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Pista de skate do CEU Butantã, em São Paulo /
Foto: Carlos Juliano Barros


Governo e sociedade civil discutem ações voltadas para a juventude

CARLOS JULIANO BARROS

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 20% da população nacional pode ser considerada "jovem", ou seja, situa-se na faixa que vai de 15 a 24 anos. E esse significativo contingente de 33 milhões de pessoas vem motivando organizações não-governamentais (ONGs) e representantes do poder público a planejar políticas de saúde, emprego, cultura, entre outras, que respeitem suas particularidades. "Décadas atrás, não existia a visão de juventude como um segmento diferenciado. As questões relacionadas a ela se resumiam ao movimento estudantil e às políticas educacionais", analisa a socióloga Maria Virgínia de Freitas, da ONG Ação Educativa.

Para se ter uma dimensão do espaço que esse assunto vem ocupando na agenda política do país, o governo federal deve lançar em breve o Plano Nacional da Juventude – um conjunto de metas e propostas que vai nortear as ações voltadas a essa parcela da população. Além disso, desde o fim de 2003, foi instalada na Câmara dos Deputados a Comissão Especial de Políticas Públicas para a Juventude (Cejuvent), que vem debatendo algumas diretrizes para dar corpo a esse plano. Mais recentemente, também se formou um grupo interministerial para contribuir para a discussão, coordenado por Luiz Dulci, titular da Secretaria Geral da Presidência da República. E, em abril deste ano, o Instituto Cidadania, a mesma entidade que concebeu o Fome Zero, divulgou um dos mais amplos perfis já traçados dos jovens brasileiros (ver texto abaixo).

Mesmo com toda essa movimentação, ainda estamos bem atrasados na comparação com outros países da América Latina quando o assunto é políticas públicas para a juventude. Prova disso é que, de acordo com o sociólogo uruguaio Julio Bango, apenas Brasil e Honduras não possuem um órgão em nível nacional para tratar dessa questão.

Há quem compare o atual momento com o final da década de 80, quando os debates em torno da proteção do menor culminaram com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. No entanto, de acordo com Maria Virgínia, "ainda faltam pesquisas que tragam mais conhecimento sobre o tema juventude". Por essa razão, é necessário sondar as expectativas dos diversos grupos que a compõem, de forma a garantir "sua participação na formulação de ações a eles destinadas", conclui a socióloga.

O que vem sendo feito

Afirmar que no Brasil não existem políticas públicas para a juventude seria um grande erro. Em julho do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou o programa Primeiro Emprego como uma tentativa de facilitar a entrada no mercado de trabalho aos cidadãos entre 16 e 24 anos – que respondem por aproximadamente 44% do total de pessoas sem ocupação no país. As empresas interessadas em contratar jovens recebem um incentivo financeiro oferecido pelo governo federal.

Recentemente, o ministro da Educação, Tarso Genro, lançou o Universidade para Todos. Para dar oportunidade a estudantes de baixa renda, o projeto prevê que 20% das vagas de instituições filantrópicas sejam reservadas para bolsas destinadas a esses alunos. No caso das particulares, essa quota cai pela metade, mediante a contrapartida de isenção de impostos. Outro exemplo é a criação do programa Segundo Tempo, com o objetivo de implantar núcleos esportivos em mais de 600 escolas de ensino fundamental e médio do país, além de capacitar professores e fornecer bolsas a jovens monitores.

Essas medidas de âmbito nacional caminham paralelamente a uma série de importantes projetos municipais, pois a discussão de políticas para os jovens começou a ganhar terreno em prefeituras espalhadas por todo o país. Diversas cidades, como Maringá (PR) e Belo Horizonte, investiram na criação de canais específicos para dialogar com esse segmento – antes mesmo de o governo federal cogitar dessa idéia. Em São Paulo, por exemplo, em 2001 foi criada a Coordenadoria da Juventude. Mas isso não se restringe a municípios de grande porte. Em Santa Catarina, boa parte das pequenas cidades conta com órgãos desse tipo.

"O desafio é perceber as particularidades desse público quando se vai desenvolver uma ação a ele destinada, ou seja, é preciso levar em conta o que a própria juventude deseja", afirma Maria Virgínia. "E, para isso, só existe um jeito: dialogar e ouvir", conclui.

E foi simplesmente conversando com a população que a política de esportes implantada na capital paulista ganhou novos rumos. "O skate não era tido como prioridade. Depois de alguns levantamentos, descobrimos que esse esporte é a segunda modalidade mais praticada por jovens do sexo masculino. Então, foram construídas 65 pistas", explica Michael Mohallem, que trabalha na coordenadoria.

No entanto, nem sempre uma boa solução pode ser considerada um modelo a ser seguido, num outro contexto. Não é necessário ser um administrador visionário para perceber que o skate, por exemplo, é um esporte urbano, geralmente praticado em grandes cidades. "Essa política não pode ser homogênea, uma vez que nesse segmento, mais do que em qualquer outro, as diversidades são acentuadas", afirma Mohallem. "É preciso pensar em ações universais, que atendam a todos, sem perder de vista as especificidades, como faixa etária e região geográfica", completa Helena Abramo, consultora especial do Instituto Cidadania.

Participação

"A criação da Cejuvent foi um marco, pois, através de grupos de trabalho, foram ouvidos especialistas e estudiosos em várias audiências públicas para conhecer a fundo os problemas que afetam os jovens", explica o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), presidente do órgão, cujo objetivo é também elaborar o Estatuto da Juventude, de forma a assegurar principalmente o direito à educação e ao trabalho. Em dezembro do ano passado, os integrantes da comissão produziram um extenso relatório, com uma série de recomendações para o Plano Nacional, com destaque para a criação do Instituto Brasileiro de Juventude (IBJ), vinculado à presidência da República. Essa seria a instituição responsável por acompanhar e coordenar as ações dos diversos ministérios que tenham os cidadãos entre 15 e 24 anos como alvo preferencial. Há anos o México possui um órgão como esse, que, entre outras atividades, tem por missão orientar estudos e pesquisas.

Outra importante diretriz – e bastante polêmica – é a criação do Conselho Nacional da Juventude, que serviria como instrumento dos jovens para opinar sobre a formulação de políticas públicas. Esse órgão, porém, revela um ponto crítico: apenas entidades estudantis, organizações partidárias e entidades que representassem, pelo menos, 10 mil pessoas estariam habilitadas a integrá-lo. Para Maria Virgínia, essa estrutura "não dá conta da pluralidade do segmento", na medida em que privilegia aqueles que já se encontram organizados, deixando de fora os demais.

Lopes rebate: "Considero democrática a estrutura adotada. A intenção é montar um conselho em que uma parte dos integrantes seja eleita nas suas próprias conferências e outra designada pelo poder público. É importante, no entanto, ressaltar que essa é uma proposta inicial e que estamos num processo de construção, sujeitos a erros e acertos".

Na opinião de Mohallem, é o conceito de participação que deve ser ampliado, e algumas estatísticas da prefeitura de São Paulo comprovam essa realidade. De acordo com o Mapa da Juventude, divulgado no ano passado, existem mais de 1,6 mil grupos na capital com as mais diferentes bandeiras – de movimentos ambientais a entidades religiosas. É um indício de que, atualmente, os jovens não são tão alienados assim, como já se convencionou dizer. "O problema é que existe uma concepção preestabelecida de como deve ser a participação política", afirma Helena Abramo. "O skatista se manifesta na medida em que reivindica um espaço público para praticar o esporte. Assim como o movimento gay, que luta pela diversidade sexual", analisa Mohallem.

Contato

"O debate nacional sobre políticas públicas ainda está muito elitizado. As discussões ficam restritas àqueles jovens que já se encontram organizados, enquanto os excluídos, que são maioria, nem sabem que isso está acontecendo", diz Junyor Santos, que fala com conhecimento de causa, já que há mais de cinco anos percorre a periferia da região oeste de São Paulo com o movimento Itinerarte, dedicando-se à organização de shows, feiras e eventos culturais para a população que não pode se dar ao luxo de pagar pelo próprio lazer. Seu grupo já se reuniu com representantes do governo estadual a fim de viabilizar a construção de uma casa de hip hop no Parque Raposo Tavares. Até a planta do prédio já foi feita.

Em São Paulo, um dos meios para encurtar a distância com o poder público é o Fórum Jovem, que este ano teve sua segunda edição. Apesar de constar do calendário oficial da Coordenadoria da Juventude, a organização também é assumida por cerca de 130 entidades, além da prefeitura. Debates, oficinas e grupos de trabalho reúnem os interessados em apresentar sugestões de políticas públicas.

No primeiro semestre de 2003, foram realizados 11 pré-fóruns nas diferentes regiões da cidade, como preparação do evento. Neste ano, aconteceram apenas discussões locais. E o Itinerarte participou da concepção do Fórum Jovem da Zona Oeste para justamente incluir a massa que se encontra à margem do debate. "A contribuição daqueles que estão organizados é multiplicar as informações para os excluídos", afirma Santos.

Mas há dois problemas fundamentais relacionados ao fórum. Em primeiro lugar, não existe a garantia de que as propostas apresentadas pelos jovens nas discussões sejam implementadas. Ou seja, qualquer recomendação depende da aprovação do Executivo e do Legislativo para sair do papel. Além disso, não se trata de uma ação com potencial de marketing político. Por esse motivo, uma das críticas mais comuns à ação da Coordenadoria da Juventude é justamente a prioridade dada à promoção de grandes eventos na capital paulista – os que as capas de jornais estampam e trazem visibilidade à prefeitura. Sem muitos recursos, o fórum não tem o suporte necessário para convocar uma gama expressiva de jovens, o que acaba limitando o debate a uma pequena parcela dessa população, como bem observa Santos. Contudo, não deixa de ser um valioso espaço para que diferentes grupos troquem idéias e se fortaleçam para cobrar medidas que efetivamente os atendam.

"Não adianta assumirmos o discurso de que a juventude é o futuro do país. É preciso visualizá-la como uma situação imediata, e não tratá-la como um momento de passagem, portanto, não prioritário", reflete Mohallem. Mas uma coisa é certa: as diversas esferas do governo precisam apostar mais no diálogo com a sociedade civil e aproveitar este momento fértil de discussões para ampliar a participação e tornar mais democrática a formulação do Plano Nacional da Juventude.


O que eles querem

Em parceria com o Instituto de Hospitalidade e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Instituto Cidadania é responsável por traçar um dos mais completos perfis dos brasileiros entre 15 e 24 anos. A pesquisa é uma das frentes do Projeto Juventude, que também vem promovendo uma série de debates e seminários sobre políticas para esse segmento em todo o país.

Ao todo, cerca de 3,5 mil pessoas foram ouvidas na maioria das cidades do país a fim de diagnosticar as principais questões que preocupam os jovens. Por incrível que pareça, é a primeira vez que as demandas dos moradores da zona rural e de pequenas localidades constam de um estudo desse tipo. E a conclusão não foi uma grande surpresa: educação e trabalho aparecem como questões de maior interesse. "No caso do emprego, isso não está ligado apenas à necessidade financeira. Muitos apontam como motivo a independência e o crescimento pessoal", afirma Helena Abramo, consultora especial do Projeto Juventude.

A idéia do Instituto Cidadania é reunir um acervo de dados e estudos com a finalidade de capacitar o poder público a desenvolver medidas para essa população. "Este é o objetivo do projeto: melhorar as perguntas feitas para os jovens e analisar os tipos de respostas dadas em termos de políticas específicas", explica Helena. "Nossa expectativa é que todo esse esforço seja assumido pelo governo e que os direitos desse segmento sejam mais bem atendidos do que vem acontecendo atualmente", conclui. Mais informações podem ser obtidas no site www.projetojuventude.org.br.

 

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