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Esperança frustrada
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Encontro ambientalista Rio+10 sente falta do entusiasmo de 92
IMMACULADA LOPEZJá se passaram dez anos da Eco 92 como ficou conhecida a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento , realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Considerado um marco nas discussões mundiais sobre o meio ambiente, o encontro impulsionou ativistas, profissionais e pesquisadores do mundo inteiro, na esperança de dias melhores para a humanidade e o planeta. Uma década depois, porém, o entusiasmo arrefeceu. Não é com a mesma mobilização e expectativa que os líderes dos governos e da sociedade civil voltam a se reunir na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, chamada de Rio+10, que acontece em Johannesburgo, na África do Sul, de 26 de agosto a 4 de setembro.
A diferença começa no próprio contexto mundial. "Em 1992, com o final da guerra fria, o mundo parecia acreditar no aumento da democracia e na redução da pobreza", lembra Thais Corral, coordenadora da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh), que teve importante atuação na mobilização das mulheres durante a conferência. "Dez anos depois", ela compara, "os países vivem um momento de intensa perplexidade, com retrocessos econômicos e políticos."
A mudança de ânimo é confirmada pelo ambientalista Rubens Born, coordenador executivo da organização não-governamental Vitae Civilis, sediada em São Lourenço da Serra (SP), e também representante da sociedade civil na Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Brasileira (CPDS), ligada à Casa Civil da presidência da República. "Na Rio 92, o discurso entre os países até um pouco idealista pregava a cooperação como caminho para alcançar a sustentabilidade. Hoje, a ordem é ser o mais competitivo possível para se conectar ao mercado global." Salta aos olhos a pouca disposição de países-chaves para honrar os compromissos ambientais assumidos, a exemplo da recente retirada dos Estados Unidos das negociações do Protocolo de Kyoto, sobre a redução da emissão de gases poluentes.
Por outro lado, a Rio+10 coroa um processo de crise das próprias conferências da Organização das Nações Unidas (ONU). Nas últimas décadas, elas têm conseguido mobilizar autoridades e traçar bons diagnósticos sobre diferentes problemas globais. Mas o impacto real na vida das pessoas tem sido insuficiente. "A grande dificuldade em implementar os acordos assinados tem gerado um clima de frustração, colocando em xeque o próprio formato das conferências", diz Fábio Feldman, nomeado assessor especial da presidência da República para a Rio+10.
Compromisso x prática
Os 178 países participantes da Rio+10 chegaram a um consenso: em lugar de desenvolvimento econômico e tecnológico a qualquer custo, a humanidade deve buscar caminhos que conciliem eficiência econômica, justiça social e equilíbrio ambiental. É geral o reconhecimento de que os recursos naturais são esgotáveis e os abismos sociais, inaceitáveis. Ou seja, não faz sentido um progresso que não garanta direitos básicos e qualidade de vida para todos e não somente para alguns. Em outras palavras, é necessário superar a oposição entre "progresso" e "preservação".
O princípio do desenvolvimento sustentável orientou os principais compromissos assinados pelos governos na Eco 92, mas garantem os especialistas , se o conceito de sustentabilidade se firmou, o mesmo não pode ser dito sobre o que se viu na prática. Nos últimos dez anos, segundo Rubens Born, o Brasil apresentou alguns "ganhos institucionais", como por exemplo a criação de comissões em diferentes ministérios para cuidar dos acordos assumidos. Mas ele adverte: "Todos esses avanços são insuficientes quando analisamos a realidade das políticas nacionais. Em nome da estabilização monetária, em vez de desenvolvimento sustentável, o que se viu foi o aumento do fosso social e da degradação ambiental no país".
Na opinião do ambientalista, os compromissos assinados pelo Brasil nunca serão cumpridos se os diferentes ministros, secretários, deputados e senadores não despertarem para o tema. "Nosso grande problema é que os documentos da Rio 92 ainda são vistos como acordos meramente ambientais, quando na verdade dizem respeito à mudança do estilo de desenvolvimento. Ou alteramos esse padrão ou vamos cada vez mais para a beira do precipício."
"O Programa Avança Brasil, do governo federal", admite Fábio Feldman, "incorporou muito pouco os compromissos da Agenda 21." Um dos principais resultados da Eco 92, esse documento constitui uma plataforma de ações que deveriam ter sido concretizadas pelos diferentes países até o ano 2000 para que o planeta entrasse no século 21 trilhando um caminho de desenvolvimento sustentável.
Sem força de lei, mas com importante peso político, a Agenda 21 reúne diversas recomendações de como acelerar, de forma gradual e negociada, a substituição dos atuais padrões de uso de recursos naturais, produção de bens e consumo. São, no total, 40 capítulos, divididos em quatro seções principais: Dimensões Sociais e Econômicas; Conservação e Manejo dos Recursos para Desenvolvimento; Fortalecimento dos Papéis dos Principais Grupos da Sociedade; e Meios de Implementação.
Em Johannesburgo, não voltarão a ser debatidos os conteúdos dos compromissos já assumidos. Agora, a meta é discutir quanto se avançou, por que não se chegou mais longe e como seguir adiante. O foco recairá, portanto, sobre os meios de implementação. Segundo Maria do Carmo de Lima Bezerra, secretária executiva da CPDS, é hora de responder a perguntas do tipo: de onde virá o dinheiro para realizar as ações necessárias? Serão criados fundos internacionais para o desenvolvimento? Quem vai transferir tecnologia para quem? Como garantir o acesso aos mercados? Como fortalecer as instâncias internacionais para mediar conflitos e pressionar os países?
Em busca de caminhos, os países africanos se mobilizaram e elaboraram o documento "Nova Parceria para o Desenvolvimento da África", a ser apresentado e assinado durante a conferência. Essa iniciativa coloca o tema da pobreza no centro das discussões.
"O foco social é imprescindível", diz Thais Corral, da Redeh. Na sua opinião, é chegado o momento de assegurar uma agenda social em prol do desenvolvimento sustentável. Esse enfoque tem sido criticado por parte dos ambientalistas, como Fábio Feldman: "Se a proposta africana for levada adiante, Johannesburgo pode representar um retrocesso na discussão ambiental".
Maria do Carmo tenta explicar a polêmica. "Certamente, ninguém é contra uma agenda mínima de socorro à África, que vive uma realidade de pobreza pungente, que mina qualquer proposta de sustentabilidade. Mas queremos que a discussão vá além." Na sua avaliação, a ênfase na miséria pode desembocar em um programa meramente assistencialista entre as nações muito ricas e as muito pobres, deixando de fora a necessidade de mudanças estruturais e a realidade dos países em desenvolvimento.
Para criar um contraponto, o governo brasileiro buscou envolver os vizinhos de continente na elaboração da "Iniciativa Latino-Americana e Caribenha". "Entre outras propostas, queremos fortalecer o Tratado de Cooperação Amazônico para chegar a um marco regulatório regional com relação aos recursos genéticos, bem como estabelecer metas de acesso a água potável e saneamento básico", informa Fábio Feldman. Outra idéia é levar para Johannesburgo a "Iniciativa de Energia", com parâmetros para a utilização de fontes renováveis.
Planejamento do futuro
O Brasil também chega à Rio+10 com sua Agenda 21 nacional pronta. Considerando as diferenças de desenvolvimento entre as nações, a Agenda Global recomendou a criação de documentos nacionais, regionais e locais. Há notícia de que 50 países já têm os seus. No Brasil, seriam cerca de 200 agendas locais e regionais preparadas.
O processo de elaboração da Agenda 21 Brasileira começou em 1997, quando foi criada a CPDS. Na ocasião, foram escolhidos seis temas para nortear as discussões: cidades sustentáveis; agricultura sustentável; infra-estrutura e integração regional; gestão dos recursos naturais; redução das desigualdades sociais; e ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável.
De início, o governo federal optou por contratar consultores para elaborar propostas sobre cada um dos temas. Alvo de muitas críticas, o trabalho foi reorientado. "O documento precisava ser fruto de um processo público e participativo, que envolvesse efetivamente os vários grupos sociais", ressalta Rubens Born, representante da sociedade civil na CPDS. Os seis textos elaborados foram então levados a discussão em workshops. Juntando todas as críticas e propostas, a comissão lançou, em junho de 2000, uma espécie de primeiro rascunho do documento, chamado "Agenda 21 Brasileira: Bases para Discussão".
A partir de então, foram organizados debates públicos em todos os estados brasileiros (com exceção do Amapá), nos quais governos, organizações não-governamentais, escolas e empresas puderam propor a eliminação, modificação ou substituição de propostas e ações. Calcula-se que 4 mil pessoas tenham participado diretamente das discussões e que cerca de 40 mil tenham lido o documento. No total, foram recebidas mais de 6 mil emendas. Cada uma delas foi aprovada ou reprovada nas discussões estaduais, e o conjunto, consolidado em cinco debates regionais. A soma dessas reuniões gerou o documento "Resultados da Consulta Nacional" considerado a primeira parte da Agenda 21 Brasileira, lançada às vésperas da Rio+10.
A segunda parte é a "Plataforma de Ações". Para criar mais impacto, o governo brasileiro decidiu selecionar 21 prioridades. Encabeçando a lista, estão: retomada do desenvolvimento com sustentabilidade; redução das desigualdades sociais e combate às origens e aos focos de pobreza; promoção da saúde e prevenção da doença; reversão dos padrões de consumo; e o lançamento de uma campanha nacional contra o desperdício. A fim de definir os meios de implementação, as ações foram discutidas com os diferentes setores da sociedade, incluindo movimentos sociais, empresariado, universidades e os poderes Legislativo e Executivo. O resultado foi consolidado no documento apresentado.
"Não conheço nenhuma política pública no Brasil que tenha propiciado um debate tão extenso e que motivasse tanta mobilização", diz Rubens Born. Apesar disso, ele esperava maior envolvimento de todos os setores. "O problema é que o país está acostumado a pensar em curto prazo, de forma setorial e sem a paciência requerida por uma participação mais ampla. E a Agenda 21 exigiu justamente o contrário."
Apesar de ser considerada inédita, a iniciativa não se vê livre de críticas. "O processo começou muito atrasado e de cima para baixo", diz Miriam Duailibi, coordenadora do Instituto Ecoar pela Cidadania, de São Paulo. Na sua opinião, faria muito mais sentido se o governo tivesse incentivado, logo após a Eco 92, a realização de agendas municipais e estaduais, para só então discutir a nacional. Baseado nessa idéia, o Ecoar tem se dedicado a fomentar as "agendas do pedaço" (ver texto abaixo).
De qualquer forma, todos concordam que a fase mais difícil está por começar. "Ter um bom documento pode significar tudo ou nada. Se as lideranças políticas e empresariais não se sensibilizarem, nada vai acontecer", avalia Rubens Born. E completa: "Do lado governamental, o futuro próximo vai depender de quem for eleito em outubro, tanto no Executivo como no Legislativo". O primeiro passo seria deixar claro que a Agenda não constitui um programa deste ou daquele governo, mas um amplo pacto de toda a sociedade brasileira. "Por isso, queremos apresentar a Plataforma de Ações para todos os candidatos", diz Born. Já nesta gestão, garante Maria do Carmo, o documento será usado como base de definição para o Plano Plurianual 2003-2006, que traça as ações e metas nacionais.
Roteiro para uma agenda
O primeiro passo é reunir as pessoas. Fazer com que se conheçam e olhem juntas para si mesmas e a realidade em que vivem. São então convidadas a desenhar uma "árvore de sonhos", pessoais e coletivos. Em seguida, passam para o "muro de lamentações", apontando os problemas e desgostos da vizinhança. Começam então a pensar nas soluções e a definir um plano de ações, que o próprio grupo possa executar ou exigir dos responsáveis. Estabelece-se um pacto de como cumpri-lo e fiscalizá-lo. Nasce assim mais uma "Agenda 21 do Pedaço".
Criada e desenvolvida pelo Instituto Ecoar pela Cidadania, essa metodologia tem incentivado diferentes grupos a prestar atenção no presente e planejar o rumo de sua comunidade. O "pedaço" pode ser um bairro, uma escola ou uma bacia hidrográfica. "O essencial é despertarmos nas pessoas o sentimento de pertencer àquele espaço e estimulá-las a se apropriarem de seu futuro", destaca Miriam Duailibi, coordenadora do instituto.
Sediado em São Paulo, o Ecoar nasceu há dez anos, fruto direto da Eco 92. Durante a conferência, um grupo de ambientalistas e pesquisadores decidiu que era essencial criar uma entidade focada na divulgação de temas de interesse ecológico e na questão urbana. "Partimos da idéia de que a educação ambiental vai muito além de uma matéria em sala de aula. É uma dimensão que deve estar presente em qualquer projeto", explica Miriam. O desafio é grande: construir um novo tipo de relações entre as pessoas e entre elas e o planeta.