgi Junior. Para Kenneth Grange, fundador da Pentagram Design, importante escritório de design de Londres, o poder de comunicar é o que faz essa engrenagem toda funcionar. “O visual das comunicações está mudando drasticamente e as exigências da mídia ultrapassam muito a capacidade humana de gerenciar o design do produto. A mensagem – e sua influência – é a força”, diz ele, no prefácio de O Design do Século.


O design acaba por ser também o registro de uma época. Os objetos descritos no início desta reportagem, como a calça jeans, a caneta no tubo de plástico e a garrafa de refrigerante já existiam bem antes de 2006. Mas são os detalhes que denunciam em que momento vivemos. Seu aparelho celular do final dos anos 90 certamente era bem maior do que o de hoje. “O design está ligado a esse processo industrial, mas é também uma via pela qual uma época revela sua identidade e inventa sua beleza. É um registro. E nem sempre as formas modernas serão lembradas por sua inteligência ou genialidade, mas sim pela sua arrogância”, prevê o professor da FAU.

 

Saiba mais:
www.panoramadesign.net
www.moma.org/exhibitions/2005/safe/
www.designmuseum.org
www.icsid.org
www.idsa.org

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sinais do nosso tempo



Alguns símbolos e objetos marcaram a evolução do comércio e da indústria do século 20. Conheça a história de alguns deles

 

 

McDonald’s – O logotipo dos dois arcos amarelos que formam o M, de McDonald’s foi criado em 1962. Seis anos mais tarde, o nome da conhecida cadeia de lanchonetes foi adicionado ao símbolo. Até hoje o McDonald’s é praticamente sinônimo de fast-food. Suas lojas, totalmente padronizadas, estão espalhadas pelo mundo todo.

 

 

Apple – A Apple, empresa norte-americana de computação e principal concorrente da Microsoft, de Bill Gates, quebrou as regras quando foi a primeira a criar um logotipo – em forma de uma maçã mordida e multicolorida, em uma referência à história bíblica de Adão e Eva – que é apenas um símbolo e não leva o nome da companhia. Até mesmo a sisuda rainha Elizabeth II, da Inglaterra, se rendeu às formas dos produtos da Apple e condecorou recentemente o designer Jonathan Ive, responsável pelo projeto do computador iMac e do iPod – tocador de música em aquivo digital (à direita), lançado em 2005 –, com o título de Comandante da Mais Excelente Ordem do Império Britânico.

 

 

Coca-Cola – O logotipo do refrigerante mais famoso do mundo foi criado por Frank Robinson, na verdade um escriturário novato na empresa, que acabou bolando o símbolo. Inúmeras variações de garrafa para a Coca-Cola foram criadas, mas aquela curvilínea, tida como clássica até hoje, é uma versão projetada em 1915, pela Root Glass Company, uma companhia do estado de Indiana, nos Estados Unidos.

 

 



Chanel – Quem se interessa por moda conhece aquele símbolo formado por duas letras C, uma de costas para outra. Gabrielle Coco Chanel revolucionou o armário feminino nos anos 20 ao criar peças práticas, simples e confortáveis para uma mulher que começava a ensaiar sua entrada no mercado de trabalho. O tailleur (foto à esquerda), conjunto de saia até o joelho e paletó, foi uma de suas mais famosas criações e até hoje é adorado por muitas mulheres.

 

 

 

Fonte: O Design do Século, de Michael Tambini (Editora Ática, 2002)

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Traços da proteção

 

Exposição internacional de design chega ao Sesc Pinheiros no dia 21 para discutir o tema da segurança por meio de 15 instalações

 

 

A proteção talvez seja o assunto mais em voga no Ocidente nos últimos anos, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, que deixaram cerca de 3 mil mortos na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Foi nesse contexto, no qual a segurança é uma das principais preocupações humanas – e as conseqüências disso podem ser piores do que as ocasionadas pelo medo –, que o assunto virou tema para o design. Em 2005, o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa, abrigou a mostra Safe: Design Takes on Risk [Segurança: O Desenho Que Corre Risco]. A exposição reuniu diversos designers que, por meio de 300 objetos industrializados, como máscara de oxigênio, placas de alerta, embalagens de medicamentos, mostraram ao público de que maneira a criatividade, as cores, as formas e os mais diversos tipos de materiais estão a serviço da proteção do homem.

Neste ano, a idéia de juntar design e segurança numa mesma exposição atravessou o Atlântico e aportou por aqui. Foi inspirado pela iniciativa do MoMa que o arquiteto e curador Nicola Goretti, um simpático italiano radicado no Brasil, decidiu fazer algo parecido no país. Logo de início, ele entendeu que para o projeto ter impacto seria necessário adequar o ponto de vista. Afinal, a insegurança latino-americana é muito diferente da norte-americana. Com a ajuda de Paola Antonelli, a curadora da mostra americana, ele chegou à exposição Ninho Seguro, que esteve no Rio de Janeiro e poderá ser vista a partir de 21 de fevereiro no Sesc Pinheiros (foto). No Brasil, os designers construíram instalações que provocam a reflexão. “Entendemos que no Brasil, que não possui ainda uma forte indústria nessa área, faria mais sentido se fôssemos pelo caminho conceitual”, diz Goretti. “Aqui não estamos falando de produtos industrializados criados para se defender, e sim em instalações de design.” Para compor Ninho Seguro, foram convidados dez designers, brasileiros e estrangeiros. Uma das estrelas da mostra é o alemão Matthias Megyeri. Dono de uma empresa que trabalha com objetos como grades, arames farpados, cadeados, sua grande sacada foi torná-los algo lúdico. Assim, em sua empresa o arame ganhou farpas em forma de mariposas e o cadeado é a cara de um urso. “A maioria das instalações fala da insegurança provocada não pela ação de forças maiores, como a natureza, mas sim daquela provocada pela sociedade contemporânea, ou seja, pelo próprio homem”, explica o curador.

 

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