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Lições de Moncloa

Especialista espanhol afirma que diálogo exige flexibilidade e paciência

JORGE LEÃO TEIXEIRA

Jaime Montalvo Correa, presidente do Conselho Econômico e Social da Espanha (Cese), esteve no Brasil no começo de dezembro, ocasião em que se reuniu em Brasília com o então coordenador da transição, Antônio Palocci Filho, e com Clara Ant, coordenadora do Conselho Econômico e Social que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendia implantar. Depois dessa reunião, ele realizou uma conferência na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, na qual discorreu sobre a busca da Espanha por um pacto social que garantisse a governabilidade do país após a queda do regime franquista.

O Cese, como explicou seu presidente, é fruto do Pacto de Moncloa, e embora estivesse previsto na Constituição espanhola desde 1978 só foi oficializado em 1991, após muita discussão sobre sua estrutura e atribuições. Por isso mesmo, Montalvo Correa recomendou que a criação de um órgão semelhante no Brasil evitasse precipitações, comparando experiências de outros países, definindo corretamente sua esfera de ação e garantindo a representatividade da sociedade entre seus integrantes.

Montalvo Correa, com larga experiência internacional em direito do trabalho, negociações coletivas e mediação (participou, inclusive, de tentativas de promover o entendimento entre o governo colombiano e a guerrilha), frisou que o diálogo social exige um balizamento institucional mais flexível, mais informal, razão pela qual o governo não deve participar de um órgão dessa natureza. Do contrário, poderia comprometer sua própria ação, pois deve permanecer livre para acatar ou não as decisões de um conselho como o Cese. Em sua opinião, o consenso, indispensável para o êxito de qualquer pacto social, fica mais difícil de ser obtido com a presença do governo nos debates.

Ele também acha que o passado sindicalista de Lula é uma vantagem, pois facilita um diálogo mais aberto, moderado e propenso à conciliação. Montalvo Correa desaconselhou a criação pelo governo argentino de um conselho econômico e social, por entender que o projeto estava mal estruturado, mas acredita que o Brasil terá melhores condições para implantar um modelo satisfatório, por possuir instituições mais fortes e uma experiência maior de diálogo e negociação entre os setores produtivo e sindical.

O Cese é composto por 70 membros – trabalhadores, empresários, representantes de setores específicos –, além de um presidente. As bancadas sindical e patronal têm 20 cadeiras cada uma. Cooperativas e consumidores contam com quatro integrantes para cada segmento, e agricultura e pesca com três para cada atividade. Técnicos e especialistas completam o quadro da instituição, e sua presença é importante para a busca de consenso.

As despesas com o conselho giram em torno de US$ 11 milhões por ano e ficam a cargo do governo espanhol. Além de contribuir para soluções sociais de consenso, o órgão produz informes para a administração e o Parlamento sobre grandes temas nacionais, como problemas relativos a migrações, política habitacional e economia informal, além de emitir pareceres que podem ou não ser acatados. O prestígio da instituição se reflete no percentual de aprovação desses documentos, em média de 75%.

A França também possui um conselho nos moldes do espanhol, mas sem a flexibilidade e a ressonância conseguidas pelo Cese. Trata-se de um organismo que prima pelo aspecto solene, tanto nas instalações como em sua constituição, que soma 280 integrantes, o que dificulta seu caráter operacional. Ao criticar o excesso de membros do conselho francês, Montalvo Correa voltou a insistir na importância da "representatividade comprovada" em órgãos dessa natureza, em função de situações e problemas específicos de cada país. No caso brasileiro, por exemplo, admitiu que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) seria um caso de representatividade comprovada.

O presidente do Cese citou na palestra da FGV a influência da instituição que preside no crescimento econômico alcançado pela Espanha nos últimos anos, ao lembrar que a taxa de 3% ao ano ultrapassava o dobro da relativa à União Européia. "Tanto o desenvolvimento da economia como a redução do índice de desemprego, de 22% para 11%, devem-se, em parte, ao trabalho do Cese", afirmou.

Outro exemplo mencionado foi o do caráter inusitado das negociações entre patrões e empregados ao final do ano 2001, em meio à crise internacional, que também afetou a Espanha. Os trabalhadores aceitaram um aumento menor de salário, com base no índice oficial de preços do país, o qual costuma subestimar a taxa de inflação, decisão para cujo êxito colaborou a ação do Cese. Embora não negocie acordos, sua atividade permanente em favor do diálogo e do consenso, e suas análises sobre a conjuntura nacional são convites à reflexão e à busca de soluções adequadas diante de realidades que não podem ser ignoradas.

Essa "cultura do diálogo", estimulada e difundida pacientemente na Espanha, é o caminho recomendado por Montalvo Correa para o Brasil: "Só assim será possível superar a situação econômica negativa que o país enfrenta".

Teoria pode contrariar prática

A implantação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social no Brasil provocou debates e reações antes mesmo de toda a sua composição ser conhecida. O alvo predileto de indignação foi o nome do ex-ministro Antônio Delfim Netto, que mexeu com os brios dos radicais petistas. Críticas também partiram da área empresarial, em cujo seio vozes estranharam que se fosse debater temas importantes com "setores pouco ouvidos da sociedade", deixando transparecer pessimismo quanto ao destino do conselho, que estaria com seus dias contados e ameaçado pelo pecado original do "assembleísmo".

Titular da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Tarso Genro, às voltas com o explosivo esboço da reforma da Previdência, pareceu não se preocupar com o comportamento dos radicais petistas. Falando à jornalista Dora Kramer, do "Jornal do Brasil", disse que considera salutar as organizações se manifestarem publicamente sobre a reforma da Previdência, porque isso facilitará o trabalho de "pactuar as demandas". Quanto aos descontentes de seu partido, o ex-prefeito de Porto Alegre foi taxativo: "Esse pessoal não tem a força interna de antigamente, e a discussão está muito mais avançada dentro do partido do que se imagina. E quem não compreender a necessidade da reforma ficará isolado e perderá espaço na sociedade".

No caso das acusações de "assembleísmo", coube ao presidente do Instituto Ethos (ONG que representa várias empresas e entidades voltadas para ações sociais), Oded Grajew, simpatizante do Partido dos Trabalhadores, rebatê-las: "Quem faz tais críticas ainda está acostumado à atitude autoritária dos últimos anos, seja na ditadura, seja no governo Fernando Henrique, cuja maior herança negativa foi a falta de diálogo, pois nem sempre teve ouvidos para todos".

Grajew confia que o novo conselho surja como um catalisador de idéias e uma fonte de projetos que podem revolucionar o diálogo da sociedade civil com o governo, gerando soluções criativas e inovadoras. "Não será fácil, mas sei que não se trata de apenas um sonho."

Muitos deputados também ainda não estão convencidos, tanto que já ensaiaram protestos contra a possível interferência do conselho na agenda parlamentar, que passaria a receber "pratos feitos" para digerir. "Não se trata disso", rebate Tarso Genro, "muito menos de uma desconsideração à soberania do Parlamento. Imaginar que enviar algo que foi debatido pela sociedade seja interferência indevida seria acreditar que o Congresso, ao buscar formar seus juízos através de audiências públicas, esteja jogando a sociedade contra o governo. Nosso objetivo é a pluralidade, o diálogo e a construção de hegemonias, mas não o confronto social ou institucional."

Mais agressivas foram as entidades de direitos humanos, que em meados de janeiro mostraram-se descontentes com as indicações já feitas para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Durante um protesto, realizado por parte das 3,6 mil ONGs do Movimento Nacional de Direitos Humanos, houve repúdio a esses nomes, sob a alegação de que não representavam a sociedade civil, "mas apenas setores da elite do Rio de Janeiro e de São Paulo". Um dos líderes da mobilização resumiu o desprazer das entidades em poucas palavras: "São homens brancos e ricos".

As ONGs se declaravam decepcionadas pela falta de mulheres, negros e militantes da causa dos direitos humanos na lista dos escolhidos. E criticavam especialmente Delfim Netto, transformado em bode expiatório, por obra e graça daqueles que pretendiam ser chamados, não foram escolhidos e não se conformavam em ser barrados no conselho.

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