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Berçário de negócios

 


Gerhart Ett, da Eletrocell, incubada no Cietec /
Foto Célia Thomé

Aumenta o número de entidades que abrigam empresas nascentes

ANTONIO GRAÇA e IVAN MASETTI

A literatura econômica tem vários exemplos de como grandes empresas e fortunas começaram com alguém que tinha apenas uma boa idéia na cabeça e pouco dinheiro na mão. A determinação desses empreendedores é que explica como venceram os obstáculos e protagonizaram histórias de sucesso. Mas a atividade econômica ficou mais complexa e a concorrência, cada vez maior. Hoje, além de muita garra e algum capital, para ter êxito são decisivos planejamento e administração técnica. Sem isso, quase sempre uma boa idéia termina como mais um caso de mortalidade precoce de novas empresas, cuja maioria, cerca de 75%, não ultrapassa três anos de vida. É nesse cenário que cresce a participação das incubadoras, cuja contribuição tem se mostrado fundamental para o nascimento e a sobrevivência de novos empreendimentos. Quando gerados dentro dessas instituições, a taxa de mortalidade cai para 25% no mesmo período.

Na incubadora, além de dispor de infra-estrutura básica, como instalação física e linha telefônica, o empreendedor recebe assessoria nas áreas administrativa, jurídica, mercadológica e tecnológica. Porém, tão importante quanto isso é o fato de as empresas que ali nascem terem a vantagem de estar num ambiente que permite a troca de experiências e a sinergia de atividades. É uma característica dessas instituições abrigar empreendimentos de ramos semelhantes ou afins, sejam incubadoras de empresas tradicionais, sejam aquelas voltadas para o desenvolvimento de novas tecnologias.

Surgidas no Brasil no final da década de 80, as incubadoras, no entanto, ainda são pouco conhecidas por grande parte das pessoas que empreendem ou querem empreender. Isso apesar de hoje já serem mais de 150 no país e abrigarem acima de mil empresas, que geraram mais de 7 mil postos de trabalho, segundo dados da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec).

Para o secretário do Planejamento do Estado de São Paulo e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), Jacques Marcovitch, a convergência de três fatores explica o aumento das incubadoras no Brasil. "Temos uma juventude bem formada e empreendedora, vivemos uma revolução tecnológica, tendo como base a informática e as telecomunicações, e o mercado interno está em crescimento, até pela expansão demográfica", afirma ele. Dados da Anprotec confirmam essa avaliação. Das incubadoras existentes até 2001, 62% atuam no segmento de informática e telecomunicações.

Gestação de projetos

Criado em 1998, o Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), instalado na USP, conta hoje com 80 empreendimentos abrigados e 150 produtos. Em abril, havia 114 projetos inscritos para seleção. É, por excelência, uma incubadora da vertente tecnológica. A BGE Médica está entre as empresas que ali se encontram. Há dois anos e meio no Cietec, a BGE desenvolve produtos como estimuladores neuromusculares e sensores ultra-sônicos para medida de fluxo sangüíneo.

Tendo à frente o engenheiro eletrônico José Carlos Borges e sua esposa, Wilma Regina Borges, que cuida da parte administrativa, a BGE nasceu de uma consultoria na área. "Quando resolvi ir para o ramo industrial, optei pela incubadora. O apoio foi fundamental para a instalação, assim como a assessoria administrativa e tecnológica para o desenvolvimento do negócio", conta Borges. Ele desativou a consultoria e dedica-se integralmente à nova empresa, que deve faturar R$ 100 mil em 2002. O valor é pequeno, mas significativo para quem ainda está dando seus primeiros passos. Tanto é assim que Borges pretende pedir prorrogação de um ano para permanecer na incubadora. Segundo ele, a produção está consolidada, mas a comercialização ainda precisa ser mais bem estruturada.

Borges avalia que, sem a incubadora, dificilmente o empreendimento daria certo. "Além de contar com infra-estrutura e assessorias, pelas quais pago R$ 350 por mês, outra grande vantagem é a interação entre as empresas presentes naquele ambiente, propício à solução de problemas", afirma.

A parceria que surge entre as empresas instaladas numa incubadora também é destacada por Gerhard Ett em sua experiência no Cietec. Engenheiro químico, ele e três sócios são donos da Eletrocell, que está desenvolvendo tecnologia para a fabricação de células de energia elétrica a partir de placas de grafite, hidrogênio e oxigênio. Trata-se de uma energia mais limpa, que não sofre interferências e é ideal para redes de microcomputadores, Internet e telecomunicações. A Eletrocell surgiu de outras duas empresas que já estavam incubadas no próprio Cietec. Há um ano na incubadora, a Eletrocell ainda está trabalhando em protótipos. Mas, segundo Ett, é um bom exemplo de sinergia de esforços, contando com dez parceiros dentro do Cietec que estão pesquisando componentes para a produção das células.

Voltada para a área de serviços, a Livroline é um caso que já pode ser considerado sucesso. No Cietec desde maio de 2001, ela pretende deixar a incubadora (graduar-se) ainda este ano. Segundo Argentina Sampaio Costa, formada em química industrial, que tem como sócio no empreendimento o físico José Leon, a Livroline nasceu de um projeto de livraria virtual. Mas, com o crescimento da demanda de soluções para ensino via Internet (e-learning), eles resolveram redirecionar o negócio para esse nicho. A empresa presta consultoria, elabora e implementa cursos na própria plataforma de Internet do cliente, em qualquer área, de contabilidade a indústria alimentícia. Com um faturamento estimado em R$ 250 mil para este ano, a Livroline já tem em sua carteira clientes do porte do Instituto de Informações Objetivas (IOB) e da Nestlé. Argentina destaca a orientação decisiva do Cietec na área de marketing para o sucesso de seu empreendimento. E acrescenta que a parceria com uma entidade que traz a chancela da USP funciona também como cartão de visita. "Ela dá credibilidade ao negócio", afirma.

Mas não é apenas no âmbito tecnológico que as incubadoras atuam. Há aquelas que não estão vinculadas a uma universidade ou centro de pesquisa, que acolhem empreendimentos inovadores de vários segmentos da economia. Em geral, são ligadas a órgãos como o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e a prefeituras. Além de apoiarem os empreendedores e reduzirem a taxa de mortalidade das empresas, elas também estão contribuindo para o desenvolvimento da região em que estão instaladas. "As incubadoras estão exercendo o papel de agências de fomento regional. Os próprios parceiros delas, como as prefeituras, começam a perceber isso", afirma Cláudio Tervydis, gerente da unidade de inovação e acesso à tecnologia do Sebrae de São Paulo.

Pólos de desenvolvimento

De fato, embora ainda se concentrem nas regiões sul e sudeste, onde estavam 124 das 150 incubadoras (82%) até 2001, conforme dados da Anprotec, elas estão em todo o Brasil. E nos estados onde há maior presença delas, não é apenas nas capitais que são encontradas. Ao contrário, há um movimento de interiorização dessas instituições. São exemplos as de Rio Claro e de Limeira, no estado de São Paulo. Com seis anos de existência, a primeira já conta com 15 empresas instaladas e tem quatro boxes a ser ocupados. Eleita incubadora do ano pela Anprotec em 2001, ela já graduou 28 empreendimentos e apresenta uma taxa de mortalidade de apenas 15%, segundo sua coordenadora, Vera Polleto. As áreas de atuação são automotiva, de confecção e informática. De acordo com Vera, a incubadora já é um pólo de atração de negócios, trazendo empreendedores não apenas da cidade e da região, mas de outros estados, como Minas Gerais, e até de outros países, como a Argentina. Do ponto de vista da contribuição para o desenvolvimento regional, Vera lembra que existe o compromisso dos participantes de permanecerem no município depois da graduação.

Fundado em 1999, o Núcleo de Desenvolvimento Empresarial de Limeira atualmente tem 18 empreendimentos incubados, oito dos quais de base tecnológica e dez convencionais. Uma de suas vitórias é ter três deles certificados, ainda na incubadora, com o ISO 9000, um selo internacional de qualidade de produção. A outra é que seu índice de mortalidade é de apenas 13%. Wladimir dos Santos, gerente da incubadora, lembra que já foram criados 109 empregos desde que ela começou a funcionar. São empresas de autopeças, do setor eletroeletrônico e de máquinas e equipamentos. Uma delas é a Hidrometal, de propriedade do engenheiro petroquímico José Luís Bertazzoli. Há dois anos na incubadora, desenvolve uma bomba hidráulica de fluxo para torres de resfriamento. É um novo sistema de bombeamento, tão eficiente quanto o das bombas de fluxo variável, porém mais barato.

Bertazzoli, de 43 anos, conta que, como muitos engenheiros, estava desempregado e não via perspectivas profissionais. Embora nunca tivesse pensado em ser empresário, teve a idéia da nova bomba e desenvolveu um protótipo em casa, que funcionou. Depois de patentear o invento, procurou a incubadora e apresentou o projeto. "Eu imaginava que o apoio obtido na incubadora só seria possível numa universidade. Mas verifiquei que há outras entidades que estimulam empreendimentos. Hoje, além de contar com esse suporte, consegui recursos financeiros da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)." Com 80% do conceito do produto e do processo de fabricação já concluídos, ele ainda quer ficar mais um ano na incubadora, para entrar no mercado quando estiver com o projeto consolidado. Bertazzoli calcula que, então, precisará de 22 a 25 funcionários, entre os quais de seis a oito engenheiros. Ele lembra ainda que, na incubadora, também está sendo capacitado em gestão empresarial. Até então, seus conhecimentos profissionais eram restritos à engenharia.

O caso de Bertazzoli ilustra bem o perfil daqueles que colocam empreendimentos em incubadoras. Pesquisa da Anprotec, com quase 2 mil dessas pessoas, mostrou que 41% delas estão na faixa de 36 a 45 anos. Isso ocorre porque muitas vezes ficaram desempregadas e vêem como única saída a abertura do próprio negócio. Ou, como pondera Guilherme Ary Plonski, diretor da Anprotec e também do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas, ligado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo), porque é o momento em que o profissional começa uma segunda carreira, desta vez como empreendedor. É também nessa idade que muitos pesquisadores de instituições universitárias entendem que é a hora de trazer para a prática tudo o que estudaram, transformando as idéias em produtos, serviços ou processos.

Apesar dessa forte incidência de sócios de empresas incubadas na faixa de 36 a 45 anos, o segmento que vai de 26 a 35 anos também é expressivo, respondendo por 27% do total. Também explicam esse percentual as mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho, com uma escassez estrutural de empregos, ditada pela evolução tecnológica, que eliminou funções, ou pelo processo de terceirização adotado nas empresas. Assim é que o jovem, quando sai da universidade, muitas vezes tem como única alternativa desenvolver o próprio negócio. Como precisa de apoio para viabilizar seu empreendimento, as incubadoras estão se tornando instituições indispensáveis na nova ordem econômica. Tanto é que o crescimento delas tem sido de 30% em média nos últimos cinco anos.

Fontes de recursos

Mas, pela própria importância que estão adquirindo para a economia, seja do ponto de vista da geração de empregos, do desenvolvimento regional ou do estímulo ao surgimento de novas tecnologias, as incubadoras, conforme explica Sérgio Wigberto Risola, gerente do Cietec, têm de administrar com cuidado essa expansão. "A qualificação cada vez mais apurada delas agora é a preocupação", afirma. Segundo ele, é preciso aperfeiçoar o funcionamento das existentes e monitorar o desenvolvimento das mais recentes, de forma que não haja crescimento desordenado e diluição dos resultados obtidos.

A gerente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, principal agência do governo federal de estímulo ao desenvolvimento da ciência e tecnologia), Ada Gonçalves, concorda com Risola. E cita como importante fator de aprimoramento o Programa Nacional de Incubadoras, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Finep. Um dos objetivos do programa é exatamente propiciar condições para a consolidação das incubadoras, contemplando o aperfeiçoamento dos modelos de gestão, a capacitação de equipes e o acesso a crédito e ao mercado de capitais.

A captação de recursos financeiros para as incubadoras ou empresas nelas instaladas, ainda em grande parte vindos de entidades como o Sebrae, federações de indústrias, governos estaduais e prefeituras, precisa ser dinamizada, e buscadas fontes alternativas, entre elas o mercado financeiro. Já há iniciativas com esse objetivo, a exemplo de alguns fundos de investimento em capital de risco, nos quais os interessados aplicam recursos em novas empresas em troca de participação acionária. A expectativa desses investidores é que os empreendimentos se viabilizem, para que possam vender as ações com lucro. É o que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, onde já existe essa cultura de investimentos, principalmente quando há inovação tecnológica. Hoje, naquele país, há cerca de 700 incubadoras, número que cresce 20% ao ano desde 1985. Foram elas que fizeram surgir o famoso Vale do Silício, na Califórnia, que concentra as empresas de alta tecnologia dos Estados Unidos.

No Brasil, o movimento de capitalização desses empreendimentos via mercado de capitais ainda é incipiente e precisa ser estimulado por meio de incentivos fiscais, por exemplo. Mas as perspectivas são boas. As empresas têm dado certo e, como avalia Plonski, a idéia da incubadora é vencedora e está cativando a sociedade.


Passo a passo para o sucesso

Os procedimentos para colocar um empreendimento numa incubadora e os critérios por elas utilizados para aprovar um projeto variam, dependendo da instituição. Mas alguns passos são básicos. Aqui estão os principais:

Se você não conhecer uma incubadora perto da região onde trabalha ou reside, consulte a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec). O site é www.anprotec.org.br e o telefone, (61) 347-0722. A entidade vai orientá-lo para encontrar a incubadora mais adequada ao seu projeto. Outro caminho é acompanhar os editais publicados em jornais pelas incubadoras, que anunciam vagas para novos projetos.

Definida a incubadora, o candidato passa por uma entrevista prévia, na qual explica sua proposta.

O próximo passo é apresentar um plano de negócios. O prazo de análise varia. No caso do Cietec é de 75 dias.

A avaliação é feita com base em critérios como viabilidade econômico-financeira do projeto, grau de inovação do produto, serviço ou processo, possibilidade de geração de emprego e renda para a região, espírito empreendedor do candidato e disponibilidade para dedicação integral.

Há incubadoras que possuem o que se chama de hotel de projetos. Nessa fase de pré-incubação, o candidato recebe, inclusive, orientação para elaborar o plano de negócios.

Aprovado o projeto e havendo vaga, o candidato inicia imediatamente as atividades. É nessa fase que os integrantes da empresa devem estar disponíveis para participar de treinamentos, projetos de desenvolvimento tecnológico, feiras e rodadas de negócios.

A permanência na incubadora custa de R$ 200 a R$ 400 por mês. Há casos de incubadoras que cobram 2% do faturamento da empresa, depois de graduada, durante período igual àquele em que ela esteve hospedada.

A infra-estrutura oferecida pelas incubadoras inclui boxe, linha telefônica, secretaria, fax, limpeza e segurança, além dos serviços de consultoria especializada.

Em geral, o prazo de permanência na incubadora é de dois anos, com possibilidade de prorrogação por mais um.

Há incubadoras que oferecem condomínios para empresas graduadas, onde elas podem se instalar, dividindo despesas de infra-estrutura e serviços administrativos.