Postado em
Roda da fortuna
Mostra de máquinas específicas para agricultura familiar / Foto: Divulgação
ALBERTO MAWAKDIYE*
A empresária gaúcha Sônia Formigheri Loss não cabia em si de contentamento quando os organizadores da 11ª edição do Agrishow de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, deram finalmente por encerrada, no dia 1º de maio, a maratona de eventos e negócios que agitou durante quase uma semana a região que é considerada a "Califórnia brasileira", pela alta qualidade de vida e pelo sucesso que conseguiu com a produção e exportação de laranjas.
Sônia Loss tinha conseguido o que parecia impossível para uma empresa de porte médio, localizada na distante Passo Fundo (RS), cujo estande passava praticamente despercebido entre os quase 600 ali montados – alguns deles gigantescos e de um luxo extravagante. Ela havia fechado em nome de sua fábrica, a Bandeirante, uma produtora de máquinas para tratamento de sementes, um contrato de exportação com um grupo francês, para o qual venderá algumas centenas de equipamentos por ano.
"Os franceses simplesmente se apaixonaram pela nossa tecnologia", afirma Sônia. Segundo ela, o grupo europeu antes adquiria os mesmos equipamentos na China e em outros países da Ásia. "Eles disseram que a qualidade da nossa marca é muito melhor, e o preço mais competitivo."
Até então, a Bandeirante conseguira exportar apenas para os vizinhos da América do Sul e para alguns países da África e do Sudeste Asiático. O acordo com os franceses abriu as portas da União Européia para essa empresa que também fabrica secadoras e empilhadeiras e nasceu pelas mãos dos pais de Sônia como uma modesta oficina de tratores e máquinas agrícolas, que atendia somente os fazendeiros do pampa gaúcho.
A façanha de Sônia Loss no Agrishow de Ribeirão Preto está longe de ser excepcional. Contam-se às centenas as indústrias que têm fechado contratos de exportação durante feiras agrícolas no Brasil.
Mais importante do que o interesse estrangeiro pelos equipamentos nacionais – passaram pelo Agrishow mais de 2 mil empresários e produtores rurais do exterior, principalmente das Américas e da Europa – tem sido, no entanto, o apetite demonstrado pelos próprios fazendeiros brasileiros pela mecanização e pela tecnologia.
Segundo os organizadores do Agrishow Ribeirão – Sociedade Rural Brasileira (SRB), Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda) –, os mais de 150 mil visitantes da feira foram responsáveis por contatos de negócios equivalentes a R$ 1,8 bilhão, o mesmo patamar atingido em 2003, para aquisição de recentes lançamentos dos fabricantes.
Sortimento
Havia muito que escolher. O leque de artigos industriais mostrado aos visitantes não deixava de fora nenhuma etapa da produção agrícola e pecuária. Eles abrangiam desde a etapa da irrigação até a pulverização, da colheita à seleção de folhas e sementes, à seleção genética de plantas e animais. Estava em exposição ainda uma profusão de sistemas computadorizados, para todos os fins imagináveis, desde o controle de sementes ao estudo de estatísticas meteorológicas.
"A verdade é que feiras como o Agrishow tornaram-se uma verdadeira vitrine para a produção da indústria brasileira", afirma Luiz Carlos Delben Leite, presidente da Abimaq. "E também uma ótima oportunidade de comercialização para os fabricantes." Segundo Delben Leite, pelo menos 70% dos negócios entabulados durante a feira deverão ser fechados.
O interesse do campo por novas máquinas e implementos agrícolas já fez até com que o segmento se tornasse uma exceção dentro da área de bens de capital, paralisada pela crise econômica há mais de cinco anos. É um dos poucos, conta Delben Leite, que vem obtendo resultados positivos. No ano passado, apresentou um faturamento 17,6% maior do que o registrado em 2002.
É uma receita que está compensando com sobras os pesados investimentos em tecnologia que o segmento vem fazendo para atender à fome de novidades dos produtores rurais. Parte substancial dos R$ 4,2 bilhões investidos pela área de máquinas e bens de capital em 2003, em novos equipamentos de produção e desenvolvimento tecnológico, foi de responsabilidade das indústrias voltadas para o agronegócio.
Isso permitiu a fábricas como a DMB, de Sertãozinho (SP), lançar um cultivador-sulcador destinado a pequenas áreas agrícolas. E à Santal, de Ribeirão Preto, desenvolver uma colheitadeira de seis rodas com pneus de alta flutuação, a Santal Tandem. Já a quase centenária Machina Zaccaria, de Limeira (SP), colocou à disposição do mercado uma nova linha de equipamentos para beneficiamento de arroz. "Ela incorpora o que há de mais moderno em tecnologia", garante Kelli De Nadai, do departamento de marketing da empresa.
É não só esse investimento em tecnologia, mas a rapidez com que esta é incorporada, que explica o interesse dos franceses pelos equipamentos da gaúcha Sônia e de outros estrangeiros pelos implementos agrícolas brasileiros. O segmento vem se tornando um dos mais importantes exportadores industriais do país. Perto de 45% da produção do setor em 2003 foi vendida para o exterior.
É um índice inteiramente desproporcional ao tamanho do segmento, que não tem mais do que 350 empresas, enquanto todo o setor de máquinas e bens de capital tem mais de 8 mil companhias, algumas delas poderosas multinacionais.
Mas não foi só o setor de máquinas e implementos agrícolas que teve o que festejar depois do final do Agrishow. O de tratores – uma área da indústria automotiva – também saiu satisfeito de Ribeirão Preto. Todas as nove montadoras multinacionais implantadas no país conseguiram fechar bons negócios.
Apenas a Case CNH firmou contratos da ordem de R$ 250 milhões para vendas nos mercados interno e externo. Assim como as máquinas e os implementos agrícolas, os tratores fabricados no país são tidos, de maneira geral, como de ótima qualidade não só no Brasil como no exterior. Embora ainda não incorporem muita tecnologia, são resistentes e oferecem enorme flexibilidade operacional. É a vantagem de terem sido desenvolvidos para as difíceis fazendas brasileiras, de terrenos duros, ondulados e extensos. E os preços são competitivos.
As operadoras de aviões pulverizadores também estão lucrando nesse verdadeiro shopping center em que se transformou o agronegócio. As 260 companhias do setor contam com uma frota total de 1,1 mil aeronaves, que nas Américas é menor apenas do que a dos Estados Unidos, e movimentam hoje cerca de R$ 250 milhões por ano.
As empresas que efetuam a pulverização em terra tampouco têm do que se queixar. A Jacto, de Pompéia (SP), saiu repleta de pedidos do Agrishow. "Nossos produtos tentam estar sempre um passo adiante das necessidades do agricultor", afirma Marcelo Castro, um dos coordenadores da área de marketing da companhia.
É o que tentam fazer também os empresários da área de informática. As 80 empresas brasileiras de softwares para uso rural já oferecem cerca de 230 produtos e serviços para o setor. Sistemas de rastreamento de gado via satélite estão sendo tão disseminados que em 2007 todo o rebanho brasileiro – 160 milhões de cabeças – deverá estar registrado.
Dezenas de sites voltados para o agronegócio orientam o produtor no tocante a lançamentos e possibilidades comerciais. "O campo brasileiro está se informatizando de maneira extremamente rápida", destaca Paulo Villela, coordenador da agência de consultoria Agrosoft, de Juiz de Fora (MG).
O setor de fertilizantes também não quer ficar para trás. Os executivos da argentina Bunge, gigante na área de adubos e de alimentos, anunciaram mais ou menos simultaneamente à feira que pretendem investir US$ 1,3 bilhão no Brasil. Perto de 65% dos fertilizantes usados no país ainda são importados.
Visibilidade
As feiras agrícolas são a face mais visível da expansão que o agronegócio brasileiro vem experimentando desde a última década – a cadeia produtiva do setor já responde por 33% do PIB do país – e de como esse desenvolvimento está fundamentado não apenas nas fazendas, mas também nas cidades ou, mais exatamente, no bem-montado parque industrial brasileiro. E, para a alegria dos fabricantes, elas parecem estar se multiplicando.
Há, hoje, feiras de agronegócio nas várias regiões do país e em todas as estações do ano – fruto da grande diversificação da produção rural brasileira –, com uma afluência de público de fazer inveja aos demais segmentos da economia. Nenhum outro setor reúne-se tanto para conhecer novos produtos e fazer negócios.
Como comparação, há, por exemplo, apenas uma feira da indústria automobilística, realizada anualmente em São Paulo, no segundo semestre, e uma de utilidades domésticas, promovida também uma vez por ano na capital paulista. Os eventos comerciais de alguma importância nos segmentos de construção civil, equipamentos eletrônicos e de informática, da área metal-mecânica e de produtos têxteis não ultrapassam quatro ou cinco por ano, todos restritos às metrópoles do centro-sul.
Enquanto isso, somente o chamado Sistema Agrishow – cujo nome oficial é Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação, e que é sem dúvida a mais formidável das feiras rurais – já tem outras duas versões, além da de Ribeirão Preto, onde ela nasceu, em meados da década de 1990: o Agrishow Comigo, em Rio Verde (GO), e o Agrishow Rondonópolis (MT), ambos no coração da nova fronteira agrícola brasileira, o cerrado da região centro-oeste, com uma produção ancorada na soja e no algodão.
Para julho, está prevista a realização de um Agrishow na cidade de Luís Eduardo Magalhães, no interior da Bahia, na nova zona de expansão da agricultura nordestina. Os três Agrishows que já aconteceram neste ano movimentaram em apenas dois meses algo em torno de R$ 3 bilhões.
Há feiras tecnológicas importantes também em Cascavel, no Paraná – o Show Rural, que este ano reuniu 200 empresas –, e no Rio Grande do Sul, onde em Porto Alegre a Expointer apresentou em 2003 um volume de negócios de R$ 216 milhões, contra R$ 125 milhões em 2002.
Pipocam também pelo país eventos especializados, como a Fenarroz, também no Rio Grande do Sul, além daqueles dedicados à plantação de flores, pecuária de corte, leite e hortifrutigranjeiros. Neste ano, a Agrocana, realizada em junho, e a Fenasucro, programada para setembro, ambas em Sertãozinho, no nordeste do estado de São Paulo, um grande centro canavieiro, devem movimentar juntas mais de R$ 500 milhões na comercialização de maquinário e tecnologia para a indústria da cana-de-açúcar.
A modernização é responsável pela mudança até do substrato cultural desses eventos – para tristeza dos tradicionalistas. Eles têm hoje em comum, além dos equipamentos industriais postos em exibição, o fato de pouco lembrarem as antigas feiras de produtos da terra ou de peão de boiadeiro antes tão comuns no interior do Brasil.
Embora estas ainda sobrevivam (a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, no estado de São Paulo, hoje com tonalidades um tanto quanto texanas, é um bom exemplo), essas feiras mais tradicionais ocupam agora um lugar subalterno no calendário. A própria cidade de Sertãozinho organizou em maio a 2ª Festcana, uma festividade de raízes populares, como uma espécie de aperitivo folclórico para as outras duas feiras de negócios.
Giro
"A agricultura brasileira tornou-se realmente um grande negócio, talvez o mais afluente da economia do país", observa Luiz Antonio Pinazza, diretor do Instituto de Estudos de Agribusiness (Ieab), órgão de pesquisa e estatística ligado à Abag. "Para a indústria, já é a autêntica roda da fortuna, que gira as máquinas e os serviços. Hoje, nenhuma indústria que voltou sua produção para o campo está perdendo dinheiro, pelo contrário", acrescenta Pinazza, que é, juntamente com Ney Bittencourt Araújo e Ivan Wedekin, autor do livro Complexo Agroindustrial: O Agribusiness Brasileiro, lançado em 1989, a primeira obra publicada sobre o assunto no país.
De fato, o agronegócio brasileiro, que no ano passado respondeu por 42% das exportações, impressiona pelos números, que vão muito além da expressiva participação no PIB. Enquanto a economia recuou 0,2% em 2003, esse segmento apresentou um crescimento superior a 5% no mesmo período. O Brasil, que respondeu em 2003 pela produção de 110 milhões de toneladas de grãos, é também o maior exportador mundial de cana-de-açúcar, suco de laranja, café e carne de frango e bovina (para a qual soube se aproveitar da doença da vaca louca, disseminada em vários países do Primeiro Mundo), além de ser o segundo exportador de soja do planeta.
Mas o melhor de tudo é a produtividade, considerada exemplar: o Brasil produz todos esses grãos em uma área de apenas 42 milhões de hectares, e ainda tem disponíveis 140 milhões de hectares no cerrado e 170 milhões de hectares de áreas de pastagens, parte das quais pode ser convertida para a agricultura.
Obviamente, não é apenas da mecanização do campo o mérito por tamanho progresso e produtividade. Também vêm cumprindo papel estratégico as pesquisas de novas espécies e a adaptação de culturas aos diferentes terrenos, um trabalho admirável desenvolvido principalmente pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e também por universidades, como a Federal de Viçosa (MG).
O curioso é que o casamento entre agricultura e indústria no Brasil, que está dando tão certo, não foi fruto de amor à primeira vista. O campo brasileiro nunca foi dos mais mecanizados, tendo sempre se caracterizado pela produção extensiva e pelo latifúndio, de um lado, e por uma agricultura familiar quase de subsistência, de outro.
A própria história do país é contada através de seus ciclos agroextrativistas, como os da cana-de-açúcar, da borracha e do café, culturas de plantation amplamente amparadas na mão-de-obra, que era escrava até o final do século 19.
Esse quadro permaneceu inalterado – com a exceção de alguns bolsões de produtividade, como os da laranja e da cana-de-açúcar em São Paulo e da soja no Rio Grande do Sul e depois no centro-oeste – até praticamente a década de 1990.
Seria preciso a via-crúcis do processo de estabilização da economia, a partir do final dos governos militares (1985), para que os produtores rurais fossem empurrados no caminho da modernização.
Um pouco aos trancos e barrancos, os sucessivos governos civis, a partir do presidente José Sarney (1985-90), acabariam por domar a hiperinflação à custa da extinção da ciranda financeira, dos cortes de crédito, de valorizações da moeda e dos juros elevados, um processo que continua mais ou menos até hoje.
O novo cenário levou milhares de fazendeiros endividados à ruína – principalmente os de pequeno porte, concentrados no sul do país –, mas forçou os produtores com alguma reserva financeira a desviarem a rota.
"Os empresários rurais foram praticamente obrigados, assim como os de outros setores, a se tornar competitivos", lembra José Roberto Bernasconi, membro do Conselho de Orientação Técnica em Relações Industriais (Cotri) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Só conseguiriam isso com a mecanização. A vantagem deles é que tinham à disposição um parque industrial bastante desenvolvido, que na verdade só estava à espera de que algo assim acontecesse."
A idéia de mecanizar o campo não foi tirada de algum chapéu de palha pelos produtores rurais. Segundo observa Luiz Antonio Pinazza, do Ieab, o conceito de mecanização intensiva do campo por meio da incorporação das fazendas à cadeia produtiva industrial (ou vice-versa) foi desenvolvido ainda em 1957 por dois pesquisadores norte-americanos, Ray Goldberg e John Davis, considerados os criadores do termo "agribusiness".
Ambos foram os principais inspiradores da chamada "revolução verde" dos anos 1960 e 70 nos Estados Unidos e que, sem esse nome, se espalharia pelo mundo desenvolvido e chegaria ao Brasil 20 anos depois.
Como em outros países, a "revolução verde" brasileira recebeu também uma ajuda nada desprezível do Estado. Programas de financiamento tradicionalmente voltados para a administração de produção foram metamorfoseados em projetos mais abrangentes, que passaram a incluir a compra de equipamentos e insumos industriais e a comercialização.
Programas
No final da década de 1990, o Proleite começaria a financiar o processo de industrialização de milhares de fazendas de gado leiteiro, com o Moderinfra fazendo o mesmo na área de irrigação.
O projeto mais importante, porém, é sem dúvida o Moderfrota, formalmente estabelecido em 2000 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para facilitar a demanda dos empresários rurais pela renovação do maquinário agrícola. Com taxas de juros camaradas – de 9,75% ou 12,75% ao ano, dependendo do porte do produtor – e prazo de pagamento de cinco anos, com carência de um, o programa fez explodir a venda de equipamentos para o campo.
Entre 2000 e 2002, os anos de pico do programa – que representou um dispêndio anual médio de R$ 1,5 bilhão para os cofres públicos –, as vendas de tratores aumentaram 36%, e as de colheitadeiras, 55%. A produção total desse tipo de maquinário saltou de 28 mil unidades em 1999 para 52 mil em 2002.
"O Moderfrota permitiu a renovação de 30% a 40% da frota agrícola brasileira, estancando o sucateamento que já se observava no setor", afirma Delben Leite, da Abimaq. "Hoje, nossa frota tem uma idade equivalente à da francesa, por exemplo." A importância da modernização sobre a produtividade é fácil de verificar: as perdas na colheita por causa do obsoletismo de equipamentos alcançavam 8% no final da década de 1990. Hoje, ficam próximas de 0,8%.
Tão bons resultados vem alcançando o Moderfrota que despertou a cobiça de outros segmentos industriais. O próprio setor de máquinas e equipamentos costurou com o governo federal o programa Modermaq, idêntico em tudo ao Moderfrota, mas voltado para a indústria de bens de capital, e o de cargas deposita grandes esperanças no Modercarga. Ambos ainda não saíram do papel. E a indústria automotiva também quer um programa similar.
Não foram apenas as indústrias e as empresas de serviços diretamente envolvidas na produção rural as únicas beneficiadas pela mecanização do setor. São muitas também as outras companhias que têm lucrado indiretamente com esse boom. A siderurgia vem lançando com maior velocidade aços desenvolvidos especialmente para máquinas agrícolas, e a indústria química e a voltada para a pesquisa biológica estão se ancorando cada vez mais na demanda do campo por fertilizantes, pesticidas e produtos veterinários, para ficar em apenas três exemplos.
O estabelecimento de áreas agrícolas especializadas também fez multiplicar o número de pólos industriais no interior, consolidando um processo que foi iniciado nos anos 1980 devido principalmente à "fuga" de empresas das grandes metrópoles industriais, como São Paulo e o ABC paulista, por conta do elevado preço dos terrenos e da mão-de-obra. Alguns desses centros, que nasceram atrelados à agroindústria, se transformariam com o tempo em núcleos de alta tecnologia.
Na cidade de Sertãozinho, por exemplo, concentram-se hoje dezenas de companhias dos setores petroquímico, farmacêutico, de papel e celulose, todas implantadas em torno do pólo original sucroalcooleiro. Há mesmo ali empresas do sofisticado segmento de automação industrial e controle de processos, como a Smar – presente em 70 países e que fornece tecnologia para a marinha de guerra norte-americana – e a Fertron.
"Muitas dessas empresas devotavam-se originalmente à indústria do álcool, mas modificaram suas atividades depois do esgotamento do Proálcool", conta Marcelo Pellegrini, secretário da Indústria e Comércio da cidade, referindo-se ao malogrado programa federal de estímulo à produção do álcool de cana-de-açúcar como combustível automotivo.
Mais próximo da região central do estado de São Paulo, a cidade de São Carlos também concentra hoje diversas empresas de alta tecnologia surgidas a partir do impulso proporcionado pela cultura da laranja, além de duas universidades tecnológicas e duas unidades da Embrapa. O pólo já movimenta algo em torno de R$ 400 milhões anuais.
Há ainda centros agroindustriais importantes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e começa a ser desenvolvido em vários estados do nordeste um programa público-privado em torno da cultura e industrialização do caju, um fruto de grande aceitação internacional.
Expansão
Melhor ainda para a indústria brasileira é o fato de o agronegócio ter ainda muito espaço para crescer. É certo que a ampliação das áreas agricultáveis – principalmente no cerrado, no interior do nordeste e nas bordas da Amazônia – deve continuar ritmada pela mecanização. Não faltam recursos para essa expansão. Já praticamente auto-sustentável, a agropecuária nacional depende cada vez menos de financiamentos oficiais. Calcula-se que cerca de 70% dos créditos ao campo venham hoje de fontes particulares.
As fábricas tendem a acompanhar até fisicamente a expansão do campo, aprofundando o processo de interiorização da indústria brasileira. Tradicional fabricante de máquinas e sistemas de armazenagem de Porto Alegre, a Kepler Weber irá montar uma unidade em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. "Queremos ficar mais próximos dos produtores da região", explica Adriano Mallet, supervisor de marketing da companhia.
Note-se que nesse processo de expansão agroindustrial não está computada a infra-estrutura, que o Brasil, estranhamente, parece não considerar ainda parte ativa da cadeia produtiva do agronegócio, ao contrário dos países desenvolvidos. Nesse aspecto, a situação brasileira está longe de ser um exemplo de produtividade e racionalidade. Apenas 5% da safra é gerenciada em silos próprios. Mais de 60% da movimentação de cargas é feita por rodovias, menos de 20% por ferrovias – e somente 1% por hidrovia.
Na maioria das nações desenvolvidas, a ferrovia e a hidrovia (principalmente nos Estados Unidos) são os modais mais usados para o escoamento da produção agrícola. Ainda assim, as condições de boa parte das rodovias brasileiras são precárias: 60% das estradas pavimentadas estão em estado ruim ou péssimo. Os investimentos federais em portos também têm sido insignificantes, tendo somado apenas R$ 2 bilhões entre 1995 e 2002.
Calcula-se que seja preciso algo em torno de US$ 3,6 bilhões anuais para que a infra-estrutura não se transforme em empecilho ao desenvolvimento econômico do país. Mas as tentativas do governo para eliminar os gargalos têm sido tímidas. As autoridades da área simplesmente não conseguem entrar em acordo com a iniciativa privada quanto ao formato das imprescindíveis parcerias público-privadas, e não há recursos para tocar as obras necessárias sem capital particular.
De qualquer forma, pelo menos algo começa a ser feito no setor ferroviário. Lançado no ano passado, o Plano Nacional de Revitalização de Ferrovias tem como objetivo a modernização do sistema, a extensão de algumas linhas para centros produtores e a reformulação do modelo de concessões, que se mostrou ineficiente. Prevê ainda o reforço da frota de trens, o que já proporcionou um impacto positivo na depauperada indústria ferroviária brasileira.
"O plano é modesto, mas está ajudando a revigorar o setor", afirma Luís Cesário da Silveira, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer). Segundo ele, as fabricantes terão de entregar às operadoras – principalmente para a milionária mineradora e transportadora Companhia Vale do Rio Doce, que, sintomaticamente, começa a ocupar cada vez mais espaço no agronegócio – 14 mil vagões até 2006.
Se, por um lado, as perspectivas tanto para a indústria quanto para o campo são bastante animadoras sob a ótica do agronegócio, por outro, a mecanização da lavoura e o desaparecimento de pequenas propriedades rurais foram responsáveis pela eliminação de milhares de postos de trabalho, embora a agricultura ainda responda por 37% dos empregos no país. Programas governamentais apoiados na tecnologia e no cultivo de produtos diferenciados, como os orgânicos, por exemplo, podem reverter esse cenário, se forem ancorados também no uso intensivo de mão-de-obra. A Plataforma Tecnológica do Caju, no nordeste, pode servir de modelo nesse aspecto. A expectativa é de que do programa resultem 55 mil empregos no campo, além de outros 20 mil nas operações de processamento industrial.
* Colaborou Tânia Fernandes
![]() | |