Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

A reinvenção do trabalho

Ilustração: Editoria de Arte
Ilustração: Editoria de Arte

Um dos maiores desafios enfrentados pela população brasileira, o desemprego foi agravado em 2020 em razão da pandemia. No entanto, mesmo antes do atual cenário, o avanço da tecnologia, robôs e inteligência artificial já apontavam para a necessidade de mudanças principalmente na área da educação e na formação de novos trabalhadores. “Para Wolfgang Streeck, um dos mais importantes sociólogos alemães, enquanto no século 20 vivemos a era da mecanização, daqui para a frente vai predominar a eletronização, ou seja, a era em que os equipamentos passam a contar com inteligência”, alerta o professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Feldmann. O que resultaria, segundo o sociólogo Fausto Augusto Junior, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e a economista Patrícia Lino Costa, supervisora da produção do Dieese, numa acelerada substituição de trabalhadores por soluções digitais, sendo que para aqueles de baixa renda sobram cada vez menos opções de trabalho de qualidade. Então, o que é preciso ser feito para que profissões sejam adaptadas e criadas neste novo contexto? Que perspectivas podem ser traçadas ao olharmos para o presente e pensarmos no futuro? Sobre o tema, Junior, Costa e Feldmann tecem suas reflexões.

 

O impacto da Quarta Revolução Industrial sobre o mercado de trabalho

Paulo Feldmann

Novas tecnologias que fazem parte do que se denomina, na forma abreviada, “Indústria 4.0” estão promovendo uma transformação enorme nos métodos de produção e poderão, sim, provocar uma devastação no mercado de trabalho e nos empregos. Fala-se de robôs, inteligência artificial, drones e de impressoras 3D há muitos anos, mas seu custo era alto e por isso quase impossível sua aquisição para a grande maioria das empresas. Cerca de três anos para cá, isso mudou completamente, sendo que só em 2019 foram vendidos 920 mil robôs no mundo. Esses produtos ficaram mais sofisticados, com seus preços mais baixos e com isso começam a proliferar por todo o globo, mais ou menos como aconteceu com computadores e celulares no final do século 20. A principal consequência do barateamento do preço dos robôs e desses outros equipamentos é que a mão de obra barata está deixando de ser algo atraente para as grandes multinacionais, e elas estão preferindo produzir nos países onde estão suas matrizes e sedes em vez de saírem pelo mundo buscando aquele fator de produção.

Ameaças de que as máquinas iriam eliminar empregos e gerar o caos existem há mais de 200 anos. Mas elas nunca se concretizaram porque sempre foi possível descobrir novas atividades, ou então criar setores de tal forma que novas profissões apareceram e empregos proliferaram. Mesmo com o advento da tecnologia da informação há cerca de 50 anos, o temor que se tinha em relação ao desemprego, causado pelo computador ou pela automação, logo se dissipou e uma enormidade de novas profissões surgiram, desde os programadores de computador até os “web designers”, só para citar algumas.

Por que agora será diferente? A resposta está no fato de que, com a inteligência artificial, o ser humano perde o monopólio da capacidade cognitiva. Ou seja, até pouco tempo, as máquinas e computadores apenas conseguiam desempenhar atividades repetitivas e substituir o trabalho braçal. Daqui para a frente, atividades que requerem raciocínio lógico, capacidade de decisão e inteligência poderão ser desempenhadas por robôs ou computadores dotados de inteligência artificial. Para Wolfgang Streeck, um dos mais importantes sociólogos alemães, enquanto no século 20 vivemos a era da mecanização, daqui para a frente vai predominar a eletronização, ou seja, a era em que os equipamentos passam a contar com inteligência.

Assim a ameaça de desemprego agora recai sobre profissões que se julgavam impossíveis de serem substituídas, como a de médico ou de advogado.

 

ROBÔS, DRONES E EQUIPAMENTOS DE AUTOMAÇÃO

MOSTRAM-SE CADA VEZ MAIS SOFISTICADOS, APTOS A DESEMPENHAR

UM NÚMERO CRESCENTE DE FUNÇÕES

 

A IBM lançou um robô, chamado Watson, que consegue ler, analisar e emitir laudo para mil tomografias em 50 minutos com a mesma margem de erro que 15 médicos levariam quatro dias para fazer.

Economistas têm procurado calcular o tamanho do impacto dessa revolução em curso. Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos e ex-presidente da Universidade Harvard, chama a atenção para uma grande diferença entre a automatização de agora e aquela promovida nos anos 1960 e 1970. Naquelas décadas, a intensa modernização da maioria dos setores afetou 5% dos empregos. Desta vez, segundo cálculos de Summers, as novas tecnologias sacrificarão algo entre 15% e 20% dos postos de trabalho.

São estimativas modestas se comparadas com as dos economistas Michael Osborne e Carl Frey, ambos da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Em um já célebre estudo de 2013, e confirmado em 2018, eles afirmaram que, até 2030, cerca de 45% dos empregos americanos poderão ser eliminados.

 

Substituição X geração

Outra variável é a frustração das expectativas quanto à substituição e geração de novos empregos. Imaginava-se que a sociedade pós-industrial seria capaz de gerar ocupações em novos setores, sobretudo ligados à área de serviços, para absorver os trabalhadores deslocados da indústria. Essa perspectiva foi descartada; os equipamentos de ponta são mais utilizados justamente no setor de serviços, onde mais funções estão sendo eliminadas.

Ao mesmo tempo, as ocupações criadas como decorrência dessas tecnologias são em quantidade diminuta. Estudo de 2017 feito no Canadá mostra que, na hipótese mais otimista, os novos empregos não chegarão a 4% do total de postos de trabalho existentes naquele país. Sem contar o fato de que é praticamente impossível prever hoje quais empregos vão surgir nos próximos 40 anos e de que tipo serão.

Para exemplificar este fato, Joel Mokyr, um renomado professor de História da Economia na Universidade Northwestern (EUA), afirmou em entrevista à revista The Economist que há 40 anos era completamente impossível que alguém tivesse previsto que profissões como projetista de videogame ou especialista em cibersegurança seriam importantes no nosso tempo.

Além disso uma coisa é certa: é muito pequena a probabilidade de que surjam novas atividades e profissões nas quais a presença de seres humanos seja imprescindível. Robôs, drones e equipamentos de automação mostram-se cada vez mais sofisticados, aptos a desempenhar um número crescente de funções. Ou seja, não se deve apostar que a criação de postos de trabalho não previstos poderá resolver o problema do desemprego.

 

Medidas de proteção

Dado que a tendência implicada pela automação é certa e irreversível, a geração de empregos vai cair – não se sabe para qual patamar, mas sem dúvida será uma situação dramática. Portanto, a sociedade precisa agir. Quanto a isso, assim como em relação à ameaça do crescimento sem empregos, a situação termina em paradoxo.

Uma empresa ou um país que resolva frear o desenvolvimento tecnológico para evitar uma possível catástrofe – tanto quanto para evitar a extinção de postos de trabalho – acabará perdendo competitividade nacional e internacional. Como consequência, esse país se verá às voltas com o desemprego, pois não terá interrompido a escalada tecnológica de outras empresas em outros países.

O fato é que muitos países estão discutindo a fundo todas essas questões, e alguns, como a Dinamarca e a Finlândia, já implementaram medidas de proteção às pessoas que estão perdendo seus empregos. São muitas as medidas possíveis, mas a que parece estar se consolidando como a principal é a renda básica. Ou seja, o Estado garante uma renda mínima para o cidadão que perdeu seu emprego para uma máquina ou robô.

A situação do Brasil é pior que a média dos países porque já atravessávamos uma situação de desemprego muito alto antes da Covid-19 e a expectativa, agora, é que, quando a situação voltar ao normal, os empregos não voltarão. Isto porque com o preço dos robôs e equipamentos em queda, as empresas vão preferir adquiri-los e colocá-los em funcionamento, pois será mais competitivo e conveniente que contratar seres humanos.

Diante de todo esse cenário delicado, o pior que pode acontecer para um país é não discutir o assunto inteligência artificial. E infelizmente isso é o que acontece hoje no Brasil.

 
Paulo Feldmann é professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP), professor visitante da Pécs University (Hungria) e pesquisador associado da FUDAN University na China. Autor do livro Robô: Ruim com Ele, Pior sem Ele (Trajetória Cultural, 1988). Foi presidente e diretor de várias empresas no Brasil e no exterior.

 

 

 

 

Uma nova forma de trabalhar na pandemia?

Fausto Augusto Junior e Patrícia Lino Costa

A pandemia da Covid-19 pegou o Brasil de calças curtas. Com a economia fragilizada, o mercado de trabalho deteriorado e a desigualdade em alta, o país assistiu o vírus se alastrar, pressionando o sistema de saúde e ceifando vidas, obrigando estados e municípios a adotarem o isolamento, piorando a situação econômica.

Sem ainda sair da primeira onda da pandemia e, segundo especialistas, já no início da segunda, o Brasil passa por um dos momentos mais delicados das últimas décadas. Ampliou-se o crescimento dos problemas do mercado de trabalho: milhões perderam emprego e renda, e é impossível prever o que pode vir pela frente.

O mercado de trabalho brasileiro sempre foi difícil, marcado por desigualdades. De um lado, existe uma mão de obra qualificada e protegida e, de outro, trabalhadores na informalidade e sem acesso à proteção legal, que não terão amparo na doença ou direito a se aposentarem na velhice. Também existe extenso leque salarial, que distancia muito aqueles que ganham salários altos dos que ganham menos. E nem sempre a distância se justifica por cargos e funções diferentes.

O anêmico desempenho econômico dos últimos anos agravou esse quadro. Em 2017 e 2018, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu só 1,3%. Em 2019, o resultado conseguiu ser mais fraco: 1,1%. Nos anos anteriores, a performance esteve pior ainda, com quedas de -3,5%, em 2015, e -3,3%, em 2016.

O que grande parte dos brasileiros sentiu na vida e no bolso é que a economia não saiu do lugar e os problemas do mercado de trabalho se acentuaram, como muitos analistas alertaram. Houve aumento do desemprego e da informalidade – do número de trabalhadores sem carteira, por conta própria e dos subocupados, ou seja, os que trabalham menos do que gostariam e precisam.

 

Desemprego na crise do coronavírus

Entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, a economia brasileira teve queda de -9,7%. Foi uma parada brusca. No mercado de trabalho, os números assustam: mais de 8,8 milhões de pessoas perderam suas ocupações e renda: no primeiro trimestre do ano, havia 92 milhões de ocupados e, no segundo, 83,3 milhões.

A taxa de desocupação (desemprego), no entanto, pouco cresceu. Passou de 12,2% a 13,3%. Isso ocorreu por causa do desalento, situação em que o trabalhador desempregado não busca colocação por estar desiludido com o mercado de trabalho, ou, nesse momento específico, por não acreditar ser capaz de achar uma ocupação na pandemia ou pelo medo de sair de casa e se contaminar com a Covid-19. 

Entre os que ficaram desempregados, grande parte são homens e mulheres negros, de baixa renda, com ocupação informal e precária. Para eles, o isolamento social trouxe o desespero. Sem reservas, ocupação e queda, ou perda, do já minguado rendimento, tiveram que escolher entre a fome ou sair para buscar trabalho mesmo com o risco de se infectar com o coronavírus.

Como muitos saíram da força de trabalho, a taxa de subutilização (que engloba aqueles que trabalham menos horas do que gostariam, os desempregados e os desalentados) saiu de 12,2% no primeiro trimestre para 13,3% no segundo.

Em média, todos os rendimentos aumentaram entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020. Os resultados poderiam ser comemorados, mas, na realidade, isso aconteceu apenas porque aqueles com colocações mais frágeis e informais foram os que mais perderam trabalho. Ou seja, os que tinham menor rendimento perderam as ocupações, enquanto aqueles que ganhavam mais permaneceram ocupados e com salário.

 

A PANDEMIA FEZ CRESCER A IMPORTÂNCIA

DA TECNOLOGIA PARA TRANSFORMAÇÃO

DO TRABALHO

 

Home office

Enquanto muitos perderam os postos, outros trabalhadores foram para o home office, para fazer de casa as tarefas que executavam no escritório. A pandemia fez crescer a importância da tecnologia para a transformação do trabalho. Há muito se fala que o smartphone e o notebook, por serem portáteis, poderiam ser levados para casa e que a jornada se estenderia por meio de chamadas e relatórios feitos à distância. Na pandemia houve, para muitos, a necessidade de transformar um canto da casa em escritório e realizar dali o trabalho antes desempenhado na empresa.

Do total de ocupados no Brasil, no segundo trimestre, cerca de 10,4% trabalharam de casa. Desses, 56% eram mulheres, 66% brancos e, a maioria, 74%, tinha ensino superior. A maior parte também, 74%, que estava em home office possuía casa própria e 32% ganhavam mais de três salários mínimos. Mas, apesar de manterem os empregos, esses trabalhadores foram expostos a jornadas bastante extensas, sem espaço adequado e mobiliário ergonômico. Para as mulheres, principalmente, houve confusão entre afazeres domésticos e trabalho profissional, sobretudo com filhos em casa por causa da suspensão das aulas.

 

Soluções digitais

A Covid-19 antecipou e acentuou mudanças no mercado de trabalho. O home office, sustentado pela tecnologia, parece ter vindo para ficar. Muitas empresas já se desfizeram de espaços físicos visando reduzir custos. A chamada economia de plataformas ganhou força com o e-commerce e as entregas por aplicativos.

Inovações tecnológicas aceleram a substituição de trabalhadores por soluções digitais. Para aqueles de baixa renda, sobram cada vez menos opções de trabalho de qualidade, como o serviço doméstico e as entregas por meio dos aplicativos.

A pandemia explicitou e delineou um pouco mais as desigualdades do mercado de trabalho brasileiro.

 

Fausto Augusto Junior é sociólogo, doutor pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), e diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Patrícia Lino Costa é economista, mestre em economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e supervisora da produção do Dieese.

 

 

revistae | instagram