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Bem-estar
A dança de salão
Uma das canções mais executadas no mundo, o bolerão "Besame Mucho" não tem mais o apelo de algum tempo atrás, quando fazia estragos nos salões de baile, levando a juventude das décadas de 50 e 60 a atar e desatar paixões dançando de rosto colado. Relegado a festas de debutantes e "saral da saudade", sem o brilho das orquestras de outros tempos, o bolero e muitos outros ritmos que infestavam as pistas mais badaladas sobrevivem do saudosismo dos mais antigos que, entre um suspiro e outro, vivem a declamar: "Meu filho, aquele tempo é que era bom..."
Mas, para deleite dos nostálgicos e alegria dos mais novos, os ritmos em perigo de extinção, como o bolero, o tango e o fox-trote, resistem ao tempo e são transmitidos de avô para neto nos cursos de dança de salão oferecidos às centenas por toda a cidade e que se popularizaram muito de alguns anos para cá.
A prova de que o público está ávido para aprender a cadência dos passos antigos é verificada na enorme frequência dos cursos oferecidos pelo Sesc, em quase todas as unidades da capital e do interior. Os preços acessíveis, bem abaixo do que é cobrado no mercado, atraem muitos interessados em sacudir o esqueleto e aproveitar os deliciosos benefícios fornecidos pela dança.
Exercício e Terapia
Mas, qual o motivo que leva uma pessoa a se inscrever em um curso de dança de salão? "A morte do meu filho em um acidente da moto há dois anos", responde o aposentado como fiscal da Secretaria da Fazenda, Otávio de Araújo Lopes, de 66 anos. "A dor foi tão grande que eu procurei alguma atividade para espairecer e esquecer da vida." Depois que começou a frequentar o curso de dança de salão do Sesc Consolação, 'seo' Otávio diz que mudou de vida. Se antes andava acabrunhado e triste, "hoje tenho muito mais alegria de viver. Meu otimismo e astral melhoraram muito."
Na classe de cerca de 50 alunos da professora Simone, ele é um dos destaques. A pedido da mestra, à frente da turma, demonstra aos demais cavalheiros como o difícil passo da gafieira deve ser executado. Durante o exercício, 'seo' Otávio parece um general. Ao comando da ordem "contra-tempo... contra-tempo", os homens repetem com alguma dificuldade o bê-a-bá da gafieira. "Para chegar a esse estágio, eu me dedico muito, inclusive treino em casa para fixar os movimentos." Além de dançar às segundas-feiras no Sesc Consolação, comparece às quartas e sextas no Sesc Carmo e aos domingos no Sesc Pompéia.A dança de salão é recomendada até para as pessoas de idade mais avançada, sem restrições. Alunos, professores e médicos a receitam como profilaxia para os efeitos dos anos ou como remédio para aliviar tensões e recobrar o condicionamento físico perdido. Portanto, nas concorridas aulas, há gente de todas as idades e com interesses os mais variados. Para a filosofia do Sesc, contudo, mais importante que aprender o arsenal de passos complicados, é o bem-estar que a dança proporciona. "Isso aqui é uma verdadeira terapia. Melhor do que qualquer coisa", afirma Lina P. de Souza, que dança no Sesc Ipiranga há um ano. "Depois, é bom porque queimo umas calorias. Antes, tinha dificuldade de dormir e vivia irritada. Hoje, meu humor melhorou."
Lina é de uma "geração que nasceu sabendo dançar", por isso não tem dificuldades em se habituar às novidades, como pagode e a dance music. "Mas, mantenho-me fiel ao bolero e ao fox trote, meus preferidos."
Os adolescentes também marcam presença nas aulas. Leonardo Colonna de Angelo tem 19 anos e não se intimida diante dos ritmos obtusos. "Por exemplo, prefiro bolero ao forró. É mais gostoso dançar entre os mais velhos, porque além de serem melhores, têm muito mais estilo." O jovem conta que quando aparece nos salões tradicionais, frequentados por senhores com idade para ser seus avós, os velhinhos estranham. "Eles devem se perguntar: ' O que esse moleque veio fazer aqui?' Mas, quando vêem que eu conheço do riscado, as damas ficam loucas para dançar comigo."
Uma Mistura de Ritmos
A dança de salão não se restringe aos ritmos tradicionais. Nas aulas do professor Paulinho, os dançarinos treinam todos os gingados imagináveis. Do tango ao baião, da valsa ao reagge, passando pelo merengue, salsa, pagode e tuíste, os alunos participam e se esforçam para tentar dominar os requebros mais intrincados.
O ambiente das aulas é de muita alegria. O aquecimento estimula os músculos e reorganiza a coordenação motora. Depois, os passos ensaiados na semana anterior são cobrados dos alunos. Em quase todas as aulas há inscrições novas, geralmente de mulheres desacompanhadas, o que gera um inconveniente desequilíbrio entre cavalheiros e damas. Para deixar os calouros totalmente à vontade, no Sesc Ipiranga, os colegas veteranos providenciam uma ovação demorada, saudando os novos companheiros. "Estou gostando muito", fez questão de frisar Ana Maria Bastos, em meio à euforia dos primeiros 45 minutos de sua aula inaugural. "Procurei o curso para aprender a dançar e fazer meu marido dançar. Não aguento mais ser chamada de tábua. E o pior é que é a pura verdade", reconhece.
A fim de suprir a carência masculina, o professor Paulinho e sua auxiliar Egle organizam uma espécie de fila que lembra uma quadrilha de festa junina. As moças revezam-se entre os rapazes e, após o fim da dança, voltam para a fila para esperar que o próximo vague. "Há ainda algum preconceito com relação a homens dançarem, mas isso vem diminuindo", atesta Paulo Batista, o professor Paulinho. A constatação é verdadeira, pelo menos no Sesc Consolação, já que às segundas-feiras, o número de homens é superior ao de mulheres. "É uma exceção, mas tivemos de fazer uma promoção para que os cavalheiros trouxessem parceiras", lembra Neusa de Oliveira, aluna há três anos de Simone e que eventualmente substitui a mestra. Neusa, aliás, protagoniza uma história peculiar. Começou a dançar a pedido de uma amiga em busca de companhia. Na verdade, o objetivo da colega era encontrar um namorado nas aulas do Sesc. Infelizmente não obteve sucesso. "Ela inclusive largou o curso pouco tempo depois. Mas eu continuei e hoje danço todos os dias da semana, no Sesc e em uma academia. Tenho verdadeira paixão pela dança, pois ela é ótimo um exercício mental e corporal. Depois que comecei, voltei a ter corpo de adolescente", diz.
Sem Limites para Dançar
A dança de salão não requer conhecimentos prévios. Os professores são unânimes em afirmar que pelo menos o "dois-pra-lá-dois-pra-cá" as pessoas acabam aprendendo. O que muitos não sabem é a complexidade de alguns passos. Atingir um estágio técnico avançado demanda alguns anos de prática."Aqui, com o tempo, as pessoas acabam aprendendo os comandos que são sinais que os cavalheiros fazem nas costas da dama para indicar a ela qual direção deve seguir", explica Neusa. Aprende-se no Sesc que a dança requer uma pequena liturgia composta de atos e procedimentos adequados. A educação ao convidar o parceiro, a postura do corpo e, principalmente, o respeito ao espaço do outro são tão importantes como dominar os passos. "Os frequentadores entram no clima. Fazem questão de estarem asseados e, na medida do possível, arrumam-se antes das aulas", garante Paulinho.
Outro detalhe salientado pelo professor é o excelente relacionamento entre os colegas e deles com os mestres. "Procuramos comparecer aos aniversários e casamentos, além de reconfortar as pessoas que buscam a dança para aliviar o estresse ou compensar alguma doença", diz. O esmerado aluno Alberto Barros confirma a declaração do amigo e relembra quando ele próprio foi surpreendido em casa por uma visita inesperada da dupla. "Foi no meu aniversário. Eles até me levaram um buquê de flores." O aprendiz conta que se interessou pela dança de salão de tanto assistir às aulas pela janela. "Enquanto jogava pingue-pongue, olhava as pessoas se divertindo e morria de vontade de participar. Há um ano e meio tomei coragem e comecei a dançar. Foi a melhor decisão da minha vida", exagera. Indagado sobre qual o ritmo mais complicado, Alberto, de 55 anos, responde sem titubear: "pagode". E com traquejo de veterano, demonstra com destreza a coreografia que realmente é bastante complicada. "Ah, mas eu tiro de letra. Afinal, sou o primeiro a chegar e o último a sair."
Além dos desacompanhados de praxe, muitos casais ingressam juntos no curso de dança. Mitico e Osati Kimura arriscam-se no salão há quase dois anos. Começaram com objetivo de desanuviar a mente e, agora, nem pensam em parar. Apesar de se entrosarem bem no bailado, eles discordam sobre quem dança melhor no par. "Eu acho que sou eu. Mulher sempre tem mais molejo, né?", alega Mitico. Ao ouvir a opinião da esposa, Osati sai em defesa da classe. "É nada! Nós dançamos a mesma coisa", afirma satisfeito com a performance recém-exibida na salsa.
A dança de salão apaixona os que se arriscam a balançar o esqueleto. Além de um excelente exercício físico, compatível com qualquer idade, afasta o estresse e acalma as tensões do dia-a-dia. Sem contra-indicações, os ritmos modernos e antigos são mesclados com muita alegria nas unidades do Sesc, contagiando todos. Portanto, não se acanhe, som na caixa e muita animação.