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As curiosas histórias da hora do almoço no centro da cidade

Ao contrário das cidades construídas sob a égide da cultura hispânica, como a vizinha Buenos Aires, São Paulo não possui o costume da famosa siesta para reservar aos seus trabalhadores um horário de descanso após o almoço. Em compensação, ao meio-dia, a cidade explode numa festa de sons, aromas e paladares, com refeições para todos os gostos e bolsos. São restaurantes, lanchonetes fast food ou barracas de sanduíches colocadas nas ruas. Contudo, não é somente disso que vive o horário de almoço no centro da cidade. Shows de rua, concertos no Teatro Municipal e cartomantes dividem também a atenção e o tempo das pessoas que estão nas ruas nessa hora.

Tudo acontece ao mesmo tempo. Acostumados ao corre-corre característico, os paulistanos vêem essa agitação do meio-dia como uma folga para quem geralmente trabalha tanto. Na rua não há clientes chatos nem cálculos financeiros arriscados. Há apenas a sinfonia formada pela animação dos vendedores, misturada à música de um grupo de forró ou às vozes dos atores encenando em praça pública.

Nessa hora, a cidade se abre para todos, não respeita mais os limites de um espaço físico determinado. As atrações correm soltas pela rua. É só parar e ver: pedir um churrasco grego e continuar a assistir ao show, sair do restaurante e se deparar com cantores, músicos ou atores. Afinal, se São Paulo não pode parar, a hora do almoço não seria uma exceção.

Alimentação e Cultura

A Secretaria Municipal de Cultura, de olho no horário em que muito mais pessoas transitam pelas ruas, criou projetos específicos para levar a arte a todos que estejam dispostos a apreciá-la. É o caso do projeto Arte na Ruas. Grupos musicais, artistas populares, atores, bailarinos e ilusionistas enchem de cor e graça praças, parques e ruas na cidade.

Às segundas, quartas e sextas, a Praça do Patriarca, por exemplo, transforma-se em palco para grupos cênicos como os Arlequins do Teatro, formado pelos atores Nill de Pádua, Sandro Florêncio, Ana Maria Quintal, e dirigido por Sérgio Santiago. Evocando figuras estilizadas dos arlequins da italiana Comedia Del'Arte e utilizando objetos simples como caixas de plástico, lentes de aumento e panos coloridos para chamar a atenção das pessoas, o grupo propõe levar poesia para as ruas com o espetáculo Certas Palavras. Davidson Xavier, mecânico de ar condicionado e guitarrista nas horas vagas, sempre dá uma conferida nos shows antes de almoçar e garante que cultura nunca é demais. "É bom para o povo, que toma contato com a cultura de outros lugares, e para os artistas, que têm chance de divulgar seu trabalho", diz.

Meio-dia em ponto é a hora marcada para que figuras feitas de espuma e papel saiam detrás de um teatrinho improvisado e comecem a contar a história de amor entre os bonecos Mestre Tiridá e Quitéria. O Teatro de Mamolengos também marca presença nos eventos do Arte nas Ruas. Natanael da Costa, de 48 anos, manipulador dos bonecos, trabalha com isso desde os 14, quando o pai, segundo ele, o maior mamolengueiro de Pernambuco, ainda era vivo. "Vim para São Paulo para continuar a tradição de meu pai e fazer esta cidade conhecer a arte de manipular bonecos." Natanael lamenta, porém, o fato de não haver muito espaço para artistas populares, mas afirma que a receptividade do público lhe dá esperança. O espetáculo chama a atenção das crianças, que ficam fascinadas e fazem seus pais pararem para assistir, e de adultos, que não resistem à curiosidade e chegam mais tarde ao restaurante só para se divertirem um pouco com o show. Cláudia Pinheiro, funcionária de uma loja de departamentos, diz perceber que muitos não têm acesso a esse tipo de arte e não se intimida em gargalhar com as palhaçadas dos bonecos. "Eu ainda não almocei, vou correndo comer alguma coisa e volto para pegar o final da história", brinca.

O Sesc aparece, também, como um forte aliado na produção de cultura na hora do almoço, não só com eventos musicais, mas com informação e literatura. A unidade da Rua do Carmo, situada no coração da cidade, oferece além de um ótimo restaurante, a oportunidade de seus frequentadores conferirem agradáveis músicas extraídas de instrumentos como piano, sax e flauta. É o programa cultural Musica Ao Vivo, desenvolvido pelo Núcleo de Arte e Expressão do Sesc Carmo. "Trata-se, na verdade, de intervenções musicais no horário de almoço dentro do próprio restaurante", explica Ubiratã Resende, um dos responsáveis pelo núcleo. É curioso perceber como as pessoas, mesmo após o almoço, permanecem nas mesas somente para acompanhar as apresentações. Isso faz do restaurante um ambiente de lazer e cultura bastante apreciado.

Outro espaço da unidade igualmente procurado é a Área de Convi-vência Sua principal atração fica por conta da TV ligada sempre nos principais jornais vespertinos. Os frequentadores mais assíduos são as pessoas que almoçam no Sesc, e, em seguida, dirigem-se até lá e descansam, colocando-se a par das últimas notícias.

Para os que preferem a leitura, a biblioteca da unidade coloca seu acervo de aproximadamente 6.000 títulos à disposição de todos os interessados em obras de ficção, enciclopédias, jornais e revistas. "A frequência da biblioteca aumenta em mais de 20% na hora do almoço", conta a bibliotecária responsável Celina Dias Azevedo. "Há uma grande procura pelos chamados livros de referência, como os manuais e os didáticos. Creio que seja uma hora que as pessoas usam para se informar", analisa.

Um Teatro de Portas Abertas

Os que preferem uma atração igualmente refinada têm outras opcões além do Sesc. O Teatro Municipal de São Paulo oferece, todas as quartas-feiras, espetáculos de música clássica no projeto Concertos do Meio-Dia. Estrategicamente, os shows começam pontualmente ao meio-dia e meia, para que as pessoas possam almoçar e depois relaxar com as belas sinfonias antes de voltar para o trabalho. A vendedora autônoma Silvana Garcia aguarda pacientemente na fila que se forma em frente ao teatro, pois sabe que dentro de instantes apreciará boa música e, o mais importante, de graça. "Justamente por ser gratuito e na hora do almoço é que eu venho sempre", conta. "É muito importante que todo o povo tenha tempo para espetáculos desse tipo."

A atração do dia foi o Quinteto D'elas, um conjunto formado apenas por mulheres, extraindo do violino, viola, violoncelo, contrabaixo e piano, grandes sucessos clássicos e populares. O grupo apóia essa iniciativa de cultura ao alcance de todos e acha o horário do meio-dia genial. "Em vez das pessoas irem ao Mappin, vão ao teatro", brinca uma das integrantes. O quinteto, naquela apresentação, incluiu em seu programa, para o deleite do público presente, adaptações de músicas de artistas como Tom Jobim e Chico Buarque.

Eventos como esses, fazem do meio-dia no centro mais um ponto turístico da cidade. É o caso do italiano Giorgio Sambugaro que está no Brasil há duas semanas, passando suas férias. Com um português meio incompreensível, o turista afirma que o fato de ter descoberto que São Paulo também valoriza a cultura fará com que pense em aumentar sua estadia em terras brasileiras. "É a primeira vez que venho a São Paulo e descobri uma faceta da cidade que eu não imaginava que existisse", confessa.

Comer na Rua

Mesmo com todas essas atrações paralelas acontecendo na cidade, algumas pessoas não parecem dispostas a dividir seu curto horário de almoço com shows ou teatro de rua, e fazem do meio-dia um momento dedicado exclusivamente à alimentação.

A histórica Casa Califórnia, que funciona em São Paulo há 73 anos, não oferece muito espaço para seus frequentadores. Mas os tradicionais sanduíches de calabresa e batidas de limão ainda conseguem atrair cerca de mil pessoas por dia. Os funcionários públicos Antonio Camargo e Benedito Bueno estavam pela primeira vez lá e pareciam satisfeitos com a escolha. "O lanche está tão bom que eu não pretendo parar no primeiro", avisa Antonio.

No entanto, Sérgio Teixeira de Carvalho, gerente do local, lamenta o fato do centro ter perdido o brilho e o caráter de importância que tinha no tempo de seu bisavô Manoel, o fundador do negócio. "Nós servimos aqui os mesmos lanches há mais de 50 anos. Mas, hoje, o movimento caiu um pouco porque menos pessoas vêm ao centro", analisa.

Atendendo à realidade financeira da maioria das pessoas, o não menos tradicional churrasquinho grego conquista mais e mais adeptos. Os clientes sabem que qualidade e higiene não são as maiores preocupações ali, mas o preço atraente e o suco grátis vencem qualquer resistência. "Eu como aqui há mais de um ano", conta o assistente jurídico Wagner Balafanti. "Sei que churrasco grego é gorduroso, e que faz mal ao coração, mas é barato e tem um gosto razoável."

Exalando um odor marcante e disputando o apertado espaço das calçadas com os pedestres, as barracas de cachorro-quente, cada vez maiores, convencem os participantes da festa do meio-dia, que o melhor jeito é relaxar e comer onde houver espaço. Por apenas R$0,50 e com direto a duas salsichas, o ajudante de produção João Vicente da Silva deixou mais uma vez o almoço por conta de um dog rápido. "Eu sento aqui na praça e como na boa, é legal e barato. E ainda tenho a chance de ver coisas na rua que, se eu estivesse dentro de um restaurante, não veria", orgulha-se.

Não é sempre que as pessoas se conformam e, até se divertem, tendo de comer na rua. Mas, certamente, ao meio-dia, a cidade se transforma em um enorme playground, e proporciona um espetáculo visual variado e divertido. É só estar pelas ruas e praças para conferir.

Opção Saudável

Às onze horas da manhã, já se pode ver uma pequena fila de pessoas no saguão do Sesc Carmo para almoçar num dos restaurantes mais frequentados da cidade.

O Sesc Carmo oferece uma das poucas opções de refeição qualificada e acessível à população que transita pelo centro de São Paulo. São 3.500 refeições diárias produzidas na cozinha. Delas, cerca de 1.400 são servidas no restaurante. Tudo feito com a preocupação de proporcionar ao cliente um ambiente limpo e saudável. Profissionais da área de alimentação e gerenciamento formam uma equipe sempre alerta à qualidade do serviço. Da cozinha ao caixa.

Na produção, o processo é supervisionado pela nutricionista Vilmara Hori, que trabalha no Sesc há 5 anos e acompanha a escolha dos alimentos. Além de ajudar a selecionar a matéria-prima, ela cuida da preparação e só descansa quando a comida chega às mesas e às outras unidades do Sesc abastecidas pelo restaurante. "O critério de escolha dos alimentos é bastante rígido", explica Vilmara. "Nós levamos em conta o que chamamos de tabela de safras, ou seja, a cada época do ano, escolhemos as frutas, verduras e legumes da estação que tendem a ser mais baratos e ter melhor qualidade." Durante o horário de funcionamento, o supervisor de distribuição Clóvis Vasconcelos ronda todo o local, garantindo a continuidade de um trabalho bem feito. "Há pessoas que comem aqui há 20 anos e não se arrependem", orgulha-se.

O restaurante surgiu, na verdade, há 50 anos, e desde lá firma presença no tradicional centro da cidade, sempre oferecendo um atendimento de primeira qualidade, a preços acessíveis.

E as evoluções não param. Todas as sugestões de mudança do cardápio são levadas ao gerente, que coordena as atividades e administra o pessoal e as despesas. O trabalho de equipe visa unicamente a melhoria no atendimento e o alto padrão de qualidade dos alimentos que são servidos no restaurante. Um exemplo disso são as recentes reformas que reaproveitaram o espaço com mais inteligência e praticidade, possibilitando ao cliente uma melhor circulação pelo local, eliminando as antigas filas. "O restaurante do Sesc recebe muitas pessoas na hora do almoço", conta Efre Rizzo, gerente geral do Sesc Carmo. "Isso ocasionava filas que, muitas vezes, terminavam na rua, o que não ocorre mais." A reforma prevê ainda a reformulação do segundo restaurante. Depois de tudo concluído, serão mais de 400 pessoas podendo desfrutar, simultâneamente, do ótimo serviço e do tranquilo ambiente do restaurante do Sesc. "Nosso objetivo é proporcionar uma boa alimentação para os trabalhadores do comércio", orgulha-se Rizzo.

A secretária Sandra de Oliveira é fiel ao restaurante há oito anos e não pretende mudar. "Muitas vezes você come mal por aí, passa mal e paga mais", setencia. A aposentada Terezinha Nunes da Silva compartilha da mesma opiniao e fidelidade, e tráz o neto, Thiago, de 5 anos para acompanhá-la no almoço. "Aqui é muito higienico", garante Terezinha.