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Ópera prima

Daryan Dornelles
Daryan Dornelles

Chico Buarque foi responsável por um dos grandes momentos da série Muito Prazer, Meu Primeiro Disco, do Sesc Pinheiros. O programa foi idealizado pelo jornalista e escritor Lucas Nobile numa curadoria em conjunto com o crítico musical e musicólogo Zuza Homem de Mello (1933-2020), que conduziu as entrevistas junto à jornalista Adriana Couto até a segunda edição. O tema central é o disco – Chico Buarque de Hollanda – lançado em 1966, estreia do jovem que enveredava pela profissão de arquiteto e ainda não sabia se a carreira musical seria uma experimentação casual ou um fato. Cinquenta e quatro anos depois e uma trajetória desdobrada em palavra e canção, Chico é figura de proa da qual a música popular não se alheia. Por falar em primeiro disco, o compositor carioca também dimensiona o impacto do primeiro encontro com o violão de João Gilberto. “Comecei a pensar em fazer música com um instrumento, com o violão, a partir daí, e imitando o João Gilberto”, compartilhou.

 

Virou meme

Eu não posso culpar a gravadora simplesmente porque a culpa também foi minha. Houve um certo desencontro por vários motivos. Primeiro, eu era um artista novo.

Não me sentia em condições de impor a minha vontade. Na verdade, sentia-me como um estudante de arquitetura gravando um disco do qual não se falaria 50 anos depois. O desencontro entre o meu pensamento e o da gravadora começa pela própria capa. A ideia, em primeiro lugar.

O meu nome artístico era Chico Buarque, e o “de Hollanda” entrou aí por sugestão da gravadora. Lembro bem das fotos da capa. Eu estava num estúdio fotográfico com uma postura de compositor sério e eles [a gravadora] achavam que eu ficava mais bonito sorrindo. Então, tiramos várias fotos e eles fizeram a vontade deles e a minha [a arte da capa dividida com uma foto séria e outra na qual o cantor aparece sorrindo], com essa capa absurda que virou meme.

 

Ópera prima

Os arranjos eram feitos em São Paulo e eu morava no Rio. Não dediquei o tempo e o capricho necessários à gravação desse disco. Eu era um estudante que tinha acabado de se mudar para o Rio, estava recém-casado etc. e tal. Nesse processo, viajava até São Paulo para gravar um programa da Record, passava no estúdio e colocava a voz no arranjo que já estava feito para o disco. Não tive, realmente, muito contato. O arranjo é de Chiquinho de Moraes, com quem fiz vários trabalhos. O resultado foi motivado pela pressa, talvez da gravadora, e uma certa displicência minha, o que não significa que a gravadora estivesse com má vontade ou isso ou aquilo. Ela quis fazer uma coisa e eu não soube me impor, reagir, não soube fazer um disco que eu não tinha muita ideia do que seria. Naquele tempo, você gravava um compacto que resultava no LP, mas não tinha uma unidade ou um conceito. No meu caso, pelo menos, não me lembro disso. Não havia uma ideia: “Vou fazer um LP”. Essa é minha obra-prima. Ópera primera literalmente. Quando se fala ópera prima, geralmente é em sentido depreciativo, como se dissesse: “Não, essa é uma ópera prima, é um escrito de juventude que será amadurecido mais tarde”. Para mim, é no sentido de ser a primeira obra, um disco ainda provisório, que talvez dê uma ideia do que eu faria depois, mas longe de ser um disco que eu goste. É um disco que não costumo escutar.

 

 

NA VERDADE, SENTIA-ME COMO UM ESTUDANTE

DE ARQUITETURA GRAVANDO UM DISCO DO QUAL

NÃO SE FALARIA 50 ANOS DEPOIS

 

 

Nas cordas de João

A experiência da primeira audição de João Gilberto é comum à minha geração de compositores. A primeira vez em que o ouvi foi no rádio, citados nos créditos João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Vinicius era amigo de meu pai. E me lembro de pedir um dinheirinho aos meus pais para comprar o compacto do Vinicius de Moraes, que era novidade. Eu já conhecia o nome de Tom Jobim por causa do disco Canção do Amor Demais (1958) com Elizeth Cardoso cantando músicas de Tom e Vinicius. Há duas faixas em que o João Gilberto aparecia como violonista. A bossa nova apareceu com Chega de Saudade e a gravação do João, que mudou tudo. Então a primeira vez que o ouvi, bateu em mim. Tinha 14 anos e bateu em cheio! Eu era apaixonado por samba, Noel Rosa e Dorival Caymmi, ouvia muito rádio. Esse momento me levou a pegar no violão. Comecei a pensar em fazer música com um instrumento, com o violão, a partir daí, e imitando o João Gilberto.

Assista à entrevista com Chico Buarque no programa Muito Prazer, Meu Primeiro Disco, no canal do YouTube do Sesc São Paulo.

 

 

 

 

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