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Turismo em debate
Projeto de lei discute responsabilidade das agências de viagens
Na reunião de 19 de novembro de 2003 do Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), presidida por Edvaldo Brito, foram analisadas a medida provisória 135 (Cofins) e as atividades das agências de turismo e de viagens e a responsabilidade civil.
EDVALDO BRITO – O presidente do conselho, professor Ives Gandra da Silva Martins, está em Brasília, recebendo a comenda do mérito dos 60 anos do Tribunal Superior do Trabalho. Por essa razão, é com muita honra que ocupo seu lugar na reunião de hoje, em que o doutor Francisco José de Castro Rezek dissertará sobre as atividades das agências de viagens e a responsabilidade civil, e a conselheira doutora Fátima Fernandes Rodrigues de Souza falará sobre a medida provisória 135.
FRANCISCO JOSÉ DE CASTRO REZEK – A responsabilidade civil das agências de turismo e de viagens é um assunto que se refere essencialmente ao projeto de lei 5.120/01, de autoria do deputado federal Alex Canziani. De início eram dois projetos – um deles regulamentava os serviços das agências de turismo e de viagens, e o outro versava sobre sua responsabilidade civil –, que foram reunidos num só. Já aprovado na Câmara dos Deputados, encontra-se no Senado Federal, onde aguarda inclusão em pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Atualmente as agências de turismo e de viagens têm suas atividades regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 14, como fornecedores de serviços. Essas empresas têm responsabilidade objetiva por danos causados e respondem por sua reparação.
Essa responsabilidade objetiva me parece um tanto injusta, pois elas assumem atos sobre os quais não têm o menor controle. Num dos acórdãos, o consumidor contratou um pacote de turismo que incluía hospedagem, transporte aéreo e um passeio de barco, mas, por algum problema, o barco pegou fogo. O passeio era organizado por uma empresa terceirizada. De acordo com o artigo 14 do CDC, a responsabilidade é da agência de viagens que vendeu o pacote turístico. Essa foi também a conclusão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando a questão lá chegou, em recurso especial.
A exclusão dessa responsabilidade ocorre quando a culpa é do consumidor ou de um terceiro não afeto ao pacote. A concorrência de culpa do consumidor com a agência, ou com uma das partes desse pacote turístico, redunda na responsabilidade integral da agência de viagens pela reparação do dano. Talvez por isso o deputado Alex Canziani tenha apresentado um projeto de lei que regulamenta de forma clara a responsabilidade civil das agências em relação aos serviços prestados de intermediação entre o consumidor e demais partes, como hotéis e empresas aéreas.
Esse projeto de lei vem sofrendo várias críticas por parte da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que criou a campanha: "Ajude para que as agências de viagens não fujam do Código de Defesa do Consumidor". O Idec afirma que o projeto de lei é prejudicial aos consumidores e batizou-o de "Reclame ao Bispo". Isso não procede por vários motivos. De forma alguma ele exclui a responsabilidade das agências, somente diferencia aquela que se aplica às agências de viagens, que negociam e vendem os pacotes, da relacionada às de turismo, que os montam, e por isso teriam uma responsabilidade maior. O Idec alega que esse projeto de lei exime as agências de turismo e de viagens de qualquer responsabilidade. Convém lembrar que o artigo 12 do projeto de lei dispõe que "as agências de viagens respondem objetivamente pelos serviços remunerados da intermediação que executam", e o artigo 13 diz que "a vendedora de serviços turísticos de terceiros, incluindo os comercializados pelas operadoras turísticas, é mera intermediária desses serviços e não responde pela sua prestação e execução". Esse artigo não tenta excluir responsabilidades, mas, sim, colocá-las a cargo de quem de direito. A agência de turismo não teria como controlar os horários de aviões, atrasos ou questões técnicas, nem eventuais problemas hoteleiros.
Pelo que percebi no projeto de lei, as operadoras de turismo são responsáveis, sim, pela prestação do serviço oferecido. Se constar um hotel de quatro ou cinco estrelas no pacote, isso tem de ser oferecido ao consumidor. A responsabilidade seria excluída da agência de turismo no caso de eventuais danos causados pelo hotel, que responderia por eles.
Enfim, considero esse projeto de lei muito bom, já que delimita as responsabilidades civis das agências de turismo e de viagens.
EDVALDO BRITO – A questão da responsabilidade civil está carecendo de debate, porque temos um Código Civil natimorto ou anacrônico. O Brasil não tinha responsabilidade civil objetiva regrada pelo Código Civil. O artigo 159 do código de 1916 exigia culpa para configurar ato ilícito civil. Prosperaram leis esparsas, até que surgiu o CDC, que trouxe o conceito de lesão, diferente daquele que está no novo texto do Código Civil. Como sabemos que a responsabilidade civil é um dever de reparar um dano, este se vinculará à questão. Ora, o deputado está tentando reparar o dano definido no CDC para demonstrar que o Código Civil brasileiro precisa ser... se disser regulamentado vão me atirar pedras, porque uma lei não regulamenta outra. Então, o que posso dizer? Ele está querendo reparar um dano.
PAULO PLANET BUARQUE – Eu me permitiria dissentir um pouco da opinião do professor Rezek. Acho que todos aqui já utilizaram os serviços de uma agência de turismo. Sabemos da irresponsabilidade que caracteriza a maioria dessas empresas ao estabelecer pacotes para atrair eventuais viajantes, e que nem sempre praticam o que está estatuído neles. Entendo que as agências de turismo brasileiras devem ter precaução ao contratar empresas terceirizadas, pois podem ser acionadas, caso deixem de prestar um serviço adequado. É extremamente perigoso deixar tudo no contexto de uma lei que protege as empresas de viagens quanto à eventualidade de uma ação jurídica, até porque o CDC objetivou proteger as pessoas mais humildes.
ANTÔNIO NICÁCIO – Acho que está faltando examinar o nexo de causalidade, porque sem isso ninguém pode ser imputado. A antiga teoria da culpa hoje praticamente está restrita a duas espécies: a culpa presumida e a teoria do risco.
EDVALDO BRITO – Esse nexo é fundamental quando se busca a chamada responsabilidade civil subjetiva. A formulação do código em função da responsabilidade civil objetiva e na decorrente da atividade de risco não tem por que contemplar nenhum nexo de causalidade entre aquele que vai reparar o dano e a causa deste.
FERNANDO PASSOS – A responsabilidade objetiva, na forma tratada pelo direito brasileiro, é uma demagogia de péssima qualidade. Essa questão do nexo de causalidade levantada pelo conselheiro Nicácio não existe mais, ninguém quer saber disso. A idéia hoje é comprar um pacote esperando que o barco queime e se possível que ninguém morra para pleitear uma indenização.
RUBENS MIRANDA DE CARVALHO – Recentemente vimos na televisão imagens de aeroportos cheios de turistas brasileiros de uma empresa que quebrou. Aqueles infelizes tinham programado seus passeios e ficaram na mão. Nesse caso, entendo que podemos até prescindir da responsabilidade objetiva a uma culpa. Essa agência escolheu uma empresa de má qualidade – e é ela que tem acesso à informação acerca da empresa que está contratando. O homem comum não tem. Ele procura uma agência confiando nela para fazer uma viagem tranqüila e vê sua expectativa frustrada.
EDUARDO VAMPRÉ DO NASCIMENTO – Presido o Conselho de Turismo da Fecomercio desde 1976 e tenho uma agência de viagens há 42 anos, por isso não posso concordar com o conselheiro Paulo Planet Buarque. Acho que as agências sobrevivem do bom serviço que prestam. Quero esclarecer alguns pontos referentes ao setor de turismo e explicar por que estamos apoiando o projeto de lei dos deputados Alex Canziani e Ronaldo Vasconcellos. O agente de viagens não podia saber, há um ano ou dois, que a Transbrasil iria suspender seus vôos de repente, mas foi responsabilizado pelos 900 bilhetes que vendeu. Três meses atrás, a Varig quase encerrou suas atividades, com milhares de bilhetes emitidos pelas agências de viagens. Se isso tivesse ocorrido, elas teriam fechado. E o CDC, o Procon e o Idec afirmam que somos responsáveis pela escolha de companhias aéreas ou de hotéis. A qualidade, a categoria, a distância do aeroporto e a comodidade são informações que temos de prestar corretamente. Mas como responder por serviços de terceiros no mundo todo? E há ainda uma indústria do dano moral. Por sorte não temos nem 0,3% de reclamações desse tipo. Eu gostaria de tentar mostrar ao conselheiro Rubens Miranda que nem sempre é correta a sua colocação. O cliente entra numa agência com um anúncio na mão para comprar uma viagem da Stella Barros ou da Soletur, a maior operadora do Brasil durante 20 anos. Quem poderia saber que iriam fechar as portas e deixar os passageiros na mão? Por isso, queremos a aprovação dessa lei. E não acho que seja um desestímulo. Segundo pesquisa, 82% dos clientes compram seus bilhetes nas agências de viagens. Isso me deixa muito satisfeito.
FÁTIMA FERNANDES RODRIGUES DE SOUZA – Depois de toda essa incursão pelo direito civil, temos de voltar ao direito tributário. É bom lembrar que essa indústria de indenizações acabou desmoralizando a advocacia nos Estados Unidos. Temos de tomar cuidado para não cair nos mesmos excessos. Primeiramente quero dizer que não vou abordar toda a medida provisória 135, que inclui quatro tópicos: instituição da não-cumulatividade na cobrança da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); alterações de prazos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para determinados tributos; procedimentos a serem adotados pela autoridade administrativa e pelo contribuinte no tocante à homologação ou não da compensação; e alguns aspectos da legislação aduaneira e dos direitos comerciais. Vou examinar as alterações relativas à Cofins no plano da constitucionalidade ou não dessas disposições na MP 135.
Há inconstitucionalidades formais e materiais. A primeira inconstitucionalidade formal é a violação ao artigo 246 das Disposições Constitucionais Gerais.
O artigo 246 das Disposições Constitucionais Gerais, na redação introduzida pela emenda constitucional (EC) 32/01, promulgada em 11 de setembro de 2001, estabelece que:
"É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda".
O sentido dessa norma – introduzida pela EC 6/95 e reiterada pela EC 7/95 – foi de restringir o exercício da competência constitucional do presidente da República para editar medidas provisórias, sempre que exista uma deliberação do constituinte derivado para alterar certa previsão legal no período indicado. Tal sentido já fora fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao conceder medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) número 1.597 (julgamento em 19 de novembro de 1997).
A doutrina afasta a mera interpretação "literal" da norma e adota uma interpretação finalística.
O artigo 195, inciso I da Constituição foi objeto da EC 20, promulgada em 15 de dezembro de 1998, que introduziu alterações nas contribuições de seguridade social, ampliando o espectro da contribuição social do simples "faturamento" para "receitas" em geral.
A MP 135 afirma no artigo 1º, parágrafo 1º: "Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil".
Assim, a referida medida provisória é inconstitucional, nesse ponto, por violar o artigo 246 da Constituição, cuja redação fora alterada com a inclusão de nova base de cálculo, por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001.
Nem se diga que a lei 9.718/98 já teria cuidado da matéria, pois, por ser anterior à EC 20/98 e eleger para a Cofins base de cálculo não prevista na Constituição em vigor, é, a meu ver, inconstitucional.
A MP 135 atribui tratamento diferenciado a pessoas jurídicas:
a) ao estabelecer duas formas de apuração da Cofins: uma, não-cumulativa, com alíquota de 7,6%, para as empresas optantes pela apuração do Imposto de Renda (IR) com base no lucro real; outra, cumulativa, com alíquota de 3% ou 4%, para as optantes pela apuração do Imposto de Renda com base no lucro presumido.
b) ao estabelecer sistemática não-cumulativa mediante o desconto de créditos relativos a serviços e bens adquiridos pelo contribuinte de pessoas jurídicas e não de pessoas físicas.
A possibilidade de diferenciação da alíquota e da base de cálculo nas contribuições sociais não constava da redação original da lei maior, e foi introduzida pela EC 20/98, que acrescentou, ao artigo 195, o parágrafo 9º:
"As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra".
A MP 135 agride o artigo 246, regulamentando matéria objeto de alteração por EC editada entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001.
Mas as inconstitucionalidades formais observadas na MP 135 atingem também os artigos 146, inciso III, alínea b, e 62, parágrafo 1º, inciso III da Constituição Federal.
O artigo 146, inciso III, alínea b dispõe que compete à lei complementar estabelecer "normas gerais em matéria de legislação tributária" sobre "obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários".
No tocante às contribuições sociais do artigo 195, o STF considerou não exigível lei complementar, pois os elementos necessários para a instituição do tributo já estariam no texto da Constituição.
A medida provisória, ao instituir o regime não-cumulativo para a Cofins, estabelece uma sistemática complexa para definir o valor a recolher, com a indicação dos créditos, cujo desconto é ou não permitido. Tal sistemática não se encontra delineada na lei maior – o que torna necessária a edição de lei complementar.
No Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – cuja não-cumulatividade é prevista na Constituição –, o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea c sujeitou a disciplina do regime de compensação do imposto à lei complementar.
Ora, o artigo 62, parágrafo 1º, inciso III veda a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada à lei complementar, razão pela qual a MP 135 viola também esse dispositivo.
Mas a MP 135 ressente-se também de inconstitucionalidades materiais.
A primeira delas é a violação aos princípios da isonomia (artigo 150, inciso II) e da livre concorrência (artigo 170, inciso IV).
A instituição da Cofins não-cumulativa visaria corrigir distorções decorrentes da cobrança cumulativa do tributo. Para não arriscar o montante da receita obtida com a contribuição, mantém-se a carga tributária, redistribuindo-a entre os diversos setores da economia.
Com isso, a alíquota da contribuição foi fixada em 7,6% sobre as receitas de pessoa jurídica; instituiu-se a não-cumulatividade pelo método subtrativo, estabelecendo as situações em que o contribuinte pode descontar, do valor da contribuição devida, créditos apurados.
Essa sistemática, razoável para alguns setores em que a aquisição de bens e serviços enseja transferência de créditos, onera a capacidade contributiva das empresas prestadoras de serviços. Adquirindo bens e serviços de pessoas físicas, não-sujeitas à tributação pela Cofins, não podem abater créditos e arcam com a pesada majoração da contribuição à alíquota.
A medida provisória corrige esse desequilíbrio em relação ao setor agroindustrial, mas, sem atribuir o mesmo tratamento a outros segmentos em situação equivalente, viola a isonomia consagrada no artigo 150, inciso II.
Isso atinge setores relevantes, como saúde e educação, para a consecução dos objetivos propostos pelo Estado brasileiro (artigo 3º, inciso III) e sobre os quais descansam os fundamentos da República (artigo 1º, incisos II, III, IV), em relação aos quais o desequilíbrio entre créditos e débitos não foi neutralizado.
A MP viola a isonomia ao introduzir tratamento diferenciado dentro do mesmo segmento, pois:
a) As empresas industriais/comerciais que se encontram no início do ciclo de circulação não terão créditos para compensar, arcando com carga tributária mais pesada.
b) Institui discrímen com base na adoção do pagamento do IR pelo lucro presumido, quando nem todas as empresas de um mesmo segmento podem adotar essa sistemática. O artigo 516 do IR impõe limitação pelo valor do faturamento. Além de ferir a isonomia, interfere na livre concorrência, violando o artigo 170, inciso IV.
Outra inconstitucionalidade material se observa pelo desatendimento dos critérios de diferenciação admitidos pelo parágrafo 9º do artigo 195, que estabelece como critérios aptos a diferenciação de alíquotas e de bases de cálculo nas contribuições sociais previstas no inciso I, artigo 195 da atividade econômica ou da utilização intensiva da mão-de-obra.
Com base nas peculiaridades da atividade econômica, no passado ocorreu tratamento diferenciado às instituições financeiras, quanto à Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), por causa da expressividade do lucro (base de cálculo da CSL) e da inexpressividade do faturamento (base de cálculo da Cofins).
Não existe critério de diferenciação na medida provisória, o que acaba onerando segmentos com intensa utilização de mão-de-obra.
Finalmente, vislumbra-se a produção do efeito confisco (violação ao artigo 150, inciso IV) na sistemática introduzida pela MP 135, em relação às empresas prestadoras de serviços e às indústrias posicionadas no início do ciclo produtivo, que arcarão com a alíquota majorada, sem créditos para abater.
Configura-se o impedimento a qualquer tipo de investimento e até à justa expectativa de lucro do empresário, e o efeito confisco pode ser alegado.
LUIZ ANTONIO MIRETTI – Em conseqüência da violação ao artigo 246 existe um argumento a mais, que é a violação ao artigo 2º da Constituição Federal, da separação dos poderes. Está havendo uma ingerência na competência privativa do Poder Legislativo, pelo Poder Executivo, na adoção da MP 135. Há um dispositivo da lei 10.637/02, que trouxe a não-cumulatividade dos Programas de Integração Social (PIS) e gerou bastante polêmica. O artigo 12 da lei 10.637 diz o seguinte: "Até 31 de dezembro de 2003, o Poder Executivo submeterá ao Congresso Nacional projeto de lei tornando não-cumulativa a cobrança da Cofins". Outro aspecto comentado pela doutora Fátima é a menção feita à jurisprudência do STF em relação ao princípio de vedação ao confisco. A linha da doutrina e da jurisprudência, firmada no Supremo, nos dá a segurança de considerar o confisco o somatório de incidências por um determinado segmento de atividades.
RUBENS MIRANDA – Essa questão da não-compensação dos serviços não afeta só as prestadoras de serviços, mas também as indústrias. Imagino que haja milhares delas que não podem se valer dessa compensação e que terão seus custos tributários agravados.
MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES – A conselheira Fátima citou a área da saúde e de serviços entre as que foram agravadas com essa medida provisória. Eu acrescentaria que as empresas de energia elétrica, um dos setores fundamentais para a nação, também estão sendo extremamente afetadas. E quem vai pagar por isso é o consumidor.
AMÉRICO LACOMBE – O princípio da isonomia tem sido o mais violado em toda a história da Constituição de 1988, apesar de ter prestígio muito maior nesta Carta do que nas anteriores, em que ele era um meio de implementar o direito à vida, à segurança, à propriedade. Hoje ele é a causa de direitos e garantias individuais. Também quero lembrar o seguinte: se quisermos sacrificar uma tese jurídica é só entrar com uma Adin. Como meu crédito no Poder Judiciário cresce na razão inversa ao das instâncias, tenho muito mais confiança nos juízes de primeira do que nos de segunda instância. A emenda 20 não pode recepcionar nenhuma lei inconstitucional nascida antes dela. A lei que nasceu inconstitucional não existe, não gera efeito nenhum. E não é uma emenda constitucional posterior que vai torná-la constitucional.
FERNANDO PASSOS – A doutora Fátima trouxe aqui novos fatos e visões da questão da isonomia. Acho que qualquer ministro do STF se disporia a analisá-los, até para divergir. Então esse é o problema da inconveniência da Adin. O que acho interessante sobre o princípio da isonomia na MP 135 é que foi instituída a não-cumulatividade que causou queda de receita da Cofins. É possível compensar essa perda com outras bases de cálculo, outras instituições, outros tributos, mas não dentro do próprio tributo. Se a compensação ocorrer dentro do próprio tributo, irá ferir a isonomia, favorecendo um setor e prejudicando outro. Por fim, quando a doutora Fátima falou da concorrência, fiquei me perguntando: concorrência aqui? Quero lembrar uma historinha que está na Internet, sobre a concorrência. O dono de um sítio comprou uma ratoeira, e o rato ficou desesperado: "Meu Deus, há uma ratoeira na casa". Muito assustado, foi contar isso à vaca, à galinha, ao porco. E todos zombaram dele, pensando: "A ratoeira não é comigo". À noite, a ratoeira funcionou, prendendo uma cobra pelo rabo, que acabou picando a esposa do dono do sítio. A mulher foi parar na UTI e só voltou para casa um mês depois. Para se recuperar, precisou tomar canja de galinha, e lá foi a galinha para o fogo. Pouco depois, os parentes foram visitá-la e a vaca acabou virando churrasco. Por fim, o leitão, que também havia zombado do rato, foi para o forno no Natal. O único sobrevivente acabou sendo o próprio rato. Do mesmo jeito, setores industriais e outros, que estão comemorando, do ponto de vista da concorrência, devem tomar cuidado, porque nós, da área de serviços, não vamos pagar a conta sozinhos. A concorrência pode estar sendo ferida totalmente sem que se perceba.
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