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A mídia ajuda ou atrapalha as manifestações culturais?

Mario Vitor Santos
O Processo decisório está em poder da mídia

Na sociedade de massas, a mídia é em si parte integrante do fato cultural. Em grande medida, os eventos na área da cultura só "têm lugar" quando são admitidos na pauta de reportagens a serem divulgadas pelo jornal.

Eles dependem da aprovação de toda uma hierarquia de profissionais até ganharem as páginas das edições dos informativos em suas mais diversas formas. O processo de tomada de decisões baseia-se em grande parte no universo de valores das pessoas que o fazem. É com base em sua formação e preferências, em seus preconceitos e ignorâncias, que os assuntos são selecionados na pirâmide burocrática e acabam chegando às páginas de uma publicação de peso como a Folha de S. Paulo.

Dependendo de sua competência ou esperteza, as pessoas envolvidas com a promoção de eventos têm consciência da importância de se interferir nesse processo de tomada de decisões, influenciando o jornalista favoravelmente a determinada manifestação cultural.

Frequentemente, essa interferência consiste em propiciar mais informações referenciais de forma a que o jornalista possa se sentir seguro a respeito da decisão de chancelar ou não determinado evento.

Por causa da influência de fatores como competição entre veículos e das condições de trabalho, as redações tendem a ser locais de razoável paranóia. Como em muitos desses ambientes, a tendência dos profissionais é optar pela decisão que os exponha menos, a que oferece menos riscos.

No processo decisório, algumas perguntas feitas, sem que ocorram necessariamente nessa ordem, são: "Esse assunto é importante?"; "Para quem?"; "Esse é um assunto que culturalmente merece destaque na minha publicação?" E a pergunta fundamental: "Em termos de imagem para minha publicação, é adequado que se dê destaque a esse assunto?"

O caminho para chegar às respostas é complexo e mutante. A maior fonte de informações deveria ser o próprio autor da obra - frequentemente é. Muitas vezes é o autor quem tem melhores condições de "explicar" a importância cultural de sua obra.

Mas o jornalista tende com frequência a dar crédito a outras fontes, supostamente menos envolvidas com o objeto. É importante, nesse momento, o recurso à opinião de outras publicações, às vezes estrangeiras, críticos, estudiosos (em geral, da universidade).

Como se vê, a mídia tende a reproduzir a tradição, o já sabido, ao decidir o que deve ser levado ao público. Ela abre mão amiúde de um compromisso com a renovação de valores e idéias, da introdução de novos temas e enfoques no espaço público, por ignorância e puro medo.

O compromisso com a amplidão dos limites do que se considera aceitável no terreno do jornalismo cultural deveria estar presente em todos os momentos, por mais obscuro e inseguro que esse caminho possa parecer, pois é dessa matéria que se alimenta o próprio fenômeno cultural. Se a verdadeira arte busca testemunhar a verdade, ela não pode senão auxiliar o jornalismo.

Isso, porém, representa apenas exceção. Aliás, representa uma contradição com a própria noção de identidade de um veículo, com a sua "imagem", construída com frequência para preencher expectativas mercadológicas, para ocupar espaço na competição empresarial.

A chamada reportagem cultural deveria estar permanentemente buscando, pela divulgação de trabalho, uma dimensão de renovação e de integração, ou seja, de pluralismo e tolerância, em que não se excluam o que está fora e o que está dentro do país, o passado e o moderno, o transcendente e o imanente.

Mario Vitor Santos é ombudsman da Folha de S. Paulo

Maria Bonomi


Informações dispensáveis aumentam a pobreza cultural

Neste final ou início de milênio, convivemos com um fenômeno sui-generis, totalmente comum a todas as áreas do conhecimento: a mais completa ausência de contornos claros; a impossibilidade de definição frontal; a inexistência de conceitos definidos; a impotência da identificação verdadeira de qualquer coisa. Estamos mergulhados em brumas éticas e políticas, em pegajosa gosma focal (ou fecal). Enfim, ser ou não ser não é mais a questão. Aliás, tanto faz como tanto fez. Diante disso, com devastadora eficácia, a mídia se inaugurou como agente e reagente autônomo de todas as atividades de pensamento. Aumentando assim as névoas da contemporaneidade relativas a qualquer assunto... Por disfunção ou mau função, constatamos que a mídia gerou o mais aberrante modelo de cultura para a aldeia global. Colocou como soberano único da visibilidade e do reconhecimento público o vácuo existente e instalou-se plenipotenciária no centro da nebulosa comunicação. Mas sem competência. Daí o marasmo reinante. Cabe a pergunta: é essa a sua função? Ou é por um excesso de disponibilidade das mentes e espaços calados por 25 anos de ferrugem totalitária? Despreparada, a mídia não pode formar. Apenas, e muito bem, apenas, informar. Coisas bem diferentes. Divulgar, mas não estabelecer a existência de processos culturais ou experiências cognitivas. Serve para promover sim e iluminar acontecimentos da criatividade em qualquer linguagem, mas não divinizar, como tem feito, questões sem permanência nem fundamentos de qualidade. Daí os efeitos escabrosos que se implantam, subvertendo até nossas universidades e tudo o mais que carece de inteligência e honestidade históricas. Quando as atividades culturais desabrocham - por elas mesmas - cabe à mídia fazê-las acontecer em sua plenitude. Mas é impossível "inventar" uma fenomenologia cultural. Ela surge de uma série de conjunções e fermentações inesperadas, porém essencialmente autênticas e autônomas. A mídia inteligente e honesta as valoriza, destaca-as, coloca-as num plano "próximo" para que sejam acessíveis ao público fruidor.

No entanto, a poucos milímetros de distância coexistimos com uma mídia desvairada e impune, que (por razões invariavelmente mercadológicas ou políticas) se intitula Formadora de Cultura e cria artificialmente bases de pensamento e plataformas de opinião totalmente espúrias. Impinge qualquer lixo à população a golpes de promoção e propaganda maciça. Ídolos, comportamentos, consumo, esperanças e ódios, conforme os interesses vigentes. Com raras exceções, invariavelmente exercida por elementos incultos e oportunistas, que desconhecem que o poder da comunicação está sujeito a princípios éticos. (Surpreende, no entanto, a "classe dirigente" desse poder. Ignorância não é um fato irremediável, concupiscência comodista e distorção de conceitos democráticos sim. Hoje, dentro da mídia, não há escolha. Convivemos com a cultura do "parecer" em detrimento da cultura do "ser". Não havendo cobranças muito fortes por parte dos que ainda conseguem pensar, tudo ficou genérico, mais ou menos palatável, engolível, quando bem polido, basta não refletir. Mas pergunto: reflexão onde? Com que suporte? Em que mídia?

Rogamos que sobreviventes e culpados, de todos os cargos e escalões, que sacudam a preguiça e o conformismo intelectual, arregacem as mangas e cada um detone o sistema sufocante e emburrecente da mídia que lhe é mais próxima.

Retomar o leme na mão em direção à lucidez e à verdade é hoje um gesto necessário de autoconservação, urgente. Ou esta é também uma exortação genérica?

Maria Bonomi é artista plástica

Roberto Romano


A mídia é consequênciada retórica grega

A mídia herdou uma atividade arcaica da cultura humana, a retórica, dirigida para a gênese e controle da "opinião pública". Os oradores gregos, mestres na arte de persuadir, seguidos pelos romanos, sabiam perfeitamente que o povo precisaria ser "cativado". Caso contrário, as causas políticas, religiosas, econômicas e morais estariam perdidas. O fundamental nas lições de retórica política e jurídica era ensinar a "captação da benevolência" dos ouvintes. Os sofistas, grandes manipuladores da retórica, conheciam todos os truques requeridos pela arte. Não por acaso, a ciência grega, nos seus inícios até Platão e Aristóteles, lutou contra esses fazedores de cabeça. Ou temos "opinião", ou nos instalamos na ciência, diziam os filósofos. A primeira, afirmavam, é arbitrária, instável (muda conforme os humores do público e do gosto), incerta (por isso, o seu exercício favorito é o palavrório interminável). A ciência, por seu lado, após corrigir os sentidos e a opinião, é um saber constante e certo (epistême). Como a poesia e as artes se aproximaram da retórica, Platão expulsou os poetas da República, porque eles "prejudicariam" a educação popular.

Mas poucos cérebros são capazes de ciência. Os homens sempre precisam de convencimento. E mesmo Platão, que combateu a retórica e os artifícios poéticos, defende, ao longo de seus diálogos, técnicas de persuasão mais ou menos honestas. O filósofo diz que os dirigentes da cidade podem mentir (e só eles têm a liberdade de fazê-lo) em proveito do Estado. Nas Leis, ele chega a propor o uso do vinho para embebedar os dirigidos, ajudando assim na tarefa de persuadi-los. Os espetáculos teatrais também serviriam, segundo as Leis, para formar uma crença forte dos cidadãos nas instituições. Com Platão o teatro, pela primeira vez na história, foi entendido enquanto arte e propaganda...

No século 16, Etienne de la Boetie acentuou um outro lado da cadeia que opera na retórica. O famoso Discurso Contra a Servidão Voluntária mostra que o fato de ser persuadido não é algo totalmente exterior: o desejo de ser enganado brota no mais íntimo dos indivíduos e multidões. Ninguém "convence" ninguém contra o seu querer. Temos, pois, nas teorizações mais antigas sobre a cultura, uma idéia muito complexa sobre os fenômenos da persuasão e da atividade artística e teórica. Hoje, as análises se tornaram ainda mais amplas e abrangentes, impedindo todo tratamento bi-unívoco ou linear. O público não é morta realidade passiva, e os agentes da mídia não são demiurgos onipotentes.

Ninguém deixa de emprestar formas teatrais, pictóricas, escultóricas, arquitetônicas. Mas, para aceitar produtos culturais novos, é preciso que todos sejam convencidos, começando com o persuasor. Por outro lado, nenhuma forma de pensar vem totalmente de fora, sendo absolutamente estranha aos usuários e geradores de cultura. Essa dialética foi estudada por etnólogos importantes, como André Leroi-Gourhan, no pêndulo entre o empréstimo e a invenção. Richard Sennett (confira O Declínio de Homem Público, Cia. das Letras) tem razão ao dizer que nas redes televisivas e no rádio existe apenas uma fala real: a do jornalista. Mas estamos vivendo uma transformação neste plano. Com a Internet, os recursos interativos mostram enorme potencialidade. Claro: sempre é possível impor formas de ver, olhar, sentir. Mas esses defeitos já estavam presentes na retórica. Esta adquire novos meios (na Grécia, o "instrumento" era o próprio corpo do orador ou do artista, donde a estranheza com o "deus ex machina"). Hoje, o rosto e as mãos do orador foram substituídos pelos teclados de um IBM ou Macintosh. Resta o fato de que a cultura, como o amor, exige pelo menos dois elementos ativos (Sartre). Desse modo, ambos produzem os fatos culturais.

Roberto Romano é professor-titular de Filosofia Política na Unicamp

Bernardo Ajzenberg


O dono do palco vai ser eternamente o artista

Já muito se escreveu e há tempos se consagrou que cultura é, gostemos ou não, um fato de mercado. Fato cada vez mais consolidado, massiva e internacionalmente, de modo irremediável. A mídia, por sua vez, é também parte do mercado, mantendo com a cultura relações ora de parentesco próximo, ora de pura promiscuidade. E isso para, cautelosamente, não dizer que a mídia pura e simplesmente faz parte da produção cultural, confundindo-se, portanto, com esta última. Qualquer que venha a ser a visão a respeito desse estreito relacionamento, não se deve, de modo algum, pensar um fenômeno isolado do outro.

Está claro que a mídia, em particular o rádio e a televisão, por sua escala de abrangência, forma público. Na verdade, não só forma como depende disso para sobreviver. O público é o seu consumidor, e consumidores, diz a velha regra do mercado (olha ele aí de novo!), não caem do céu.

Posto isso, não é necessariamente verdadeiro dizer que os meios de comunicação, de modo geral, por formarem público, formem também cultura. São dois movimentos históricos, por assim dizer, que correm em faixas distintas.

Rádio e televisão, por exemplo, ampliam o público de determinadas expressões culturais, incutem gostos e preferências - muitas vezes duvidosos - transformam gêneros pobres e insossos em explosão de moda. Mas nem um nem outro podem se transformar em criadores do objeto ou da mercadoria cultural posta em circulação.

Nesse item, os artistas são insubstituíveis, bons ou ruins, não importa, mais ou menos influenciados pelas "tendências" do mercado, não vem ao caso. Eles, sim, é que formam cultura. Para deixar mais claro: a mídia pode ser determinante para a quantidade de público presente em um show, por exemplo. Mas é incapaz de definir a qualidade daquilo que será apresentado no espetáculo. Sobre o palco, onde o artista é, e continuará a ser, ao menos em tese, o único soberano.

Indo mais longe: ao longo da história, considerando-se uma escala de tempo mais ampla, a própria mídia é obrigada, mesmo com atraso, a acomodar no seu interior vertentes culturais que antes julgava espúrias, trata-se, para ela, de uma questão de sobrevivência.

Segundo o mesmo raciocínio, deve-se concluir que o poder de consolidação na história aqui atribuído à criação cultural é, em suma, mais profundo, mais permanente, do que o poder de expansão e divulgação momentâneo, circunstancial, conquanto monstruoso, da mídia.

Há um jogo de gato e rato entre mídia e cultura. Uma disputa permanente, inevitável. Mas esse embate é em grande parte enganoso, pois, na verdade, na passagem do tempo, inexistem vencedores ou vencidos.

Se é verdade que a mídia tem no presente um considerável poder de estrago, o qual obviamente deve ser sempre combatido, a longo prazo não há mesmo outro jeito: sendo ambas (mídia e cultura), em última instância, partes de uma única e maior produção, as forças em choque tendem a se anular, ficando para o futuro, em que pesem as modas criadas no/pelo mercado, aquilo que realmente fizer por merecer a permanência.

Pode ser que o autor destas linhas ainda tenha de pagar um dia por essa espécie de otimismo histórico. Paciência! Quando a fatura chegar, se for o caso, ele certamente já estará morto e enterrado.

Bernardo Ajzenberg é escritor, jornalista, secretário de redação da Folha de S. Paulo e diretor da Agência Folha

José Castello


O mundo jamaisserá um mar de rosas

Perguntam-me se a cultura acontece por si, ou se a mídia que a constrói. Nada a acontece por si. O clichê dominante diz que, no mundo interligado de hoje, não há mais espaço para refúgios, para acontecimentos solitários, para eremitas. A cultura não é mais o que teria sido no século 16, quando o Renascimento se firmava, ou mesmo no 19, que se estende, provavelmente, até as vésperas da primeira guerra mundial. Até os projetos intimistas, as experiências solo, as aventuras introspectivas vêm marcados, agora, pelas sombras de um mundo que se interliga e se torna cada vez menor. E a mídia - designação geral para os meios de comunicação vocal - é o principal instrumento técnico dessa conexão. Os saudosistas, decepcionados, suspiram.

Tudo isso é verdade, mas é meia-verdade. Desde as épocas primitivas, a cultura é o resultado da combinação e entrechoque de conquistas técnicas, meios expressivos, mentalidades, dilemas teológicos, questões filosóficas, avanços de linguagem, costumes, estéticas que não têm, nunca tiveram, autonomia. Muitos antes do mundo interligado pelas tecnologias de ponta de hoje, desde os tempos mais remotos, sempre estivemos prisioneiros de uma palavra: a história. Não há como negar que, com o avanço tecnológico de hoje, a malha se adensou e os espaços de filtragem se estreitaram. Mas a malha sempre existiu e a cultura é isso: um complexo de padrões de comportamento, crenças, hábitos e valores que sustenta, desde a Idade da Pedra, nossa noção de humanidade. Um grande magma em que flutuamos e dentro do qual nos tornamos homens.

Nos tempos dos satélites, dos computadores, dos aparelhos de fax, da Internet, dos jatos supersônicos, da TV a Cabo, das redes mundiais de televisão, das informações em tempo real, é evidente que as fronteiras entre os diversos artefatos culturais diminuem e que o mundo da cultura se torna cada vez menor, tendendo à unificação. Mas há sempre a contrapartida. Interligando o mundo, as diferenças se fortalecem, as minorias afirmam suas vozes, as noções de pluralismo, democracia e diversidade se tornam cada vez mais influentes. A grande rede da mídia traz, dentro de si, as armas de sua contestação. O mundo jamais será um mar de rosas, em que poderemos navegar em paz. Haverá sempre conflitos, entrechoques, contradições, impasses. Isso, a rigor, é a cultura.

Quanto mais a mídia pressiona com seus padrões de aferição, suas escalas universais de valor, suas normas de conduta, suas aspirações de normalidade, mais as diferenças ganham nitidez, mais os contrastes se agravam. Depois, a evolução da mídia torna o mundo cada vez mais acelerado e, se por um lado os mecanismos de controle aumentam, as possibilidades de transgressão também se multiplicam quase ao infinito. Tome-se o exemplo mais radical da Internet: hoje, ela é uma estrada que leva a toda parte, um feixe de caminhos virtuais que conduzem a um emaranhado cada vez mais complexo de possibilidades e de alternativas. A cultura que se unifica é, também, a cultura que se fragmenta.

Por isso, é cada vez mais rançosa, mais inútil, a idéia de que a mídia "controla" a cultura e que, nessa cultura de massas controladas, somos apenas bonecos, objetos de um Grande Desejo neutro, impessoal e insuperável. Existem, sim, mecanismos de controle e de poder cada vez mais sofisticados, que estendem seus tentáculos por todo o universo cultural - e aqui não se deve pensar só na cultura estrito senso, mas na cultura como um caldeirão em que todos navegamos. Mas, nas frestas desses sistemas de poder, multiplicam-se também os sistemas de subversão, de dissonância, de contestação, de inquietação.

Navegamos, hoje, em uma cultura cada vez mais inquieta, mais fragmentada, mais acelerada - cada vez mais distante da idéia de rebanho e uníssono. Os apocalípticos, para usar a expressão de Umberto Eco, opõem-se agora à expansão da Internet. Mas ser "contra" a Internet, parece-me, é tão insensato - e inútil - quanto ser contra o telefone, ou o avião. Devemos estar atentos, sim, para os usos que a humanidade faz das tecnologias que constrói. Mas também tirar proveito delas, manipulá-las a nosso favor, incorporá-las a nossos hábitos, até porque são inevitáveis.

A mídia constrói, sim, a cultura, mas é um jogo de dupla face - hoje se diz: de interface, de estrada de mão dupla, de abismos. Por isso, é nos intervalos, nas frestas, nas rugas do velho desejo de poder total que a diversidade e a liberdade se afirmam. A cultura o que é? É tudo isso, ou será apenas uma palavra vazia.

José Castello é escritor

Yakoff Sarkovas


Esbanjando arteguiado pela mídia

Uma velha máxima diz que não há marketing que salve um mau produto.

É difícil enganar a distinta platéia. Truques promocionais não regeneram espetáculos, livros ou filmes ruins. Já a recíproca não é verdadeira. Grandes trabalhos acabam deixando de atingir seu público por falta de uma divulgação adequada.

Mesmo o mais voraz consumidor cultural não consegue dar conta de parcela da quantidade e diversidade da oferta em uma cidade como São Paulo. A cada semana, uma enxurrada de filmes, peças de teatro, concertos, shows e exposições entram e saem de cartaz em meio a centenas de discos, livros e vídeos que são lançados. A sensação de perda é permanente.

A mídia é um grande guia, nessa selva de opções. Ela transmite as referências que permitem a cada um situar suas escolhas. Quanto mais abrangente for sua cobertura, melhores serviços estará prestando.

Mas nada é mais poderoso do que o trabalho artístico, quando conquista seu público e passa a ser propagado por ele. Todos que trabalham na área cultural sabem que o fator que produz concretamente um sucesso é o chamado boca-a-boca. Para isso, é necessário arregimentar as primeiras bocas. E quanto mais forem, maior será a cadeia de divulgação. Por isso, a fase de lançamento é fundamental.

A comunicação dos produtos culturais tem de ser planejada, tal como ocorre com qualquer outro produto no mercado. Cada atividade deve merecer um estudo sobre os meios e mensagens mais eficazes para atingir seu público-alvo.

É quase um milagre criar, produzir e apresentar obras artísticas no Brasil, onde as fontes de financiamento à cultura são tão escassas. Superando adversidades, muitos trabalhos são concluídos, mas acabam tendo uma carreira inexpressiva por erros de distribuição e de divulgação. São patrimônios artísticos que desaparecem sem que seus potenciais de fruição pública tenham sido aproveitados.

É a contribuição do meio cultural à cultura nacional do desperdício.

Yacoff Sarkovas é produtor cultural

Rodolfo Konder


A Imprensa é fator essencial para construção da sociedade

Empurrado pelas forças do destino - e de um golpe militar - tornei-me jornalista em 1965, ao retornar de um primeiro exílio vivido no México e no Uruguai. Regressei clandestinamente ao Brasil, atravessando a fronteira em Rivera e Santana do Livramento.

De lá para cá, fiz quase tudo dentro das fronteiras jornalísticas. Fui repórter de O Dia e A Notícia, redator e repórter da revista Realidade, editor internacional da Visão. Na volta do segundo exílio (vivido no Canadá e nos Estados Unidos, entre 1976 e 1978) trabalhei como redator na Revista Nova. Durante dois anos, em Montreal, fui redator e locutor da Rádio Canadá. Em São Paulo, também fiz rádio, na Gazeta. E televisão, na Gazeta e na Cultura. Além disso, passei pelas revistas Afinal e Isto É, colaborando com Leia Livros, Opinião, Singular e Plural, História, entre outras publicações. Como se vê, percorri um longo percurso que me deu alguma intimidade com o mundo - às ve-zes atraente, às vezes lastimável - da imprensa.

No campo do rádio, impressionam a agilidade e versatilidade, mas, como dizia o saudoso Santiago Dantas, "palavras, o vento leva...". A informação, a opinião, a reportagem, tudo ali é passageiro e vem com a marca do efêmero. Importante, sim. Essencial até. Mas efêmero.

Nos espaços da televisão, o sucesso cria "instant celebrities", alimenta vaidades, forja ilusões. O esquecimento, porém, também chega de um manto diáfano - a superficialidade. Importante, sim. Até essencial. Mas superficial.

O jornalismo impresso é o mais contundente, porque as palavras escritas, como cavalos alados, investem, mordem, escoiceiam. Geralmente, investem contra as verdades oficiais, escoiceiam os burocratas, mordem os torturadores, atiçados pelos sonhos dos jornalistas.

A imprensa em geral reflete como um grande espelho a sociedade à sua volta. Exibe seus traços mais atraentes e também suas imperfeições. Mostra sua ética e seus preconceitos. Como um espelho, revela-nos quem somos. Permite que nos identificamos. Forma e eventualmente é irritante e irresponsável. Mas desempenha papel insubstituível, tem função indispensável no delicado e insondável processo de crescimento e amadurecimento das sociedades. Com ela, erramos, mas podemos corrigir os erros. Sem ela, estamos condenados a repeti-los pelos tempos afora.

Rodolfo Konder é secretário municipal de Cultura

Ricardo M. Fernandez


Nossa próxima atração pode ser o branco total

Sobrevivemos em uma sociedade onde o real ou a verdade, não podem mais ser encontrados.

Tudo está atravessado pelo excesso, como o hiper-realismo, em que a reprodução da paisagem é perfeita, mas pela sua perfeição, ela extrapola o real e avança criando outra realidade.

A mídia tem como função primeira a exposição do real, a interpretação dele. Função primordial hoje inoperante. As teorias da comunicação nos falavam do emissor - mensagem - receptor: equação de primeiro grau de simples solução. Hoje, o emissor se dissolve entre outros milhões de emissores, entre infinitas mensagens soltas e endereçadas a possíveis bilhões, a equação se torna insolúvel. As telas, pelo seu excesso, transformam-se em espelhos, cuja única possibilidade são os reflexos de narcisos, a paralisação narcísica, os efeitos narcóticos. Idéias e incoerências.

1-A explosão de Tiriricas, garrafas, tragédias, fome e guerras têm o mesmo valor, reafirmando a dissolução do real, pela valorização idêntica de todos os fatos. No mesmo programa, intercalados, o preconceito - escancarado pela boca sem dentes - a obscenidade de objetos cotidianos e seus fetiches sexuais, a multidão esquelética jogada nas ruas e o vulcão em erupção anulam qualquer possibilidade de emoção. Somos (ser e não estar!) grudados às telas, reflexos de tudo isto. Nada gera o pensamento, nada atinge o espirito (o que é isso?). Enfim seres realizados, absolutos em sua inoperância. As mídias não criam platéias, somente as reproduzem em clonagens simples como apertar botões em zappings, como viagens intermináveis pelos sites, que recusam desconectar-se da rede.

2- Ao mesmo tempo, nessa civilização atlântica, sobrevive uma incógnita na equação. Por mais que a maior rede de televisão insista na exposição de fatos corruptos, seu efeito é contrário. A corrupção ao invés de esvaziar os templos, deixa-os cada vez mais abarrotados. A ética esfacelada revela outra moral, a corrupção é a medalha que diferencia as ovelhas, que as dignifica e as transforma em nossos guias.

3- A explosão de TVs a cabo e suas programações dirigidas buscam cada vez mais destruir o conteúdo e amplificar a nitidez do reflexo. Cada canal, cada site, cada página de revista ou jornal fala somente daquilo que queremos e podemos ouvir, o resto se dissolve, na surdez e visão histéricas de cada platéia.

4- Sobrevivemos em tribos, retornando a pré-história. Quanto maior o número de informaçãoes circulando, maior o número de aldeias que desconhecem os ocupantes do território vizinho. Onde se encontra o saber? Nas revistas onde poucos textos e profusão de imagens reproduzem as telas? Nas livarias que se transformam em pontos de encontro aos domingos, em uma balbúrdia onde o livro nas gondôlas é como o sabão em pó que cria o branco total?

5- A mídia cria o branco total: fusão de todas as cores, transformação em cor nenhuma.

A vizinha do lado, através das paredes mínimas e transparentes dos modernos edifícios, afirma com ênfase ao marido: "O grande absurdo hoje é acreditar na coerência... O resto desaparece pela reportagem do prefeito e suas negociatas com frangos."

Emissor nenhum, mensagem qualquer, receptor total. Ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ruídos ...

Ricardo M. Fernandez é técnico do Sesc