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Uma obra aberta
Orlando Maver
CECÍLIA PRADA*
A Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) realizou em São Paulo, de 13 a 18 de junho, sua XI reunião mundial – evento da maior importância como centro de convergência das diretrizes do comércio exterior dos países em desenvolvimento, e também como comemoração dos seus 40 anos de existência. Fundada em 1964 como órgão subsidiário da Organização das Nações Unidas (ONU), reunia na época o Grupo dos 77, formado por países decididos a encontrar, na esteira do panorama geral da Guerra Fria que polarizava as relações leste-oeste, um espaço próprio, com ênfase numa política comercial mundial orientada pelos interesses e problemas surgidos na vetorização norte-sul.
Embora muito diferente seja hoje a geografia mundial – principalmente após o desmanche da União Soviética –, há persistência dos mesmos problemas, em escalas e interações modificadas, e a luta pela equalização de uma política econômica entre países em diferentes estágios de desenvolvimento prossegue, intensificada com o aprofundamento do processo de globalização. O Grupo dos 20, integrante do antigo Grupo dos 77, batalha pela eliminação dos subsídios e restrições impostos pelas nações ricas aos produtos provenientes de países pobres. O encontro de São Paulo, entre outras medidas de interesse, aprovou a revitalização do Sistema Global de Preferências Comerciais (SGPC), que fora criado em 1988, do qual é cedo ainda para saber se será apenas "uma sigla a mais no dicionário da diplomacia internacional", como diz o colunista Alberto Tamer, ou realmente um sistema mais eficaz para a consecução dos objetivos comerciais – a ênfase atual mudou, com priorização do relacionamento de países do eixo sul-sul.
É nesse sentido que se processa a política exterior brasileira (PEB) desenvolvida atualmente, com a aproximação de países do Oriente Médio e da África, e principalmente com a intensificação das relações comerciais com potências do Extremo Oriente. Na recente viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e comitiva à China, assistimos a um grandioso espetáculo de marketing político, coberto tão ansiosamente pela mídia que, celebrando acordos fenomenais firmados em um só dia (24 de maio), terminou por cantar vitória até mesmo por um "acordo nuclear", logo desmentido por nunca ter ultrapassado informais conversações de gabinete – uma verdadeira comédia de erros.
Em poucos dias, o debate sobre os "negócios da China", que se supunha carregado de grande significado político – já que por trás da intensificação comercial se situa o possível fortalecimento de uma posição no Conselho de Segurança da ONU para o Brasil –, cedeu lugar ao problema da soja contaminada com fungicida vendida aos chineses.
Temas em pauta
Seja como for, não há como diminuir a importância do fortalecimento de parcerias ousadas, que fujam aos parâmetros rotineiros de alianças tradicionais ou geograficamente delimitadas. Embora Jânio Quadros chegasse a enviar uma missão comercial chefiada pelo vice-presidente João Goulart à China em 1961, o reatamento de relações diplomáticas entre os dois países só se daria em 1974 por obra do "pragmatismo responsável" da administração Ernesto Geisel (a ruptura aconteceu em 1947, no governo Eurico Gaspar Dutra). Nestes 30 anos, no entanto, pouco partido tirou o Brasil dessa "aproximação" – mesmo porque até a década de 90 persistiriam o fechamento da economia chinesa e o declarado antagonismo com o bloco ocidental, do qual, queiramos ou não, fazemos parte.
Muitas vozes já se levantam, no entanto, contra o preço a ser pago pelo Brasil pela amizade chinesa, como bem estabelecido no comunicado assinado pelos presidentes Lula e Hu Jintao: segundo o editorial "A outra face da visita à China" de "O Estado de S. Paulo" de 26 de maio último, "a primeira [das inevitáveis concessões ao regime de Pequim] foi o Brasil aceitar que não só Taiwan, mas também o Tibete, ‘é parte inseparável do território chinês’ (...) a segunda consiste no integral endosso da rationale da ditadura chinesa na questão dos direitos humanos".
Numa esfera mais próxima e pertinente, continuam a avultar os problemas do eixo norte/sul, ou seja, os relativos a um Mercosul que corre o risco de se desintegrar e os de uma Alca que também pode não se concretizar – ou, pior ainda, formar-se mesmo sem o Brasil, segundo ameaça a diplomacia dos EUA, confiante nos acordos bilaterais que vem firmando com vários países latino-americanos.
Michel Alaby, presidente da Associação de Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados (Adebim), interrogado sobre a atual situação do Mercosul, diz que o principal fator negativo no seu desenvolvimento deveu-se à desestabilização econômica dos dois maiores parceiros, Brasil e Argentina, em 1999 e 2000. "De 1995 a 1998, tudo correu às maravilhas em termos de intercâmbio comercial. A zona de livre comércio estava adequadamente construída e alicerçada, sem problemas de protecionismos e restrições. Quanto à união aduaneira, pela fragilidade econômica do bloco já se poderia imaginar que haveria perfurações na tarifa externa comum – hoje, para praticamente 50% dos itens ainda não há uniformidade", afirma.
Segundo ele, não houve muito progresso, na última década, quanto à formação de um verdadeiro mercado comum no Cone Sul – como a harmonização das políticas macroeconômicas, a uniformização das normas técnicas, avanços na elaboração do código aduaneiro e de um projeto comum de defesa do consumidor. Em relação à Alca, o projetado mercado comum que uniria a América de norte a sul – com hegemonia norte-americana, é claro –, sintetiza Alaby: "As diferenças principais se resumem nisto: enquanto os integrantes do Mercosul querem discutir, por exemplo, o acesso ao mercado norte-americano, com abertura para o setor agropecuário, os EUA querem debater os temas da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em contrapartida, os EUA querem colocar em pauta outros assuntos, como compras governamentais, serviços e propriedade intelectual, que os países do Mercosul não aceitam negociar na Alca, mas sim na Rodada Doha da OMC".
Essa rodada de negociações, iniciada em novembro de 2001 na IV Conferência Ministerial da OMC, realizada em Doha (Catar), vem sendo desenvolvida em sucessivos encontros internacionais, e seu término está previsto para o final de 2004, havendo, porém, possibilidade de ser prorrogada. Os temas em pauta envolvem, além de patentes de medicamentos no âmbito do acordo Trips (sobre propriedade intelectual relacionada ao comércio), a discussão das barreiras restritivas, protecionistas, impostas no mercado das nações ricas sobre as importações dos países de produção agrícola. Na conferência de Doha, a diplomacia brasileira obteve um grande triunfo com a abertura de importantes negociações.
O chanceler brasileiro Celso Amorim salientou que, no quadro da XI Unctad, a reunião paralela do Grupo G-5 (integrado pelos cinco principais negociadores agrícolas do mundo) impulsionou a Rodada Doha. Em relação à Alca, Amorim, desde que assumiu o Ministério das Relações Exteriores (MRE), tem se mostrado muito sereno – confessando em várias entrevistas que o "ritmo das negociações internacionais deve ser muito mais de uma partida de xadrez do que de uma Copa do Mundo". Ou seja, contrabalançando a furiosa oposição de certos setores da esquerda, que vêem na Alca "uma grande ameaça à nossa soberania", com um compasso de espera bem dosado, mas que lhe permite afirmar agora, depois da XI Unctad, "que a Alca fica para depois, não por nosso desejo, mas porque está atrasada".
A seu ver, as prioridades brasileiras agora estão mais concentradas nas negociações que se realizam na OMC e com a União Européia (UE). Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", em 20 de junho último, o ministro definiu o momento atual como muito propício a negociações, porque a economia mundial está crescendo: "Chegamos a um estágio nas negociações com a UE em que, se não complicarmos o jogo agora, podemos concluir". Como se vê, o ministro enxadrista também sabe aproveitar uma boa finalização a gol.
Quanto ao embaixador Rubens Ricupero, que desde 1995 se mantém como secretário-geral da Unctad, e cujo "infatigável idealismo" tem recebido muitos elogios dos especialistas, o contentamento com os progressos realizados ao longo desses anos todos nas rodadas de negociações não ofusca sua lucidez habitual em relação aos problemas do Brasil. Ele adverte que "de nada adiantará o país negociar acordos comerciais e mais abertura na OMC se não tratar dos problemas domésticos de falta de investimento e de infra-estrutura", pois corremos o risco de "não ter o que vender".
A vez da África
A aproximação com os países africanos vem se verificando em dois planos – o da cooperação e estreitamento de laços com os integrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), com os quais temos uma afinidade histórica e social muito grande; e o do estabelecimento de parcerias importantes com a Namíbia e a África do Sul, nações de maior nível de desenvolvimento no continente. Em sua visita de 2003 a vários países africanos, o presidente Lula assinou diversos acordos de assistência e cooperação, que incluíam transferência tecnológica, auxílio para a construção de uma fábrica de medicamentos em Moçambique e cooperação na área educacional com São Tomé e Príncipe. Preparando a próxima viagem presidencial à África do Sul, que se realizará em 2005, o Itamaraty amplia o fortalecimento político do bloco independente que começou a consolidar com a visita à China, e que será complementado também com a viagem prevista à Índia.
Poucos diplomatas poderão falar sobre a aproximação com a África como o embaixador Alberto da Costa e Silva, hoje aposentado, mas que estruturou toda a sua carreira diplomática no relacionamento com aquele continente. Poeta e ensaísta, ele é considerado hoje nosso maior africanólogo (ver matéria nesta edição) e acaba de ser eleito Intelectual do Ano, contemplado com o Troféu Juca Pato, pela União Brasileira de Escritores (UBE). Seu interesse pela África, desenvolvido ainda na adolescência, teve ocasião de expandir-se em 1960, quando, servindo na embaixada em Lisboa, ele foi encarregado de acompanhar o que se passava nos países africanos em geral – não somente nos de língua portuguesa. Iniciou então viagens que o levaram à Nigéria, ao Senegal, a Gana, ao Togo, ao então Daomé, aos Camarões e a Angola. Diz: "Em 1972, acompanhando o ministro Mário Gibson Barbosa em sua viagem ao continente africano, tive uma das experiências mais emocionantes de minha vida quando assisti, num ambiente de emoção e festa, ao reencontro entre Brasil e África".
De 1979 a 1983, foi embaixador na Nigéria e cumulativamente na República do Benim. Diz Costa e Silva: "Aprendi muito nesses anos, pois pude confrontar o que sabia teoricamente com o que via nas casas e nas ruas. O que mais me fascinava era a riqueza do convívio familiar, as relações dos adultos com as crianças e de todos com os idosos, a independência das mulheres, o sentido estético da vida. Espantava-me com a força das várias culturas que, nesses dois países, coexistem lado a lado, se interpenetram".
Em sua opinião, nada vincula tanto países como a unidade lingüística. É isso o que garante um bom futuro à CPLP, idealizada em 1989 por iniciativa do governo brasileiro, na Reunião de Cúpula dos Chefes de Estado dos Países de Língua Oficial Portuguesa, realizada em São Luís do Maranhão. Se no Brasil e em Portugal o português é falado por todos, nos demais países tornou-se o idioma do mando e da obediência coloniais, transformando-se no principal instrumento de convívio entre diferenças e de coesão nacional. Temos um grande acervo de histórias comuns com as nações africanas de língua portuguesa e por esse motivo, diz Costa e Silva, "para que a CPLP se firme e fortaleça é necessário que as relações entre seus membros se dêem de tal forma que, em cada ocasião, o de maior peso ofereça mais e ceda mais ao mais frágil, sem dele exigir reciprocidade. O que vale tanto para o diálogo entre Brasil e Angola quanto entre Angola e São Tomé e Príncipe".
Dentro da continuidade da agenda diplomática relativa ao intercâmbio com os países africanos, houve sempre uma priorização dos interesses comuns, pelo menos desde a histórica visita do presidente Figueiredo à África, em 1983. O embaixador Pedro Motta Pinto Coelho, que chefia o Departamento de África do MRE e acompanhou o presidente Lula em seu périplo por aquele continente em 2003, chama a atenção, em entrevista à revista "Debatedouro", da Internet, para essa constante prioridade de nossa política exterior, nem sempre explícita, mas sempre existente: "Se voltarmos na história, nas décadas de 1960 e 70 o Brasil apoiou os movimentos de independência na África, inclusive durante o período militar brasileiro. Graças a essa postura temos bons relacionamentos, como na Namíbia, no Zimbábue e em Angola".
Dentre os 53 países que constituem o território africano, destaca-se a África do Sul pela sua economia e pelo seu nível de industrialização. É o maior produtor mundial de ouro e responde por mais de 20% das exportações do continente. No entanto, seu comércio externo esteve altamente prejudicado até 1990, em decorrência do embargo econômico determinado pela ONU em 1984 em reação à política do apartheid. A eleição de Nelson Mandela, em 1994, como um marco da igualdade racial, teve como conseqüência a abertura da economia ao mercado mundial. A democratização do país propiciou o surgimento de uma classe emergente, negra, que representa mais de 70% da população. A renda per capita está acima de US$ 3 mil por ano, uma das maiores do continente.
Tudo isso tem motivado um interesse novo em relação a produtos como cosméticos, confecções, calçados e materiais de construção – fator que torna aquele mercado extremamente atrativo para os empresários brasileiros.
Bastidores do Itamaraty
A "política exterior altiva", de que se orgulha o presidente Lula, não tem na realidade muito de inovador. Desde o final da 2ª Guerra Mundial e principalmente com a "revolução das expectativas nascentes" caracterizada na Conferência de Bandung (Indonésia), em abril de 1955, como própria dos países emergentes ou "não-alinhados", várias vezes atitudes de revolta e independência surgiram, em todo o mundo, com nomes diversos. No Brasil, a "política externa independente" dos presidentes Jânio Quadros e João Goulart assumiria uma veste nova, ou pelo menos um nome novo, no período da ditadura militar – o "pragmatismo responsável", nacionalista, de certos setores das forças armadas.
A verdade é que existiu na ação diplomática brasileira desenvolvida durante todo o século 20 uma continuidade que vem se mantendo até hoje, desde o grande momento fundador paradigmático que foi a ascensão do barão do Rio Branco, em 1902, ao cargo de ministro das Relações Exteriores – uma característica que faz da nossa diplomacia, segundo a feliz definição de Celso Lafer, "uma obra aberta, que, valendo-se do histórico dos acervos diplomáticos do Brasil, combina mudança e continuidade em função de distintas conjunturas internas e externas".
O ex-chanceler de Fernando Henrique Cardoso reclama da "compulsão com a qual o governo Lula e o PT se dedicam a estigmatizar a herança do governo FHC, que chamam de maldita". Exemplificando, lembra que o contencioso com os Estados Unidos sobre subsídios que prejudicam o comércio internacional do algodão, e que está sendo bem conduzido pela administração Lula na OMC, não foi iniciativa deste governo – o processo teve seu marco inaugural na vitória brasileira obtida em 1996 sobre os EUA, no caso da discriminação às exportações da Petrobras de gasolina reformulada.
O mesmo pode ser dito do estabelecimento de estratégicas parcerias com países como China e Índia e do estreitamento de relações com a África do Sul e a Rússia. Diz Lafer: "O imperativo de conseguir adequada relação entre a lógica do mercado internacional e as necessidades sociais internas de cada país foi um propósito permanente do governo FHC – daí a atuação diplomática que levou à Declaração de Doha sobre Trips e Saúde Pública". E faz questão de enfatizar que "FHC construiu o novo a partir do legado diplomático existente" e que cada governo usa sua própria competência e sabedoria na utilização do precioso acervo proporcionado pela sólida estrutura diplomática do Itamaraty.
Vetores da PEB
Apesar de situar-se entre os países denominados continentais (ou monster countries) por sua extensão territorial, população e também pela magnitude de seus problemas e desafios, o Brasil apresenta características completamente diferentes das demais nações dessa categoria. Sua própria localização, na América do Sul, o tem mantido mais ou menos afastado das grandes tensões e conflitos internacionais – mesmo sua participação nas duas guerras mundiais do século 20 foi limitada, e as conseqüências dos conflitos foram aqui sentidas muito indiretamente.
Após a independência, os esforços políticos e diplomáticos concentraram-se em uma "busca de identidade e de espaço nacional" correspondente, ainda segundo Lafer, "a um dos sentidos da história do Brasil e que foi o primeiro vetor da política externa brasileira" – prevalecente durante a monarquia e capaz de se estender até a época do barão do Rio Branco.
Ao assumir o cargo de ministro das Relações Exteriores no governo de Rodrigues Alves, Rio Branco vinha de um grande triunfo diplomático pessoal. Como advogado do Brasil e ministro plenipotenciário junto aos governos de Estados Unidos, Inglaterra e França, conseguira resolver complexas questões de fronteiras que vinham se arrastando desde o Tratado de Madri (1750), como a da ilha da Trindade e a das Guianas, e incorporar ao mapa nacional a extensa e valorizada área do território das Missões, objeto de disputa entre Brasil e Argentina.
Em 1903 firmaria o Tratado de Petrópolis, resolvendo de maneira pacífica e definitiva o problema da fronteira com a Bolívia e criando o território do Acre.
Mantido como chanceler durante os sucessivos mandatos presidenciais, até sua morte em 1912, Rio Branco teria ainda tempo de reestruturar a carreira diplomática de uma maneira que se conserva até hoje mais ou menos inalterada. E principalmente de criar uma "idéia de Brasil" que ultrapassaria nossas fronteiras e se manteria também intacta basicamente até os dias atuais. Ou seja, uma política externa que opunha uma atitude pacifista, equilibrada e não agressiva, empenhada em estabelecer relações de justiça e solidariedade com países considerados "pequenos e pobres" (mais tarde eufemisticamente designados como "subdesenvolvidos", "em desenvolvimento", "emergentes"), à "política de poder" exercida na época pelo presidente norte-americano Teddy Roosevelt e pelas nações hegemônicas européias. Pouco antes de morrer, dizia Rio Branco: "Já construí o mapa do Brasil. Agora meu programa é contribuir para a união e a igualdade entre os países sul-americanos. Uma das colunas dessa obra será o ABC [hegemonia do eixo Argentina-Brasil-Chile]".
Como vemos, transpostas as circunstâncias para nossos dias, permanecem inalterados alguns dos grandes fatores da política externa, pelo menos na América – de um lado o sonho do pan-americanismo, que seria explicitamente retomado por Juscelino Kubitschek em 1958 na Operação Pan-Americana, muito influenciada por seu amigo pessoal, o poeta e empresário Augusto Frederico Schmidt, e realizada com a participação de um grupo denominado "da diplomacia paralela". De outro lado, o sonho imperialista norte-americano, que Teddy Roosevelt expressava tosca e abertamente, caracterizado, durante todo o século passado, por tentativas mais ou menos explícitas de interferência política e militar nos países latino-americanos.
O comércio internacional no mundo "globalizado" forma hoje mais do que nunca – nesta era de comunicações quase instantâneas – uma intrincada teia onde negociações contínuas se processam. Para atender melhor as necessidades de um país de dimensões como o nosso e reunir empresários e diplomatas no seu esforço de preparação de conferências internacionais e de discussão de nossa pauta de exportações, o MRE resolveu criar pequenas "filiais" do Itamaraty (escritórios de representação) em vários pontos do território nacional. São atualmente oito, assim distribuídos: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Amazonas, Nordeste (sediado em Recife), Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O embaixador Jadiel Ferreira de Oliveira, chefe do Escritório de Representação em São Paulo (Eresp), tem um currículo invejável, pois ocupou postos, quer em embaixadas quer em consulados, nos mais variados locais do planeta. Da burguesa Suíça (Berna) e do Vaticano aos lugares mais agitados da América Central, como El Salvador. Serviu também na Venezuela, em Trinidad e Tobago, na Colômbia, na Hungria, na Romênia, na Síria e em Angola. Porém, à medida que progredia no serviço diplomático, por escolha própria concentrou-se no conhecimento de países mais exóticos do Oriente – passou 16 anos na Ásia, atuando na Coréia do Sul, no Japão, em Cingapura, no Vietnã, na Indonésia e no Iraque – onde abriu a embaixada do Brasil. Ninguém melhor, portanto, para enfatizar a importância da atual política externa. "É só morando em nações tão diferentes da nossa que podemos compreendê-las. Em geral, os diplomatas só vão a países ditos exóticos ou longínquos em missões breves, nas quais tudo o que vêem são hotéis e palácios oficiais. O conhecimento de um povo, de sua cultura, de suas idiossincrasias e suas verdadeiras necessidades só pode ser adquirido ao longo de anos. É preciso morar lá de olhos e coração bem abertos. E, sem essa compreensão, os esforços diplomáticos muitas vezes fracassam, ou não desenvolvem todas as potencialidades de um acordo", afirma ele.
Interrogado sobre alguns boatos que têm circulado na imprensa, a respeito de uma certa desvalorização da carreira diplomática pelo governo petista – com a possível ocupação de cargos por pessoas menos capacitadas (como vem acontecendo em alguns outros ministérios), o embaixador Jadiel nega veementemente essa possibilidade. Diz ele: "O Itamaraty tem uma estrutura muito sólida. Não é possível a ninguém entrar na carreira a não ser cursando o Instituto Rio Branco, que, como todo mundo sabe, tem um dos vestibulares mais difíceis do país. Até mesmo no posto de embaixador, que pela tradição da Casa pode ser ocupado por uma pessoa que não seja diplomata de carreira – e isso tem sido feito sempre –, no momento há poucos, uns dois somente, creio. Como é o caso do ex-presidente Itamar Franco, ou do político Antônio Paes de Andrade, atual embaixador em Portugal".
Em sua opinião, porém, deveria ser reinstituído o estágio probatório de dois anos, com notas, na Secretaria de Estado, com serviço sob duas chefias diferentes, pelo menos, e que antes era obrigatório para todos os que concluíam o curso do Instituto Rio Branco. "Seria possível assim melhorar o nível dos diplomatas hoje, que não tem sido satisfatório. Ao final do período, uma comissão decidiria quem fica ou não na carreira. É somente no dia-a-dia que se conhece um bom funcionário." Esse, no entanto, é um assunto da alçada interna do Itamaraty, não tem nada a ver com o governo.
O embaixador Jadiel salienta ainda a ação afirmativa estabelecida pelo MRE em relação ao problema racial, e a conseqüente política de cotas: "O Itamaraty instituiu um programa de 20 bolsas de estudos destinadas a candidatos negros aprovados em um concurso prévio de seleção, e que lhes fornece tempo e meios para estudar e se nivelar aos colegas vindos de meios mais abastados, ao prestarem o concurso para o Instituto Rio Branco".
* A jornalista Cecília Prada é ex-diplomata de carreira.
O Grupo dos 20 é formado pelos países mais voltados para as negociações agrícolas na OMC. O número de seus membros tem variado, para mais ou para menos. Atualmente é integrado por: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Costa Rica, Cuba, Egito, Filipinas, Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Tanzânia, Venezuela e Zimbábue.
A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) é formada por: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor Leste.
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