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Meu corpo e eu

Quatro pessoas com profissões e hábitos diferentes encontraram a atividade física que se adaptou ao seu estilo de vida. Em comum, a busca por um cotidiano mais saudável

Muito já se ouviu sobre quem "nasceu para fazer tal coisa". Nas artes, isso recebe, às vezes, o nome de talento; no esporte, aptidão física; na profissão, vocação. No entanto, a sociedade vem lidando com um outro aspecto da vida que, de maneira crescente, tem encontrado nas particularidades da personalidade de cada indivíduo o gancho para fisgar um número cada vez maior de pessoas: a atividade física. Se a máxima "você é o que você come" tornou-se conhecida entre muitos, a expressão "você é a atividade que você pratica" tende a ganhar mais espaço. A idéia não é dividir as pessoas em categorias, tampouco excluir ninguém. Muito ao contrário, é dessa maneira que a atividade física pode começar a fazer parte da vida de qualquer pessoa, independentemente do sexo, idade, classe social ou estilo de vida. "Eu trabalho há 30 anos com ginástica e tenho observado que realmente há diferenças entre as pessoas no tocante às suas escolhas em atividade física", começa explicando José Alberto Aguilar Cortez, professor do Departamento de Esporte da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), da USP. "Há aqueles que têm maior facilidade em aderir a programas que obedeçam a uma determinada rotina e controle, por exemplo. Por outro lado, você percebe que aquelas pessoas que praticam algum tipo de esporte, mesmo não profissionalmente, são pessoas que gostam do desafio da competição. E tem também o outro perfil de pessoa que nunca foi afinada com um esporte convencional, mas que para fugir do sedentarismo procura, por um traço de personalidade, os chamados esportes de aventura."
José Roberto Ramos, gerente-adjunto da Gerência de Desenvolvimento Físico e Esportivo (GDFE) do Sesc São Paulo, ressalta que, em meio a tantas opções, o fundamental é que as pessoas vejam na atividade física, a possibilidade de melhorar aspectos do dia-a-dia, desde que esta prática lhes traga prazer. "A área de desenvolvimento físico esportivo no Sesc possui um conceito próprio", explica. "Esse conceito tem por base a inclusão e desenvolvimento social, o desenvolvimento de capacidades físicas e habilidades motoras, o estímulo ao auto-conhecimento corporal, o predomínio da ludicidade em oposição aos índices de resultados, o estímulo à participação informal e criativa e a transferência de conhecimentos adquiridos para o cotidiano." Valores que o Sesc enxerga como incentivadores para a inclusão da atividades físicas na agenda diária das pessoas. "A melhoria da qualidade de vida e de componentes de sociabilização são benefícios que as pessoas percebem", analisa.

Uma vida escalada
Esses sempre foram os valores que o instrutor de escalada Augusto Portugal, de 27 anos, procurou no esporte. Porém, mesmo tendo a prática do vôlei no seu cotidiano, foi uma parede de escalada encontrada em algum lugar da Unicamp, onde cursou Biologia, que o despertou para a possibilidade de unir prazer e atividade física, fazendo disso seu trabalho. Embora boa parte de seu dia seja dedicada a acompanhar alunos em suas tentativas in door (paredes artificiais), Augusto confessa que o seu barato mesmo é escalar pedras e rochas, estando sempre em contato com a natureza. "Essa é a característica de pessoas que, como eu, gostam de ir a lugares legais e conhecer paisagens novas." E são nesses momentos que Augusto se realiza ainda mais. "Se eu pudesse escalaria em rocha todos os dias, o problema é que não dá." Típico em sua personalidade, Augusto revela que morar em Campinas é o máximo de cidade grande que ele suporta - "só moraria em São Paulo em último caso", comenta - e o seu grande orgulho é ter conseguido fazer de sua paixão pela natureza o seu trabalho. "Eu faço isso porque gosto de estar nesses locais. É bem diferente de estar no escritório de uma empresa, por exemplo." Infelizmente, no entanto, de uma coisa característica da grande cidade Augusto não conseguiu fugir: a correria. As mais de 12 horas de trabalho diário o deixam com pouco tempo para ficar com a esposa Mayra, ou mesmo para dormir e se alimentar direito. Mas ele não reclama, e ainda acrescenta: "Dedico todo o meu tempo livre à escalada." Pobre Mayra...

Harmonia
A natureza também atrai a desenhista industrial Sonia Grasso, de 39 anos. Mas nada de se embrenhar nas florestas ou ver a paisagem de cima da Pedra do Baú, em Campos de Jordão, no Estado de São Paulo. Uma praça na Avenida Alfonso Bovero, Zona Oeste de São Paulo, já é o suficiente para que ela promova a tão estimada comunhão entre si própria, as árvores e as pessoas, e o tai chi chuan foi o meio escolhido. Durante toda a semana, com exceção das quartas, Sonia é vista com mais alguns colegas de manhã bem cedo absorta nos movimentos do tai chi e conta que, hoje, vê toda a vida pela ótica da prática. O equilíbrio das emoções e a personalidade calma casaram perfeitamente com a harmonia e leveza exigidos e transmitidos pela arte milenar. "Você aprende que pode ser leve, mas firme. E você sente a diferença de quando há o peso e quando não há, quando está chovendo você aprecia a chuva, no outro dia aprecia o Sol. Se um dia você está triste, pensa: 'tudo bem, amanhã eu estarei melhor'." Os colegas concordam. Maria Rosa Xavier de Sousa, de 54 anos, conta que era o "estresse em pessoa" no seu trabalho de auxiliar de enfermagem, já hoje "desliza pelos corredores" do hospital onde trabalha. "As pessoas nem percebem a minha presença às vezes, tamanha a leveza." A cabeleireira Maria Komatsu, de 53 anos, foi atraída ao grupo pelo mesmo motivo. "Eu os via fazendo e achava que eles estavam quase voando, daí pensei 'vou fazer também'." Exemplos de que a combinação personalidade e atividade física pode funcionar no caminho inverso: uma prática pode mudar o jeito de ser.

Identidade cultural
A busca por uma "identidade brasileira" levou a gerente de uma confecção Tais Pretti Di Giorgi, de 27 anos, a um grupo de capoeira no qual ela está há dois anos e do qual não pretende sair. De volta de uma viagem de um ano - Israel, Londres e Índia -, Tais percebeu lá fora o quanto o Brasil era apreciado e o quanto nossa cultura fascinava. "As pessoas me faziam três perguntas: se eu sambava, se gostava de carnaval e se jogava capoeira", começa a contar. "Por isso quando eu voltei senti uma vontade de me enraizar." Bastou um amigo comentar que estava num grupo de capoeira para que sua personalidade, então ávida por identificação, a levasse até uma roda. "Eu topei e fui assistir a uma aula. O meu mestre, o Pingüim, não estava, ele tinha ido a Salvador fazer uns cursos e trazer idéias novas para a gente, como ele sempre faz, inclusive. Aí eu fui, vi uma aula, e todo o mundo me chamando para a roda. Eu não quis, estava chegando e até então não tinha nem visto direito uma roda de capoeira. Fiquei na minha. Na segunda aula, eu não resisti, já comecei a praticar." Foi assim que Tais encontrou no grupo Guerreiros da Senzala, que ocupa muito apropriadamente um espaço dentro do Núcleo de Consciência Negra, da USP, as respostas para as questões que havia trazido consigo do exterior. "Quando o mestre voltou, eu o conheci e adorei", volta a contar. "Além dos exercícios, o mestre ensina muito sobre as origens da capoeira, que ela surgiu dentro das senzalas, qual o significado de um berimbau e da dança de maculelê que a gente faz também. Para mim, isso diferencia o trabalho desse grupo de uma capoeira de academia, por exemplo."

Espelho, espelho meu...
Por outro lado, o cotidiano de uma academia de ginástica não parece incomodar o coordenador de marketing Edison Vasques, de 40 anos. Pelo contrário, era exatamente esse ambiente que Edinho, como é conhecido pelos amigos, buscava para continuar o condicionamento físico que iniciara aos 13 anos jogando futebol. "Quando eu percebi que não iria longe com o futebol, por causa da minha pouca altura que não combinava com a posição de goleiro, fiquei meio perdido", conta. "Mas, paralelamente a isso, eu já tinha uns 20 anos, comecei a me interessar pelo mundo da moda." A mudança de profissão foi radical: de jogador de futebol a vitrinista de uma grande loja em São Paulo, na época. O estilo de vida de Edison passou a ser outro e a atividade física também mudou. "Eu fui procurar a musculação. Era uma coisa que estava surgindo no País na época, por volta de 1983, e fazia parte do meu meio. Foi quando eu comecei a malhar que passei a 'construir' meu corpo. Eu posso dizer que escolhi a musculação pelo próprio estilo de vida que eu estava escolhendo naquele momento." Vinte anos depois, Edison é coordenador de marketing de uma badalada marca de roupas. E para acompanhar o ritmo que o meio exige, dedica uma hora e meia do seu dia, quatro vezes por semana, aos pesos e aparelhos. É dessa rotina de exercícios que ele retira a segurança para tirar a camisa no calor de uma pista de dança ou mesmo para sentir-se bem numa festa. "A intensidade dos meus exercícios depende da fase em que eu estou. Se eu tenho de ir a uma festa de aniversário de um DJ famoso, em Nova York, por exemplo, eu vou me esforçar ao máximo para estar bem para aquela ocasião."