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A falta que faz a informação
O assunto de capa desta edição de Problemas Brasileiros refere-se a um daqueles fatos isolados que ocorrem como que inexplicavelmente e nos trazem um pouco de alento. Com efeito, é confortante saber que um grupo de jovens profissionais e donas-de-casa, abnegados e corajosos, leva às populações das favelas um produto de primeiríssima necessidade em um país como o nosso: informação. É o que essa gente mais precisa para sobreviver em ambiente tão problemático, onde geralmente impera a lei da selva e não faltam conflitos a superar. Nessas áreas, um grande número de famílias convive dia e noite com o ritmo de vida ditado por criminosos e é, não raramente, vítima de abusos patrocinados por forças policiais.
A iniciativa de oferecer informação jurídica, louvável e merecedora de todo o apoio, tem, entretanto, um significado que supera os limites das áreas em que surgiu. Na verdade, ela representa um modelo de ação que deveria balizar o comportamento de qualquer pessoa minimamente responsável pelos destinos do Brasil. Governantes, políticos, funcionários públicos ou candidatos a cargos oficiais já deveriam ter a consciência de que o maior mal de nosso pobre país é a falta de informação.
A maioria de nossa população, mesmo alfabetizada, não dispõe de conhecimentos mínimos de cidadania, sem falar na ignorância que a mantém à margem do desenvolvimento econômico e social.
Níveis educacionais baixíssimos explicam essa realidade. Em matéria publicada no jornal "Folha de S. Paulo" sobre o recenseamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2000, o redator coloca o dedo na ferida: um terço dos domicílios brasileiros é comandado por um analfabeto funcional, ou seja, alguém que, mesmo sabendo ler, não entende o que lê. Esse índice é pior em regiões mais pobres, como no nordeste, onde chega a 54,4%. No país, são 8 milhões de famílias cujo chefe é analfabeto.
As explicações para nossas deficiências educacionais são muitas, e devidamente conhecidas. As causas desse descaso, porém, são complexas e apresentam raízes históricas profundas. Outra matéria desta mesma edição nos traz relatos até certo ponto surpreendentes sobre o tratamento que os colonizadores ofereciam aos escravos, desde sua captura em terras africanas até o jugo cruel na lavoura, passando pelas vicissitudes do transporte nos porões insalubres dos navios.
Esse tratamento dispensado ao grande número de escravos e seus descendentes está na raiz do comportamento preconceituoso, excludente e elitista que gerou a massa de analfabetos, proibidos de alcançar o conhecimento, segundo diz a professora Maria do Pilar, de Belo Horizonte. Mesmo os teoricamente alfabetizados, diz ela, vivem em ambiente não letrado, sem acesso a livros, jornais ou revistas. E embora seus filhos tenham vaga garantida na rede pública, não conseguem assimilar o que lhes é ensinado.
Ora, se aprendem pouco ou nada na escola e não encontram no ambiente familiar nenhuma forma de informação, por menor que seja, nunca chegarão a adquirir discernimento mínimo para fazer opções, procurar caminhos, desenvolver-se, enfim. E sabemos que são pessoas assim que decidem eleições, graças à lei que os obriga a votar, embora nem sequer conheçam o significado do voto, da representação popular ou da democracia.
Não há dúvida que tecnologia moderna, ao criar a Internet, trouxe um grande avanço para a difusão da informação. No Brasil, porém, apesar dos esforços de órgãos governamentais e entidades diversas, poucos têm acesso a tais ferramentas. E por falar em Internet, não é fora de propósito lembrar que essa novidade tecnológica, se por um lado abriu o mundo para os estudantes, por outro escancarou-lhes a possibilidade, tão criticada por professores mais atentos, de simplesmente copiar textos para uso em suas tarefas escolares, em vez de dedicar-se com maior profundidade à pesquisa.
Educar com qualidade, portanto, não é simples. Envolve empecilhos gigantescos, que remontam a um passado sombrio e a um presente muitas vezes marcado pelo desleixo. Quanto ao passado, resta apenas estudá-lo, extraindo as lições possíveis. Já o presente merece outro tratamento. Um esforço geral em favor da melhoria do ensino, patrocinado não somente pelos governantes, a quem cabe fazê-lo por obrigação, mas também por todos nós, a exemplo daquele grupo abnegado de voluntários que leva aos favelados a dádiva preciosa da informação.