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Constituição de1988, oportunidade perdida

ABRAM SZAJMAN
(Presidente da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo
e dos Conselhos Regionais do Sesc e do Senac)

Em palestra realizada na Federação do Comércio do Estado de São Paulo, o ex-senador Bernardo Cabral trouxe informações sobre os bastidores da Assembléia Nacional Constituinte que, embora não surpreendam quem conhece a realidade brasileira, explicam em boa parte os desacertos da Carta Magna aprovada em 1988. O ex-senador venceu uma disputa interna para se tornar o relator principal daqueles trabalhos e nessa função pôde acompanhar e influenciar as decisões dos constituintes.

A primeira constatação que faz, que também não é nenhuma novidade, é que os parlamentares, ao começar os trabalhos, não tinham nas mãos um projeto, um esboço sequer, que pudesse balizar os debates. Tudo foi discutido a partir do nada.

Sabe-se que o projeto da Comissão de Notáveis, liderada por Afonso Arinos de Melo Franco, foi repudiado, talvez por preferir claramente o parlamentarismo, uma opção que nossos políticos combatem cegamente, mesmo antes de discutir e conhecer suas reais vantagens. Mais: Bernardo Cabral relata que o deputado Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembléia, reuniu um grupo de parlamentares, atribuindo-lhes a responsabilidade de criar um esboço. Mas a preferência do presidente da Constituinte deixou a maioria dos políticos enciumados e o resultado foi, mais uma vez, o recurso ao jeitinho brasileiro, responsável pela criação de oito comissões temáticas, desenhadas não para abranger os grandes assuntos de interesse do país, mas para abrir espaço aos partidos e aos representantes do povo, ansiosos para colocar no papel o melhor futuro para o Brasil.

Diante de tal início, não é de admirar que a Carta Magna ficasse como ficou, recheada de deficiências, exageros e defeitos, como afirma o próprio ex-senador. Parte desses defeitos decorre de outro fato, também comentado por ele, que foi a excessiva influência do momento histórico sobre as decisões dos constituintes. Com efeito, entre estes havia pessoas que tinham sido banidas, presas e até torturadas, ao lado de outras conhecidas por suas posições direitistas. E o mundo vivia ainda os efeitos da Guerra Fria, já que o Muro de Berlim ainda não tinha sido derrubado. Em outras palavras, o envolvimento ideológico era profundo e se revelava em muitas das emendas propostas ou discutidas.

Além disso, não se falava ainda em globalização, pelo menos com a intensidade que se viu nos anos seguintes. Todos sabemos o que esse movimento de queda de fronteiras representou para as economias regionais, e os capítulos da Constituição que tratam de temas econômicos e financeiros não tiveram nenhuma preocupação com as mudanças exigidas pela nova ordem mundial.

De tudo isso concluímos que o Brasil perdeu, em 1988, uma rara oportunidade de aprovar uma carta de princípios capaz de proteger a sociedade brasileira e de promover o desenvolvimento da nação em bases sólidas, eficazes e coerentes com um mundo em constante mutação. E a perdeu precisamente porque nossos políticos, ao pensar o futuro, não conseguiram livrar-se das amarras do passado, nem dos comprometimentos gerados pela emoção do momento ou dos interesses apoiados em situações meramente passageiras. Faltou a visão e o espírito daqueles estadistas que sabem distinguir o essencial do acessório, o permanente do transitório e o real do imaginário.

O que nos preocupa é verificar que ainda hoje, nos debates a que assistimos no Congresso, ou na falta deles, esse mesmo comportamento imediatista e interesseiro ainda impede o andamento das tantas reformas sabidamente necessárias para o Brasil.

 

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