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Novos rumos da universidade

Cecília Bastos
Cecília Bastos

REITOR DA USP APONTA NECESSIDADE DE MUDANÇAS CURRICULARES, INVESTIMENTO EM TECNOLOGIA E COOPERAÇÃO

 

Neste ano, a educação superior no Brasil enfrentou inúmeros desafios devido à necessidade de interrupção das aulas presenciais e de adaptação ao ensino remoto. Foi necessário desenvolver e aplicar rapidamente ferramentas de ensino a distância para professores e alunos. Além disso, grupos de pesquisa focaram todos os esforços em estudos sobre a Covid-19. Esse foi o caso da Universidade de São Paulo. “Pode-se dizer que, na USP, mais de 250 grupos de pesquisa adaptaram seus estudos ou começaram novos estudos em temas correlatos, temas que abrangiam a Covid-19. Não apenas na área da saúde, mas em todas as áreas de conhecimento”, diz o engenheiro civil Vahan Agopyan, reitor da instituição. Para Vahan, 2020 não deve ser reconhecido como um ano “perdido”, pelo contrário: “Este é um ano em que aprendemos muito como sociedade e como universidade. Então, o que a pró-reitoria de graduação da USP está fazendo é um esforço grande de propor revisões, inclusive dos currículos, e transformar as aulas presenciais, que são imprescindíveis numa universidade de pesquisa, em aulas mais produtivas, utilizando as ferramentas que agora nós já sabemos usar de uma maneira melhor”.

 

Adequação imprescindível

Quando a pandemia foi de fato reconhecida como tal, as universidades de pesquisa tinham um desafio grande pela frente. Primeiro, não podíamos frustrar os alunos, porque esses jovens estão se preparando para abraçar uma profissão, uma decisão de vida. Segundo, não podíamos frustrar a sociedade, que, depois de uma pandemia, necessita de profissionais competentes que universidades de pesquisa como a USP preparam. Por isso, eu diria que a maioria esmagadora das universidades de pesquisa no mundo tomaram uma decisão muito difícil: se adequar ao ensino a distância e fazer o possível. Terceiro, não somente manter como também acelerar as pesquisas para o combate à Covid-19. No caso da USP, quando decidimos, em meados de março, parar as aulas presenciais, em duas semanas 92% das disciplinas estavam sendo oferecidas de uma maneira remota. O que chama a atenção, porque nós somos quase seis mil docentes e uma parte já utilizava algumas ferramentas, por exemplo, a minha disciplina já utilizava há 20 anos ferramentas para termos um contato contínuo com os alunos, mas outras não. E, de uma maneira rápida, os docentes assumiram esse compromisso de garantir aos nossos estudantes uma formação da melhor maneira possível, não a ideal, porque queremos que nosso ensino seja oferecido num ambiente de pesquisa.

 

Pesquisas e mais pesquisas

Pode-se dizer que, na USP, mais de 250 grupos de pesquisa adaptaram seus estudos ou começaram novos estudos em temas correlatos, temas que abrangiam a Covid-19. Não apenas na área da saúde, mas em todas as áreas de conhecimento. Porque só se consegue enfrentar essa pandemia com grupos multidisciplinares. Na área da saúde, temos grupos trabalhando com vacinas internacionais e com algumas vacinas nacionais, outros estudando medicamentos e tratamentos. Além de grupos na área da tecnologia que estão desenvolvendo equipamentos, como respiradores e ventiladores que já estão em uso em vários hospitais do Brasil. Há também grupos preocupados com a parte social e psicológica da população, um aspecto muito sério. Então, todas as áreas de conhecimento estão trabalhando juntas para combater essa pandemia. Temos um caleidoscópio de profissões trabalhando em conjunto para encontrar uma solução. Mais do que nunca se mostrou a importância das pesquisas multidisciplinares e a importância de conseguir resultados rapidamente. Mais do que nunca, vimos que a pesquisa tem a necessidade de atender às demandas da sociedade. Ficou muito claro para nossos pesquisadores e orientadores.

 

 

Pela frente

O ano de 2020 está sendo difícil, mas não é um ano perdido. Este é um ano em que aprendemos muito como sociedade e como universidade. E o que nós esperamos para o futuro? Eu digo que em 2021 não podemos retornar às atividades como se fosse 2019. O próximo ano tem que ser obrigatoriamente melhor que 2019. Esse é nosso compromisso e nossa obrigação, como gestores, de conseguir oferecer, no ano que vem, uma universidade melhor do que nós tínhamos em 2019. Na área de ensino, os nossos alunos e os nossos professores se prepararam para usar essas ferramentas novas. E nossos alunos se beneficiaram dessas ferramentas. Esse é um ponto importante. Então, o que a pró-reitoria de graduação está fazendo é um esforço grande de propor revisões, inclusive dos currículos, e transformar as aulas presenciais, que são imprescindíveis numa universidade de pesquisa, em aulas mais produtivas, utilizando as ferramentas que agora nós já sabemos usar de uma maneira melhor.

 

MAIS DO QUE NUNCA SE MOSTROU A IMPORTÂNCIA

DAS PESQUISAS MULTIDISCIPLINARES E A IMPORTÂNCIA

DE CONSEGUIR RESULTADOS RAPIDAMENTE

 

Cooperação expandida

Apesar dessa restrição de mobilidade, a interação aumentou muito. O que era concorrência se tornou uma cooperação. Isso foi muito importante. Em outubro, criamos o Centro de Inteligência Artificial, que tem o patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da IBM. Dezenas de grupos de pesquisa reúnem-se nesse centro para trabalhar conjuntamente. O pró-reitor de pesquisa está trabalhando no sentido de conseguir montar, ao juntar outros grupos de pesquisa, mais centros até o começo de 2021. E, na área de pós-graduação, nós tivemos uma revolução: as defesas de tese começaram a ser feitas virtualmente. Isso permitiu que conseguíssemos ter membros das bancas julgadoras do exterior. Temos defesas sendo feitas em inglês, porque temos colegas nossos da Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos e Japão participando. Essa riqueza que há na troca de experiência não podemos perder. Dessa forma, o que era uma exceção por causa da pandemia, o pró-reitor de pós-graduação está trabalhando para conseguir tornar um hábito. Assim, nossos estudos de pós-graduação terão cada vez mais interação no ambiente acadêmico internacional.

 

Inclusão para desenvolvimento

Outra questão é a desigualdade social e como a universidade se comporta diante desse fato. Ao longo do tempo, a universidade tentou se inserir mais na sociedade, buscando a inclusão social também na própria universidade. Esse relacionamento cresceu de maneira vertiginosa em 2020. Acredito que a sociedade compreendeu que a universidade faz parte da solução de seus problemas e que a inclusão social, que já tinha começado, foi muito importante. Quando falo em inclusão social, eu falo que há mais de 15 anos criamos mecanismos para essa inclusão. E, há quatro anos, começamos a ter mecanismos mais proativos, criando reservas para os alunos que vêm do ensino público. Por exemplo, no vestibular do próximo ano, 50% dos alunos ingressantes, tanto da Fuvest quanto dos exames do Enem, virão de escolas públicas, e desses, um terço das minorias raciais. E essa inclusão que já começou há quatro anos foi importante para a universidade se enriquecer mais e interagir ainda mais com a sociedade. Essa é uma tarefa muito importante: dar oportunidade a esses jovens que são muito talentosos. Logicamente a universidade tem que ajudar esses alunos, então nós tentamos integrá-los através do esporte, da cultura, do apoio de carreiras, apoio psicológico. Inclusive como nós já tínhamos alunos com mais necessidades financeiras, a universidade, para garantir o ensino remoto, teve que oferecer a um grupo de alunos chips e modems para que eles pudessem ter acesso às aulas.

 

VAHAN AGOPYAN esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E no dia 22 de outubro de 2020.

 

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