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Bordar além

Edith Derdyk. Sopro, 2020. Linha e agulha. Instalação site specific. Sesc Pinheiros | Katia Kuwabara
Edith Derdyk. Sopro, 2020. Linha e agulha. Instalação site specific. Sesc Pinheiros | Katia Kuwabara

Há muito tempo, o bordado deixou de ser uma prática restrita ao universo feminino e a estereótipos utilitários. Ainda no século 19, por exemplo, o movimento da Art Nouveau, surgido na Bélgica, incorporou inovações da época e valorizou um modelo de criação mais industrial, abraçando novos materiais e tecnologias.

É o que explica a professora no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) Ana Paula Cavalcanti Simioni, curadora da exposição Transbordar: Transgressões do Bordado na Arte. A especialista puxa o fio dessa história para contar que os grupos da vanguarda europeia na virada do século 19 para o 20 “procuraram combater as distinções entre belas artes e artes aplicadas”.

Ana Paula aponta um êxito moderado na empreitada, pois tais grupos não lograram impor seus discursos de modo hegemônico. O sistema artístico manteve-se, até os anos 1960, ainda bastante caudatário da noção de que arte equivale a modalidades mais tradicionais, como a pintura, escultura, desenho, gravura. A pesquisadora acrescenta ainda que tais hierarquias não atingiam apenas a estética, sendo “atravessadas por clivagens outras, como as de gênero e de classe social”. É o caso das diferenças tradicionalmente impostas pelo sistema entre artista e artesão, e da posição social atribuída às mulheres artistas, “posto que muitos dos objetos decorativos estavam associados a uma manufatura doméstica e feminina”. Essa visão alterou-se ao longo do século 20.

 

O bom combate

No bordado, é comum ver grupos de mulheres reunidas criando, simbolizando uma forma coletiva e, por vezes, combativa de utilizá-lo. Um marco é a série Bastidores (1997), de Rosana Paulino (leia Depoimento da artista), produzida a partir do xerox de fotos de mulheres negras reproduzidas de álbuns de família para o tecido. Os olhos e bocas das imagens são costurados rispidamente, aludindo à violência sofrida pelas mulheres. “Tem-se agora um componente atento à dimensão política do gênero como percepção desigual dos corpos sexuados daqueles que fazem arte e articulam as modalidades artísticas”, afirma Ana.

A curadora associa essa luta por direitos à pesquisa que deu origem à mostra Transbordar. “Cada obra e artista nessa exposição traz um combate”, acrescenta. Outra dimensão dessa trama vertida em obras de arte pode ser a racial, marcada em memórias individuais e coletivas. “Elas estão presentes em artistas, dimensões invisibilizadas em populações brasileiras, presentes na exposição. Dar a ver é, também, uma forma de combate”, completa.

 

Sem dar nó

Exposição traz a diversidade estética e temática da arte das agulhas e fios

Anna Bella Geiger, Beth Moysés, Bispo do Rosário, Nino Cais, Rosana Paulino e Zuzu Angel são alguns dos 39 artistas que compartilham o recurso do bordado em Transbordar: Transgressões do Bordado na Arte, sob curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni, professora no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

O conjunto das obras oferece um recorte sobre o lugar do bordado na arte dos séculos 20 e 21: “Vemos artistas mulheres subvertendo a noção de delicadeza, ornamento e passividade atrelada às artes vistas como ‘femininas’”. Como exemplos, a curadora cita Rosana Palazyan e Beth Moysés.

Em contraste com a ideia tradicional de virilidade, “as [obras] de Fábio Carvalho, por exemplo, materializam objetos da cultura masculina – armas, feitas com materialidades delicadas como as rendas – e proporcionam uma dissociação rica, que, espero, promova reflexão e curiosidade no público”. Seguindo os protocolos sanitários obrigatórios, a exposição no Sesc Pinheiros tem visitação gratuita até 8 de maio, mediante agendamento no site www.sescsp.org.br/pinheiros.

 

Lia Menna Barreto. Beijo Azul, 2013. Organza de seda pura e plástico. Cortesia Galeria Bolsa de Arte

 

 

Beth Moysés. Maria, 1995. Tecido e madeira. Coleção Museu de Arte Brasileira - MAB Faap | Foto Fernando Silveira

 

 

Rosana Paulino. Sem Título, série Bastidores, 1997. Imagem transferida sobre tecido e bordado, bastidor e linha de costura. Cortesia da artista

 

 

 

Ana Miguel. Para Sempre Meus, 2000. Tecido, crochê, botões de caftan e pluma sintética. Foto: Edgar César | © Miguel Macieira, Ana Lucia/AUTVIS - Brasil 2020

 

 

 

Jucélia da Silva. Cabeças, 2017. Desenho inspirado na renda renascença. Ana Pigosso

 

 

Fábio Carvalho. Fado Indesejado, 2013/2016. Xale industrial bordado à mão. Cortesia do artista

 

 

Pola Fernandez. Sem Título, série Odete, 2019. Bordado sobre fotografia. Cortesia da artista

 

 

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