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Encontros
De olho nas estrelas
João Steiner
O professor, astrofísico e diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), João Steiner, conversou com o conselho editorial da Revista E e falou sobre as atividades do instituto, sobre o novo telescópio brasileiro e até sobre vida em outros planetas. A seguir, trechos da conversa:
Universidade e sociedade
O Instituto de Estudos Avançados da USP foi criado em 1986. O motivo de sua criação reside um pouco no fato de que a universidade no Brasil – na verdade, isso vale para quase todo o mundo – é uma entidade estruturada basicamente em departamentos, que são como ilhas estanques. A vida não é feita de departamentos, a vida é feita de problemas e soluções. A economia e a sociedade não são feitas de física, química ou sociologia. Nós temos problemas e procuramos soluções. E elas são múlti e interdisciplinares. Sendo assim, a idéia era criar um instituto pequeno e enxuto no qual se pudessem colocar as discussões de uma maneira aberta. Um instituto que servisse como um ponto de articulação da interdisciplinaridade, porém com foco nas questões candentes da ciência e da cultura. É um instituto de cultura científica e humanista, ao mesmo tempo – o que vem a ser um pouco a cara da universidade, afinal universidade vem da palavra universalidade. Nós temos de ser universais. Não existe tema que não possa ser tratado na universidade. E não existe visão de mundo que não possa ser levada para a universidade. Nesse sentido, precisamos sempre ter um enfoque universalista, abrangente e pluralista. Sob todos os aspectos. Culturais, políticos, e assim por diante.
A idéia era que o instituto também fosse um ponto de encontro entre a academia e a assim chamada sociedade civil – que a gente nunca sabe direito o que é. Na Igreja, as pessoas se dividem entre os eclesiásticos e o resto do mundo. Com os militares também é um pouco assim. E na academia também. Se na sociedade civil surgem interessados em interagir, elaborar, construir e pesquisar, qual seria a brecha para eles na universidade, na USP, por exemplo? Não há muitas entradas. Na física só entra o físico, na matemática só entra o matemático, na engenharia só entra o engenheiro e assim por diante. Daí a necessidade de existir um espaço que possa servir de ponte entre a universidade e a sociedade civil. De tal maneira que as pessoas que queiram conduzir projetos, sozinhas ou em conjunto, não tenham de se submeter ao diploma. Trabalhar para fazer alguma coisa bem-feita não precisa de diploma nenhum. Nós temos grandes escritores e grandes poetas que não têm um diploma de doutorado pendurado atrás da mesa. A idéia é que haja também um certo grau de informalidade, mas que gire sempre em torno do foco da excelência.
A teoria é muito bonita, mas na prática isso às vezes é complicado. Ocorre, porém, que o instituto tem algumas vantagens bastante interessantes. O diretor de estudos avançados da USP é um cara privilegiado. Ele não tem alunos nem colega de departamento. É uma maravilha. Não precisa ficar batendo boca com ninguém, não precisa da aprovação de ninguém, nem do reitor. Ele faz o que bem entender. É um lugar ótimo para trabalhar.
Nosso compromisso é dinamizar, criar coisas. Estamos trabalhando agora para colocar o instituto realmente dentro da sua missão e ter a visibilidade e o impacto necessários. Nós temos uma série de estruturas, de programas, projetos e uma série de professores eméritos ligados ao instituto. O Aziz Ab’Sáber é um deles, além do José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente do Governo do Estado, Crodowaldo Pavan e Antonio Candido.
Para que construir um telescópio?
Nós temos participação em dois telescópios de 8 metros cada um. Um deles está no Havaí e o outro no Chile. Eu estive na origem desse projeto, ajudei a construir tudo, mas a nossa porcentagem era muito pequena, e a nossa comunidade cresceu muito. Astronomia não é uma coisa muito conhecida do grande público, e o Brasil tem uns concorrentes reforçados, tipo Nasa, um pessoal que tem dinheiro, coisa que a gente não tem, a gente só tem cérebro e vontade. Nós produzimos 2% de toda a ciência mundial nessa área. Pode parecer pouco, mas isso fez com que crescesse muito a nossa competência em termos de comunidade brasileira. Por isso a gente achou que devíamos fazer parcerias para ter condições de ter competitividade científica. Estratégias para daqui a dez anos, quando a gente tivesse uma situação mais favorável. Porém surgem as perguntas do tipo: “Fazer telescópio para quê? Já não existem telescópios suficientes?” E a resposta é a seguinte: existem questões científicas que foram abertas, que não foram respondidas e não vão ser respondidas pelas tecnologias existentes. Elas só terão resposta se nós desenvolvermos novas técnicas, novas tecnologias, novos procedimentos que possam dar respostas. Quais são essas grandes questões que são tão importantes assim? Num folheto elaborado por cientistas norte-americanos eram apontadas as 12 questões mais importantes para a física no século 21. Destas, sete eram de astrofísica. É na astrofísica que está a fronteira do conhecimento das leis da física. É o universo que é hoje o grande laboratório do cientista físico. Os limites estão, por exemplo, na questão das origens. Como, quando e por que se originou o nosso planeta, que faz parte do sistema solar, que, por sua vez, também teve uma origem. Como se deu a origem do sistema solar, que faz parte da galáxia. Como, por que e quando se formou a galáxia, que faz parte do universo. O universo também teve uma origem. Ou seja, a questão fundamental é qual foi a origem do universo. Se não tivesse ocorrido a origem do universo nenhuma das outras perguntas poderia ser feita.
Vida em outros planetas
Se a gente descobrir um planeta parecido com a Terra, provavelmente nele haverá vida. E nós estamos com uma tecnologia muito próxima de descobrir isso. Planetas com massa parecida com a da Terra poderão ser descobertos em dois anos, e planetas com oxigênio em 2010. A astronomia é um campo muito dinâmico da pesquisa científica, das ciências físicas. E a gente está procurando respostas fundamentais da ciência e fundamentais a todos. Afinal, a questão de onde viemos, onde estamos e para onde vamos diz respeito a cada um de nós. E é a astronomia que tem por missão contar isso para a gente, com metodologia científica. Foi por isso que nós resolvemos gastar mais 30 milhões de dólares e construir mais um telescópio. Esses argumentos convenceram nossos financiadores. São quatro sócios, o maior sócio é o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], tem 34% na sociedade. O segundo maior sócio é a NSF [National Science Foundation], uma espécie de CNPq dos Estados Unidos, que tem 33%. Os outros dois sócios são duas universidades norte-americanas, uma na Carolina do Norte e outra em Michigan. Juntas, elas somam os outros 33%. Nós temos três diretores num conselho de nove pessoas, cujo presidente sou eu. Eu e mais uma colega norte-americana, diretora do laboratório nacional de astrofísica deles, concebemos o projeto desse telescópio em novembro de 1993. São 11 anos dedicados a isso. Finalmente, em abril do ano passado, ele foi inaugurado – entenda-se, nós produzimos a primeira imagem. Porém, a partir disso, nós temos de ficar mais um ano ajustando todos os 500 computadores que há lá dentro, todas as mecânicas, toda a óptica, vai levar um ano de ajustes. Tudo isso para que, então, a partir de abril deste ano, a gente comece a fazer ciência para valer.