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O Brasil na TV
O dramaturgo Lauro César Muniz fala sobre como começou a escrever novelas e da dificuldade de se viver de teatro no País da televisão. A seguir os principais trechos de seu depoimento:
Primeiros capítulos
"Eu sou um dos pioneiros da telenovela. Comecei em 1966, na TV Excelsior. Depois do golpe militar em 1964, nós que trabalhávamos em teatro ficamos um pouco amarrados a uma censura muito rigorosa, estupidamente rigorosa. Cada um foi procurar um caminho porque as nossas peças estavam sob uma pressão muito grande. A censura já era ruim antes do golpe, a partir dele a coisa complicou muito mais e a partir de dezembro de 1968, com o AI-5, ficou um absurdo. Com isso muitos profissionais procuraram outros caminhos, se apegando nas possibilidades existentes. Muitos foram para a publicidade, outros para o jornalismo. No meu caso eu procurei um contato com a televisão. Fui chamado para uma experiência em TV e, como estava em dificuldades, desempregado e sem nenhuma perspectiva, aceitei. Eu nem tinha aparelho de televisão, na verdade. Uma atitude arrogante minha. Havia na época uma certa aversão, a televisão era considerada uma forma de expressão menor e que não merecia atenção. Naquela época era muito diferente a forma de se fazer uma novela. Hoje, é a emissora quem decide qual o tema da trama, a emissora é quem produz a telenovela. Naquele momento, não. Eram as agências que escolhiam os temas, contratavam os autores, discutiam com eles e, de certa, acompanhavam a produção. Pois bem, a agência do patrocinador de um horário, da época, não confiou na possibilidade de um autor novo, ligado ao teatro, fazer uma telenovela. Me agradeceram e eu fiquei no limbo. Só que o meu nome ficou ali colocado. Mais tarde abriu-se um novo horário na TV Excelsior, não havia patrocinador ainda, e o Dionísio de Azevedo me convidou para fazer uma novela. Ele havia feito como ator O Santo Milagroso, um filme baseado em uma peça teatral de minha autoria, e acreditou que eu saberia contar uma história com começo, meio e fim. Eu fiz, então, minha primeira novela... e quebrei a cara. Chamava-se Ninguém Crê em Mim. A trama era uma coisa meio pretensiosa porque procurava contar, em termos atuais, o mito de Electra (a filha que busca vingar o assassinato do pai), uma trama baseada nas tragédias gregas. Mas os críticos de televisão da época acharam que tinha uma contribuição no meu trabalho, que eu trazia para a telenovela um diálogo mais coloquial, que fugia aos clichês e preocupado com a realidade social, dando algumas alfinetadas na ditadura. Eles me concederam o prêmio de melhor autor do ano e meu nome subiu de cotação na bolsa subjetiva de valores da máquina das telenovelas. Com isso o Benedito Ruy Barbosa me chamou e me propôs uma volta à Excelsior. Eu hesitei, mas decidi fazer. Adaptei para a televisão o romance O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Bronte, abrindo um horário novo também. A partir daí comprei um aparelho de televisão e nunca mais parei de fazer telenovela."
Curta temporada
"Sempre foi muito difícil viver do teatro, tanto para o ator como para o autor. Aconteceu uma coisa triste no teatro brasileiro, uma coisa que me preocupa profundamente: o teatro brasileiro foi reduzindo suas temporadas. Nas décadas de 1960, 1970 e parte da década de 1980, nós fazíamos oito espetáculos semanais. Fazíamos de terça a domingo, sendo que com duas sessões no sábado e duas no domingo. Isso era uma maravilha. Algumas companhias mantinham um repertório rico e coerente, havia uma subvenção estatal que propiciava grandes arrojos. Os atores e o autor quando participavam de uma peça de sucesso ganhavam muito melhor do que contratados pela televisão. Quando A Infidelidade ao Alcance de Todos, uma peça de minha autoria, fez sucesso, permanecemos três anos em cartaz de terça a domingo. Hoje, uma peça de sucesso com apenas três espetáculos semanais - sexta, sábado e domingo, eventualmente a quinta, em geral, tem prazo definido de apenas dois, três meses. São raras as peças que completam um ano. São raras as companhias estáveis. É pouco estimulante para um ator ou um autor viverem de um espetáculo. Se a peça estoura e está num teatro grande - como é o caso atualmente do Antônio Fagundes com Sete Minutos, no Cultura Artística, ou da Leilah Assunção com Intimidade Indecente -, vale a pena. Mesmo fazendo apenas três ou quatro espetáculos semanais, é possível ter um bom número de espectadores. Mas essa não é média. A média não é o sucesso que o Fagundes e a Leilah estão fazendo. O que acontece normalmente é que apenas 10% ou 20% dos espetáculos que estréiam acabam atingindo um grande público. Eu cheguei a dizer uma vez - para aborrecimento de todo um auditório cheio de gente de teatro - que eu tinha medo de que o teatro se transformasse num evento solene como a ópera, por exemplo. A temporada de ópera em São Paulo ou no Rio de Janeiro é um acontecimento social: duas ou três semanas por ano. Eu tenho medo que daqui a pouco a gente vá ao teatro de black-tie. Isso é terrível, não estimula ninguém a deixar de fazer televisão. Nenhum ator que tenha um bom salário na TV se arriscaria a largá-la para viver correndo esse risco, permanentemente. Isso sem contar com esse 'estimulo' da lei de incentivo cultural, por meio da qual o empresário pode investir num espetáculo abrindo mão de uma parte do seu imposto de renda - a chamada renúncia fiscal. Isso, de certa forma é um tipo de censura indireta, porque obriga os produtores a buscarem um repertório que agrade um empresário, que vai decidir o investimento. Será que as empresas são as entidades mais capacitadas para, indiretamente, selecionar os temas de nossas peças? O Estado apenas concede ao empresário que parte de seu imposto seja direcionado para a cultura. Isso é muito restritivo para um grupo que tenha ambições vanguardistas ou ambiciosas. Tanto que o pessoal do cinema se agitou para criar uma agência que possa fazer um investimento mais direto. Eu gostaria que o novo ministro da cultura - que canta tão bem - ficasse atento para que se fizesse um investimento mais direto e com critérios de qualidade nesse campo. E que divulgasse o bom teatro para as grandes massas. Eu tenho esperança que, com esse governo, esse vínculo entre o Estado e o teatro seja mais direto.