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Prêt-à-Porter 5

Marta Colabone

"O senhor [...] mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.
Verdade maior. É o que a vida me ensinou."

Guimarães Rosa

O que escrever sobre Prêt-à-Porter quando se sabe que cada um dos movimentos é fruto não só das orientações de Antunes Filho mas, fundamentalmente, do mito Antunes Filho? Território fértil, porém intransponível àqueles que não têm permissão, a morada do mito é para ser visitada por poucos: pelos iluminados dotados de boa escrita, por aqueles que bem exercitam a retórica, pelos portadores da pedra filosofal. Permanecer na morada e vivenciar cada minuto de um processo sem perspectiva de se chegar ao fim parece tarefa árdua a cada um dos atores; porém, também assim não é a vida, um sucessivo processo cujo fim desconhecemos?
Desconheço as profundezas do trabalho desenvolvido por Antunes Filho. Minha experiência não passa da condição de espectadora de fragmentos, de leitora de explicações objetivas para o essencialmente subjetivo: sua arte. Por isso, percorro o caminho da narrativa sobre a experiência de ser espectadora dos movimentos de Prêt-à-Porter 5.
Chego ao espaço destinado à apresentação, não sem antes percorrer as ruas centrais da cidade, observando sua diversidade maltratada, sua beleza escondida pela ocupação desordenada. Leio rapidamente o programa. A memória registra palavras esparsas: novo, vivo, estereótipo, técnica, arte, expressão, mente. Adentro à área de convivência do Sesc Consolação, procuro a cadeira mais distante do palco. Sou convidada a me aproximar. Protejo-me atrás da primeira fileira. A palavra estereótipo permanece viva e recordo-me de trechos de um ensaio escrito por Ecléa Bosi, no qual ela diz que "o processo de estereotipia se apodera da nossa vida mental", empobrecendo nossa percepção do mundo, porque esta passa a ser sempre mediada pelas opiniões e informações transmitidas pelos meios de comunicação. Volto ao programa. Como os atores se desvencilharão dos estereótipos quando da representação? "Esse caminho pede um alto grau de tomada de consciência da vida em si que começa na recusa do estabelecido, na suspensão da validade humana."
Primeiro movimento. O discurso contra os modelos, contra o estabelecido. A solidão. Segundo movimento. O discurso contido. A solidão. Terceiro movimento. A falta de sentimento. A solidão.
Apesar do espaço cênico estar protegido por uma camada muito fina do espaço da rua, as interferências sonoras só se fazem presentes nos intervalos. A cada movimento, a fala, a música, o silêncio, o gesto, tudo se sobrepõe ao ruído. Mesmo assim, a encenação não está alheia ao que acontece do lado de fora. Sabe-se que há poucos metros, um homem, uma mulher, alguém vive cena semelhante.
Permaneço para a conversa após o espetáculo. Não tenho perguntas. Não escuto as respostas. Necessito do silêncio. Busco a solidão, fio condutor da narrativa dos três movimentos. Chove. Passo pelo ritual da purificação. Recordo-me de um trecho escrito por W. Lippman: "Dizem-nos tudo sobre o mundo antes que o vejamos. Imaginamos a maioria das coisas antes de experimentá-las. E, a menos que a educação nos tenha tornado agudamente conscientes, as pré-concepções governam profundamente todo o processo de percepção."
Vejo um fragmento do mundo. Experimento as possibilidades da vida nas sessões de teatro. E assim, a experiência de ser espectadora cria em mim um duplo: o de permanecer uma espectadora, uma observadora; e torna-me, também, uma expectadora, qual seja, alguém em expectativa, em espera fundada, em espera possível. A experiência vivida resgata-me a esperança, devolve-me a possibilidade de imaginar o amanhã. Garante-me a mudança, a transformação.

Marta Colabone é técnica do Sesc São Paulo