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Greve na Justiça

 

As graves conseqüências da paralisação do funcionalismo

O Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, na reunião de 14 de novembro de 2001, colocou em debate a greve do funcionalismo público. Nessa data, vários serviços continuavam paralisados.

IVES GANDRA MARTINS – A greve do Judiciário é inacreditável. A Justiça parou, e nós, advogados, não temos como explicar aos clientes por que os processos não andam. A dificuldade é enorme para se obter uma certidão do INSS, além de não ser possível participar de concorrências e licitações. Ou seja, a greve do Poder Judiciário afeta inúmeros segmentos da sociedade, inclusive o econômico e o financeiro. Não entro no mérito da justiça da greve, mas no que ela traz de prejuízo a todos os cidadãos. E, o que é mais grave, com nossos tributos nós a estamos sustentando, porque os funcionários recebem sem trabalhar, garantidos por uma liminar aprovada pela Justiça. O que ocorre no setor privado? Há um dissídio coletivo e imediatamente o tribunal decide se a paralisação é ou não justa. Se não for considerada justa, o empresário pode demitir imediatamente os funcionários. A greve do Judiciário se prolonga há 80 dias, atingiu toda a sociedade e não houve punição alguma. A meu ver, não deveria haver greve em setores essenciais como o de serviço público.

AMÉRICO LACOMBE – Vai ser publicado amanhã, no "Diário Oficial", um novo conjunto de medidas do governo em relação às greves. A presidência intenta um mandado de segurança, não uma medida cautelar, na qual caberiam o agravo regimental e o exame pela turma ou pelo pleno; no caso do mandado de segurança, o despacho é monocrático. A liminar vai até a decisão final, que pode demorar três, quatro ou cinco meses.

IVES GANDRA – Para agilizar o processo, foi preparado esse novo texto, que será publicado amanhã. Agora, gostaria de discutir o seguinte: pode o servidor público ficar parado indefinidamente, tendo o seu salário garantido e colocando em risco a qualidade do serviço e a necessidade do cidadão, sem que se possa saber se a paralisação é justa? À luz da Constituição, isso é correto? Tem o servidor público o direito à greve? No livro Comentários à Constituição, defendi a tese de que quem optou por ser servidor público, principalmente em serviços essenciais, não pode fazer greve. Sendo assim, ele não teria de ser remunerado e correria o risco de perder o cargo. É essa questão que trago como princípio para o debate. Foi aprovada uma Lei de Responsabilidade Fiscal que destina até 60% da receita tributária nacional ao funcionalismo, além de 50% de toda a receita da União. Em nenhum outro país ocorre algo semelhante.

FERNANDO PASSOS – Conheço o texto de Comentários à Constituição referente ao direito de greve. O servidor público desfruta de benefícios que não alcançam os empregados da iniciativa privada, portanto ele tem de arcar com questões que são da essência do serviço público, entre elas a impossibilidade de greve. Ocorre que, em muitos estados, o funcionalismo fica sete, oito anos sem nenhum reajuste salarial: essa é uma pressão social tão violenta que extrapola a Constituição. Como não consegue negociar, ele opta pela paralisação. No caso de São Paulo, há três meses, enquanto os servidores faziam acordo com o tribunal para não entrar em greve, os magistrados já estavam recebendo o segundo reajuste. Nos últimos três ou quatro anos eles tiveram 35% de reajuste, mais 17% de aumento, enquanto os funcionários da Justiça tiveram zero. É algo tão desproporcional que cria uma panela de pressão, pronta a explodir. É evidente que os magistrados necessitam de aumento, principalmente os que estão em início de carreira, que têm salários paupérrimos. O governo resolve o problema dos magistrados, que são em menor número, mas não concede nada para o serventuário. É uma situação tão ofensiva que levou os funcionários a afirmar: "A Constituição diz que nós temos direito à dignidade". Isso precisa ser resolvido pela classe jurídica.

IVES GANDRA – Fernando, tenho algumas perguntas para você. Em primeiro lugar, de onde serão retirados os recursos para os aumentos? Em segundo lugar, no setor privado, os trabalhadores tiveram melhora ou perda salarial nesse período? Por fim: o desemprego cresceu ou diminuiu nesse segmento? Teríamos de elevar os impostos para cobrir os aumentos?

FERNANDO PASSOS – Sempre concordei que o funcionalismo não tinha direito à greve, mas estou repensando isso. Há uma efervescência no setor público, porque o governo não o moraliza, não demite os milhares ou milhões de excedentes, o que melhoraria a qualificação dos outros trabalhadores. No interior, as atividades essenciais não foram interrompidas, as certidões foram expedidas, os serviços criminais de urgência foram levados adiante, a parte fundamental do INSS foi mantida. Mas quando os servidores se reuniram com o presidente do Tribunal de Justiça para fazer um acordo e retomar o trabalho, este os afrontou em demasia, numa atitude violenta, e a greve foi mantida.

IVES GANDRA – Os estudantes estão sem aulas nas universidades federais, e os professores estão recebendo. Ganham pouco, é verdade, mas os alunos não têm nada a ver com isso. Quem paga esses salários? Os nossos impostos. Enquanto não se reduz a máquina administrativa, qualquer aumento dos vencimentos representará uma elevação da carga tributária. As estruturas estão esclerosadas. Sabem o que representa 50% dos recursos da União? Ela recebe R$ 75 bilhões, e os estados e municípios, R$ 150 bilhões, retirados dos R$ 400 bilhões de tributos que recolhemos para o governo. São R$ 225 bilhões, dos quais cerca de US$ 95 bilhões vão para essa mão-de-obra que está reclamando – não é uma importância pequena. A meu ver, o único caminho é mudar a estrutura. Mas os congressistas não quiseram fazer a reforma administrativa, que implica a perda de poder político.

FERNANDO PASSOS – Estamos num impasse. Ninguém toca na estrutura anacrônica do poder, ninguém profissionaliza, nenhum sindicato de servidor pede reciclagem nem aceita a demissão de colegas que são maus funcionários. Eles nem mesmo admitem essa discussão.

IVES GANDRA – Vou apontar outro aspecto, que Lacombe ou Marco Aurélio poderão esclarecer. O servidor efetivo tem direito adquirido de permanecer para sempre na administração, mesmo que sua função seja extinta? Tem de ser necessariamente reabsorvido, com direito a um regime jurídico?

AMÉRICO LACOMBE – Acho que sim. Se o servidor é concursado, tomou posse de um cargo e sua função foi extinta, ele tem de ser transferido para outra função. O que os administradores normalmente não fazem é demitir por ineficiência, e isso é permitido. Eu demiti.

HÉLIO DE BURGOS-CABAL – Em desempenho de função?

AMÉRICO LACOMBE – Sim. Em dois anos demiti nove funcionários estáveis, com procedimento administrativo regular. Dos nove, dois eram casos de corrupção, o que facilita muito o processo. É mais difícil provar a ineficiência, mas, uma vez provada, nada impede a demissão, e eu demiti sete. Mas a administração não abre um procedimento disciplinar contra um funcionário ineficiente, relapso, ou que falta. Nunca vi um caso desses.

FERNANDO PASSOS – O corporativismo é enorme.

AMÉRICO LACOMBE – É verdade. Por isso, é preciso ter coragem para demitir funcionários públicos. Quanto ao direito de greve no funcionalismo, sou contra, porque eles têm algumas outras vantagens, como a estabilidade de emprego e uma aposentadoria garantida e em índices maiores que os dos trabalhadores do setor privado.

IVES GANDRA – Em média, dez vezes superiores aos do segmento privado.

AMÉRICO LACOMBE – É certo que eles recolhem à Previdência sobre o salário total, coisa que os empregados privados não fazem. Mas não podem entrar em greve, porque suas funções são essenciais à sociedade, que está pagando pela falta de serviço do Poder Judiciário estadual, da Previdência e da educação.

FERNANDO PASSOS – Para a educação ninguém mais nem dá bola, porque todo ano os professores federais param três meses.

IVES GANDRA – Mas desta vez sacrificaram o ano inteiro.

AMÉRICO LACOMBE – A greve dos professores prejudica os estudantes, ao passo que a da Previdência e a da Justiça atingem a sociedade como um todo. Temos de considerar a contrapartida, também. Se fosse no setor privado, essa greve seria justa, não tenho a menor dúvida.

IVES GANDRA – E em uma semana o Tribunal Regional teria solucionado o caso.

AMÉRICO LACOMBE – Realmente, o funcionalismo público está ganhando uma miséria. Os funcionários da Justiça estadual disseram que não conversam com o atual presidente do Tribunal de Justiça; vão esperar a eleição do dia 5 de dezembro para negociar com o próximo. Alguma coisa deve estar errada; não está havendo diálogo por culpa de alguém, não sei quem.

IVES GANDRA – Você acha que a máquina administrativa está inchada?

AMÉRICO LACOMBE – O princípio que deve orientar o serviço público de maneira geral é o seguinte: funcionários devem ser poucos e bem pagos.

IVES GANDRA – Esse é o princípio da eficiência.

AMÉRICO LACOMBE – Se forem mal pagos, não serão eficientes. E não adianta proibir a greve, porque há operação tartaruga. O sujeito entra na repartição, tira o paletó, põe os óculos na mesa e vai passear; volta no fim do dia, bate o ponto e vai embora – e o serviço não anda. Oficialmente, eles não estão em greve. E o chefe fecha os olhos.

MARCO AURÉLIO GRECO – Todos os temas que estamos abordando são imensamente importantes. No artigo 37 da Constituição existe um dispositivo que prevê a greve: "O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica". Mas não existe essa lei.

IVES GANDRA – A lei está saindo agora.

MARCO AURÉLIO – Então já há o direito. Mas a grande delicadeza do tema está no exercício. Ou seja, o direito está previsto na Constituição, mas não é por isso que ele vai ser exercido de forma a prejudicar outros valores constitucionalmente assegurados. Nesse ponto, quem manda é a responsabilidade social do funcionário. O agente público não é dono do interesse que lhe é confiado; ele tem de estar voltado para a sociedade, em relação à qual deve exercer sua competência. Se sua atitude começa a comprometer a comunidade, ele tem de repensá-la.

AMÉRICO LACOMBE – Como no caso dos empregados de transporte, por exemplo. O Tribunal do Trabalho sempre coloca um limite à greve, obrigando a manter o serviço, porque a falta de transporte prejudica toda a sociedade. O mesmo devia ocorrer com o funcionário público.

MARCO AURÉLIO – Outro ponto é o seguinte: será que se justifica que a administração pública tenha um estatuto diferenciado do do trabalhador da iniciativa privada? Acho que se justificava em outro contexto histórico, econômico, mas não na situação atual. Para o funcionalismo ter o direito de greve, precisaria manter um relacionamento com o poder público semelhante ao da iniciativa privada.

AMÉRICO LACOMBE – Só deveria ser diferenciado nos chamados órgãos do Estado: militares, juízes, diplomatas, que não têm direito de greve.

MARCO AURÉLIO – Perfeito. Nesse caso, seria necessário definir carreiras. Então voltamos à reforma administrativa. Terceiro tema: estou plenamente de acordo com a interpretação de nosso presidente. A Lei de Responsabilidade Fiscal pode dar direito a um determinado poder, que pode abrir mão dele. Quarto ponto: se formos discutir em termos de justiça, não há dúvida de que a greve dos servidores do Judiciário, no regime privado, seria justa. Então, o funcionalismo teria de passar para o regime privado para obter a justiça da greve. O nó desse impasse é a inexistência de um terceiro agente para resolvê-lo. No regime privado, quem decide é a Justiça do Trabalho. Mas quando o interlocutor é o próprio Poder Judiciário, quem é que pode arbitrar nessa relação?

IVES GANDRA – Tenho a impressão de que a lei que o Executivo está propondo é inteligente. O governo está utilizando a lei de 1993, que não foi contestada, para que, num momento de necessidade de serviços públicos, se faça a contratação temporária de mão-de-obra por um período de três meses; se necessário, será prorrogado por mais três meses, e a remuneração será idêntica à daqueles que exerciam aquela função. Esse projeto de lei vai criar um regime jurídico único da lei 8.112 em relação aos servidores. Ele será discutido, e a medida provisória é para essa contratação temporária em todos os setores em que não está havendo prestação de serviços públicos. A lei já foi aprovada, agora está sendo regulamentada. De certa forma, o governo está querendo criar um regime jurídico único.

FERNANDO PASSOS – Certamente, hoje, a estabilidade deve ser flexibilizada. Outro item importante é a terceirização no serviço público. As prefeituras não estão computando no seu cálculo o custo do serviço terceirizado. O município pode gastar até 50% dos repasses federais e 60% de todas as receitas com a folha de pagamento; para não ultrapassar esses índices, ele diminui sua folha, demite servidores e terceiriza os serviços hospitalares, de limpeza pública, de guarda e manutenção de praças. Agora, o Tribunal de Contas mandou as prefeituras computarem a mão-de-obra terceirizada.

BURGOS-CABAL – Mas isso é uma fraude.

FERNANDO PASSOS – É claro! E o pior de tudo é o seguinte: na lei da terceirização há um dispositivo em que União, estados e municípios não respondem por eventual negligência da empresa terceirizada. Ou seja, se ela não pagou os direitos trabalhistas, o município não vai responder, porque já quitou a dívida com a empresa pelos serviços prestados. Pasmem, pois agora há uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho que responsabiliza o município. Então, o que está acontecendo? Os municípios estão perdendo as ações e sendo obrigados a arcar com todo o ônus da rescisão, inclusive as horas extras pleiteadas. A empresa não se defende porque faliu, e a prefeitura não tem como dizer que o funcionário não fez horas extras, porque quem tinha o controle era o antigo empregador. O município tem de pagar benefícios antigos, pois não pode nem se defender, não tem testemunha.

IVES GANDRA – Esse é um tema muito complexo, pois os municípios têm terceirizado diversas atividades, como a manutenção das estradas de rodagem. A Dersa diz que esse serviço não cabe a ela, e o trabalho é terceirizado. Na verdade, a empresa prestou serviço à Dersa, que é então o contribuinte substituto. A partir daí, todo o poder público passa a estar vulnerável. Com o princípio da imunidade recíproca em relação à administração direta, muitas empresas públicas ou sociedades de economia mista tornaram-se verdadeiras autarquias, porque só prestam serviço naquilo que foi definido. Cito o caso da Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município de São Paulo), que pertence ao município de São Paulo em 99,9%; as outras quatro ou cinco ações são caucionadas pela Comgás. O que está nos estatutos da Prodam? O órgão só pode trabalhar para o município de São Paulo para emitir guias de tributos, etc. Então o Imposto de Renda declara que se trata de uma empresa de economia, não goza de imunidade. No fundo, é formalmente uma empresa.

AMÉRICO LACOMBE – Mas na realidade é uma autarquia; só pode trabalhar para o município. Sem a Prodam não se pode cobrar nenhum imposto, porque toda a informatização é feita lá. Essa atitude retira recursos do próprio município para o Imposto de Renda.

FERNANDO PASSOS – Na verdade nem é autarquia, é quase uma secretaria.

IVES GANDRA – Exatamente. Só quis abrir um parêntese para mostrar como pode se tornar cada vez mais grave esse entrechoque. Quando se fala em reforma fiscal, seria necessário pensar nas reformas administrativa, previdenciária e tributária.

BURGOS-CABAL – E política.

AMÉRICO LACOMBE – O único jeito é transformar grande parte dos estados em territórios federais.

IVES GANDRA – Todo espaço geográfico que não se auto-sustenta teria de se tornar território.

MARCO AURÉLIO – No período da revisão da Constituição, uma das sugestões do Instituto dos Advogados de São Paulo foi o remembramento obrigatório de estados e municípios: se não tivesse condições mínimas de sobrevivência, o estado se tornaria território, e o município seria remembrado.

AMÉRICO LACOMBE – E a maioria não tem. Quais são os estados do Brasil que podem ser estados? Mato Grosso do Sul, os estados do sudeste e do sul, Bahia, Pernambuco e Amazonas. O restante não pode.

FERNANDO PASSOS – Nem o Maranhão.

IVES GANDRA – Pará e Piauí não têm condição de ser estados, não possuem sobrevivência econômica.

AMÉRICO LACOMBE – Sergipe poderia ser incorporado à Bahia, e Alagoas a Pernambuco. Mas, na prática, é impossível fazer isso.

MARCO AURÉLIO – Como cada estado tem três senadores, o Congresso nunca aprovaria isso.

BURGOS-CABAL – No Brasil todos buscam o maior inimigo do sistema democrático, que é o privilégio. De alto a baixo, a sociedade brasileira está penetrada, em todos os níveis, pelo corporativismo, pela busca de vantagem e, conseqüentemente, pela desigualdade. Fala-se em reforma administrativa, mas o critério de eleição dos representantes do povo, seja na Câmara, seja no Senado, é o do clientelismo. Como fui deputado durante oito anos, tenho conhecimento de causa. Como aprovar uma reforma administrativa que iria colocar contra o deputado do Rio de Janeiro ou de São Paulo os funcionários públicos?

IVES GANDRA – Muito bem colocado. Como teremos eleições em 2002, nada vai ser feito. Será um ano complicado, em que deverá crescer a litigiosidade dos descontentes com o regime, com a crise econômica e a recessão mundial que atinge o Brasil. Agora estamos falando de servidores públicos, mas, se não houver reativação da economia, teremos desemprego muito mais elevado em 2002.

AMÉRICO LACOMBE – Burgos-Cabal me deu um gancho quando falou em desigualdade. A elite brasileira mantém essa desigualdade através da perversidade do nosso sistema educacional. O melhor ensino está nos colégios particulares, que só podem ser freqüentados pelos alunos ricos, que depois ingressam nas universidades públicas e gratuitas. Com isso, o pobre está pagando o ensino do rico. Como é que podemos quebrar esse sistema? Uma das soluções seria dar uma bolsa de estudos aos bons alunos, sem recursos, para cursarem o ensino médio.

BURGOS-CABAL – Como é feito na Europa e nos Estados Unidos.

FERNANDO PASSOS – Doutor Ives, gostaria que o senhor fizesse um pequeno relato sobre como ficou a questão do IPTU em São Paulo.

IVES GANDRA – Dei um depoimento na Câmara Municipal, na audiência pública feita com empresários e trabalhadores. O ambiente era de uma hostilidade brutal ao aumento do IPTU. Foi um depoimento de duas horas e meia, em que procurei mostrar o projeto original da prefeita. Disse que a prefeitura havia aceitado a tese do teto, mas que alguns problemas remanesciam.

FERNANDO PASSOS – Como ficou o teto?

IVES GANDRA – Ficou em 60% do tributo pago em 2000 para os imóveis residenciais, e em 80% para os estabelecimentos comerciais. Era para ser de 380%. A prefeita aceitou baixar bastante o teto, que, mesmo assim, continua alto. Propus que em 2002 fosse adotado um aumento geral de 10% ou 20%; enquanto isso, a prefeitura teria um ano para estudar com a sociedade a reavaliação da planta genérica de valores. Essa sugestão foi imediatamente encampada por diversos vereadores, mas, como a Secretaria das Finanças avaliou que a cidade tem necessidade dessa elevação, decidiram pelo aumento. Apresentei outras teses, como a da inconstitucionalidade da progressividade do IPTU. O dado que mais preocupa é que, embora a renúncia fiscal seja possível, não é justo que dois terços de todos os imóveis de São Paulo sejam isentos e um terço seja consideravelmente aumentado para suportar a maioria que deixará de pagar. Em nenhum país e em nenhuma cidade do Brasil a desproporção é tão grande. Normalmente, nas cidades brasileiras o nível de imóveis isentos corresponde, no máximo, a 20%, nunca a 66%. Essa elevação pode provocar a mudança de muita gente para outros municípios, como já ocorreu no passado. Em vez de incentivar a cidade, o aumento do IPTU vai afugentar os cidadãos paulistanos. José Eduardo Cardozo, presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo, apoiou integralmente minha proposta e pediu que encontrássemos uma forma de alargar o universo de contribuintes, para diminuir o valor cobrado.

AMÉRICO LACOMBE – Numa reunião que tivemos com a prefeita, foi dada a sugestão de que se cobrasse imposto de todos, mesmo que fosse simbólico. O secretário das Finanças, João Sayad, respondeu que, financeiramente, não compensava cobrar um imposto muito baixo, além do que, muitas vezes, ele nem era pago. Nesse caso, concordo com ele, tem de haver isenção.

IVES GANDRA – O universo anterior, com teto de até 33%, era o mais elevado do Brasil, e subiu para 66%. Não sei quantas casas existem em São Paulo, mas vamos admitir que sejam 3 milhões; a isenção atinge 2 milhões de imóveis. O sujeito recebe todo o serviço público, coleta de lixo, etc., e não paga um centavo por isso. Vamos imaginar um professor universitário que não viva em imóvel isento de imposto. Como irá arcar com o novo IPTU um funcionário, como ele, que não tem aumento salarial há cinco ou seis anos? Outro caso é o de um sujeito que comprou cinco pequenos imóveis para alugar; a pessoa ganha sem pagar imposto algum. Raramente o imóvel barato é casa própria, portanto, o beneficiário da isenção acaba sendo o dono do imóvel, pois, se o inquilino não pagar, o responsável pelo imposto é o proprietário. Ainda se esse fosse o único imposto de São Paulo... Há inúmeros tributos que pagamos e que são provisórios – o total chega a 34%. Sobre um copo, por exemplo, pagamos o IPI, o ICMS, o PIS, a Cofins, a CPMF, o IPTU da loja, o IPTU da fábrica, o ISS dos profissionais que trabalharam na sua confecção e suas contribuições previdenciárias.
Tendo em vista tudo isso, esperamos que a situação seja bem pesada, para evitar o agravamento da crise para a classe média.