Postado em
Revolução dos velhos
|
Há uma revolução social em marcha no mundo silenciosa, contínua, inexorável. Ela vem se processando, inobservada quase, há algumas décadas, mas já explodiu alguns dos pressupostos de trabalho das ciências sociais é a revolução da longevidade, também chamada de revolução demográfica. Não há mais como ignorá-la. Com as novas conquistas da medicina e da tecnologia que possibilitam ao ser humano viver cada vez mais, e com o simultâneo decréscimo das taxas de natalidade, registra-se uma subversão de expectativas populacionais e existenciais, em âmbito global. Nunca houve na história da humanidade uma população tão grande e com tais características, isto é, com o segmento idoso (pessoas com mais de 60 anos) crescendo mais do que os outros, tanto nos países desenvolvidos como nas nações em desenvolvimento. A previsão é de que, no período de 1970-2025, o aumento global desse contingente fique em torno de 870 milhões, ou seja, 380%. E que haverá no mundo em 2025 cerca de 1,2 bilhão de pessoas desse grupo etário.
A longevidade torna-se assim a questão mais instigante deste início do século 21, propondo-se como um grande desafio, científico, social, político e filosófico. A 2ª Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, que a ONU promoverá em Madri de 8 a 12 de abril de 2002, estabelecerá novas diretrizes de estudo e trabalho para os países membros: que "nunca mais viver mais tempo deverá ser encarado como uma exceção ou um fardo". E que o paradigma do envelhecimento saudável, que norteou a prática de técnicos e a política dos governos nas décadas passadas, deve ser de ora em diante substituído pelo do envelhecimento ativo.
O que significa exatamente isso? Muito mais do que mera troca de adjetivos. Na verdade, uma proposta revolucionária, cuja palavra-chave, ativo, poderá causar arrepios vários, de prazer ou de terror, em muitos. Não se trata mais de "atividades" como jardinagem, danças de salão ou ginástica para manter o corpo em forma e a mente oxigenada. Mas sim da atividade profissional, produtiva, mesmo. Permanecer no mercado de trabalho, ou voltar a ele. Ou, melhor do que isso, reformular a vida de maneira a poder continuar produzindo um trabalho mais de acordo com os objetivos individuais autênticos e com as necessidades da sociedade.
Esperança para tantos, desconforto para muitos. Uma colocação que põe diretamente o dedo na ferida do "problema do idoso" que não é só dele. É de todos. Como poderá a sociedade de modo geral, em um quadro mundial de recessão e instabilidade, reestruturar-se para absorver o potencial disponível de seus cidadãos desocupados, desempregados, subempregados, aposentados jovens, adultos, idosos? O que fazer com os muitos milhões de velhos que já estão tendo hoje uma perspectiva de ócio e desperdício vital nos 20, 30 anos (que logo poderão ser 40 ou 50) após a aposentadoria? Sim. Mas também: o que fazer com seus filhos e netos triturados por uma engrenagem social de obsolescência rápida e planejada do ser humano, que faz pairar sobre profissionais de 30, 35 anos o fantasma do e se eu perder o emprego? O que fazer dentro de uma sociedade que insiste em desconhecer os problemas fundamentais da infância carente, da educação deficiente, da delinqüência juvenil, da saúde precária, das minorias oprimidas? Que não dá a seus jovens o direito fundamental de escolher livremente uma profissão de que gostem e um trabalho não-alienado?
A "mentira" do envelhecimento
Há várias décadas as pesquisas no campo da medicina, psicologia e sociologia vêm detectando a falsidade do conceito de velhice associado obrigatoriamente a doenças, perdas e declínio. Embora não se possam negar o enfraquecimento vital e a inexorabilidade da morte, deve-se distinguir entre o essencial e o contingente. O gerontólogo norte-americano Alex Comfort sintetizou: "O envelhecimento fisiológico assume proporções irrisórias, quando comparado com as implicações fenomenológicas de caráter social, inerentes ao avançar da idade. As únicas perdas inevitáveis, pois quase todos as sofrem, se mantêm no plano do físico. Todas as demais privações, consideradas pela maioria das pessoas como conseqüências naturais da velhice, não passam de convenções desnecessárias e impostas pelo meio".
Os médicos também afirmam que biologicamente não é possível determinar-se exatamente quando a velhice se inicia. São muito grandes as diferenças individuais; o limite atual de 60, 65 anos é uma conceituação meramente demográfica. A expectativa de vida cresce continuamente. No Brasil, em 1950 era de 45 anos. Hoje, atinge quase 70. Em países como Japão e Suécia vai até 85 anos.
Diz o professor doutor Luiz Roberto Ramos, chefe da disciplina de geriatria da Escola Paulista de Medicina (Universidade Federal de São Paulo): "O que há é um desgaste natural do organismo, que começa desde o nascimento. É a perda funcional que vai identificar o envelhecimento. Mas hoje a medicina já controla quase todas as doenças infecciosas e tem meios eficazes de combater doenças crônicas que podem acometer os mais idosos como hipertensão, diabetes, osteoporose, catarata. As pessoas que se tratam, têm bons hábitos nutricionais, se exercitam, não fumam, podem conviver bem com uma ou outra doença por um período de até 50 anos, apresentando um declínio funcional muito sutil e mantendo-se em atividade".
A estratégia usada hoje para driblar o desgaste do organismo e prolongar a vida é a do combate aos radicais livres. Diz o professor Luiz Ramos: "Até os 40 anos o ser humano conta com as defesas naturais do organismo, presentes durante toda a sua formação e quando ele está no auge do período reprodutivo. Interferimos no momento em que elas começam a declinar, para combater a oxidação, que é a principal razão do envelhecimento. Ela é um subproduto natural da própria respiração, do processo vital de manutenção da vida. Os radicais livres atacam e destroem substâncias dentro das células, provocando cumulativamente o desgaste e a morte celular".
Esse combate é realizado principalmente pela suplementação de substâncias como vitaminas e sais minerais. O assunto provoca ainda polêmica, mas a cada dia o método se expande. "Não há ainda estudos clínicos, controlados por placebos e feitos por longos períodos de tempo. É um tipo de pesquisa difícil de fazer. Mas temos resultados de observação de indivíduos que vivem mais e melhor, com esse método. Estudos em cobaias são numerosos, com resultados surpreendentes a revista Science relata o prolongamento da vida de um determinado verme em 50%, com a administração de vitaminas. Há sempre alguém que levanta objeções do tipo sim, mas o ser humano não é igual a um verme ou a um rato de laboratório... Porém, o processo molecular, tanto no caso das cobaias animais como no do homem, baseia-se nos mesmos princípios. A oxidação ocorre com velocidades diversas, em cada espécie, mas é sempre o fator que leva ao desgaste e à morte", afirma o professor.
Viver muito ou viver bem?
Uma das grandes esperanças na luta contra o envelhecimento reside nas pesquisas, em curso, sobre os hormônios. O pesquisador francês Étienne Émile Baulieu descobridor do DHEA (popularmente chamado de "hormônio da juventude") , em entrevista recente a Silio Boccanera, na GloboNews, disse: "Ainda não se descobriu nenhuma fórmula ou pílula mágica capaz de reverter o processo de envelhecimento. Mas as pesquisas atuais já conseguem prolongar a vida. Há hoje em dia no mundo um bom número de pessoas com 110 anos de idade. Em poucas décadas as pessoas centenárias poderão ser contadas às centenas de milhares. Em meados do século será possível atingir 120 anos, e no final dele, 140, 150 anos".
O professor Luiz Ramos comenta: "Já há, em diversos países, casos registrados de pessoas que estão vivendo cerca de 120 anos. Mas o objetivo principal da medicina não é meramente prorrogar o número de anos do ser humano. A qualidade da vida é que importa".
Outra grande ameaça à qualidade de vida dos idosos é a incapacitação senil causada pelo mal de Alzheimer. Como especialista em memória, o professor Luiz Ramos fala ainda do papel dos neurônios na idade avançada: "O neurônio não se reproduz, ou seja, quando morre, acabou. Mas ele pode perder uma função, ficar bem limitado, e a partir de certo ponto recuperar suas funções e estabelecer novas ligações". O professor recomenda várias estratégias para desenvolver a memória, que precisa ser constantemente exercitada. Pessoas que utilizam pouco o intelecto, ou são analfabetas, apresentam uma ramificação menos desenvolvida de neurônios, diz ele. "Mas o cérebro é extremamente plástico, e é possível até mesmo em idade muito avançada ter um ganho neuronal e desenvolver a memória."
Energia e tecnologia
Não é somente nos laboratórios bioquímicos e genéticos, porém, que as descobertas se sucedem, dando novas esperanças de vida longa e sadia. Há 25 anos uma tecnologia de ponta, altamente sofisticada, desenvolvida nos campos da eletrônica, física quântica e informática, já vem sendo incorporada à medicina principalmente nos países europeus, com destaque especial para a Alemanha para aprimorar técnicas de diagnóstico e revolucionar tratamentos. Curiosamente, essas técnicas vão buscar alguns conceitos e práticas milenares como a acupuntura, a medicina aiurvédica e a espagírica (proveniente de Paracelso e da alquimia) ou tratamentos ditos naturais e biológicos, como a homeopatia, a fitoterapia, a antroposofia (fundada por Rudolf Steiner), redimensionando-os para uma atuação mais de acordo com as exigências do século 21.
Essa metodologia é ainda rara, praticamente desconhecida, no Brasil. O Centro de Medicina Biológica, localizado em Campinas (SP) com uma unidade também em Lisboa, Portugal , fundado e dirigido pelo doutor Francisco Vianna Oliveira Filho, atua há mais de sete anos como pioneiro na área. Desde que se formou, em 1981, esse médico vem fazendo cursos de especialização e estágios clínicos no exterior, participando de conferências internacionais e acumulando títulos em diversas sociedades e agremiações de classe, nacionais e internacionais.
Diz o doutor Francisco: "Há uma diferença fundamental entre o tipo de medicina que praticamos e a alopática. Para nós, a biofísica precede a bioquímica. O ser humano é visto como um campo energético primordial. A energia vital rege todos os fenômenos, e seu equilíbrio deve ser mantido, ou restaurado, no organismo". Segundo o médico, conceitos provindos da física quântica como a teoria do caos (oposição ordem/caos no universo) são aplicados ao de enfermidade. Por exemplo, um estado alérgico representa caos; um estado tumoral, muita quantidade de caos.
Na clínica do Instituto Grieshaber, aberta em 1994 na região da Floresta Negra, na Alemanha, as experiências e tratamentos com novas aparelhagens e medicamentos próprios se sucedem, atraindo pacientes de todo o mundo. No Brasil, são raríssimos os aparelhos importados: há um único equipamento de "auto-sangue ativado e irradiado de Höveler", na clínica de Campinas. Esse dispositivo fornece estímulo à imunidade, trata a acne facial e a dessensibilização, doenças ginecológicas e circulatórias.
Vitalidade e mentalidade
Na verdade, o conceito de saúde transcende a mera prorrogação da vida. Essa é também a posição que vem sendo defendida na atualidade pelas ciências sociais. A psicóloga alemã Charlotte Bühler, por exemplo, estabeleceu a diferença entre as vidas baseadas apenas na vitalidade e na mentalidade. As pessoas compreendidas na primeira categoria dependem dos aspectos físicos e biológicos e, ao envelhecer, têm possibilidades cada vez mais restritas. As que conseguem desenvolver a mentalidade não somente mantêm-se ativas e produtivas até o fim mas podem até desenvolver experiências de culminância de vida na idade mais avançada, atingindo uma otimização de sua capacidade criativa.
Os exemplos são muitos, na história: Wolfgang von Goethe, Bernard Shaw, Giuseppe Verdi. O pintor Francisco de Goya (1746-1828), nas duas últimas décadas de sua vida, criou seus mais impressionantes trabalhos, e aos 78 anos resolveu experimentar um novo estilo. Pablo Picasso, aos 80 anos, retirou-se da vida social e até familiar para dedicar-se exclusivamente à sua obra. Chegou a pintar um quadro por dia até sua morte, aos 92 anos. Longevos e produtivos até o fim foram também, para citar somente poucos exemplos, os pintores Joan Miró e Marc Chagall, os escritores Jorge Luis Borges, Elias Canetti e Isaac Bashevis Singer. O extraordinário ator, pintor, escultor e escritor que foi Anthony Quinn, morto no ano passado aos 86 anos lúcido, produtivo, até o fim da vida. Deixou 13 filhos, de três casamentos, os menores com 7 e 3 anos. E o genial Charles Chaplin.
No campo da música, há uma quantidade de longevos ativos: Arturo Toscanini, Ignacy Paderewski. Magdalena Tagliaferro, "Magdá de cabelos de fogo", que nonagenária ainda dava concertos e aulas, Pablo Casals. O maestro Leopold Stokowski, que contava o segredo da sua longevidade: "É o interesse pelo meu trabalho. O fato de que nunca para mim uma segunda-feira foi diferente de um sábado ou domingo".
A escritora Rachel de Queiroz produziu sua obra-prima, Memorial de Maria Moura, aos 84 anos. Hoje, chegando aos 92, continua ativa. Winston Churchill, dos 66 aos 71 anos, liderou seu país na luta contra Hitler e manteve-se ativo até quase o fim. O "fenômeno" Barbosa Lima Sobrinho, que atingiu quase 102 anos de vida ativa e militante, é outra glória do time dos países em desenvolvimento. E José Saramago, o primeiro escritor de língua portuguesa a conseguir o Prêmio Nobel aos 76 anos , continua produzindo um livro por ano na ilha de Lanzarote. Quanto a outro Nobel, Gabriel García Márquez, confessa que seu maior medo é parar de produzir a vacina contra esse medo, segundo diz, é escrever todos os dias, procurando ainda novas formas de expressar-se. Ter uma ocupação interessante é mesmo o melhor caminho para alongar a vida, como atestam Oscar Niemeyer, Miguel Reale, Paulo Autran, Altamiro Carrilho, Tomie Ohtake e Mário Lago, autor de um poema que diz: "Eu fiz um acordo/ de coexistência pacífica/ com o tempo:/ Nem ele me persegue;/ nem eu fujo dele./ Um dia a gente se encontra..."
A análise de vários tipos de sociedade humana, inclusive as mais primitivas, nos permite concluir que a maior longevidade (com índices que até superam os cem anos) encontra-se entre as que mantêm um padrão fundamental: os idosos são vistos como parte integrante da comunidade, não são discriminados e continuam produtivos e felizes até o fim da vida.
Simone de Beauvoir, em sua obra A Velhice, já dizia, há mais de 30 anos, que "a velhice deveria ser apenas uma fase da existência, diferente da juventude e da maturidade, mas dotada de um equilíbrio próprio, e que deixasse aberta ao indivíduo uma ampla gama de possibilidades". Na sua opinião, em Bali teríamos ainda hoje um dos melhores exemplos disso: os mais velhos apresentam ótima saúde e aparência, escapam à senilidade e desempenham papéis importantes, zelando pela saúde dos mais jovens, contando-lhes histórias, ensinando-lhes arte e poesia, ou ainda na direção da aldeia e no exercício de funções religiosas. Para eles e para numerosos outros anciãos que são encontrados principalmente nas zonas rurais, em todo o mundo, ninguém disse um dia que deveriam parar. Eles não têm tempo para crises de identidade felizmente não sabem o que é isso. Não se embalaram na grande balela da aposentadoria. E, o que é mais importante, não foram afastados das suas atividades habituais, nem do núcleo familiar. Estão mais inseridos numa programação normal do ser humano, ligada ao ritmo da natureza.
Para que a otimização do potencial do ser humano aconteça, porém, é preciso que o cidadão idoso conte com uma situação financeira e social que lhe dê estabilidade, tempo e condições de saúde ninguém pode ser criativo, principalmente no campo intelectual e artístico, sem essas condições básicas. A ONU define esse novo paradigma, o envelhecimento ativo, como "o processo pelo qual se otimizam as oportunidades de bem-estar físico, social e mental durante toda a vida, com o objetivo de ampliar a esperança de vida saudável, a produtividade e a qualidade de vida na velhice". Renda, trabalho e proteção social são fatores indispensáveis. É evidente que o idoso carente é apenas um ser eternamente angustiado; por conseguinte, sujeito à depressão e outras doenças, isolado do convívio social, impossibilitado de usufruir dos próprios avanços da medicina e incapacitado para um trabalho gratificante para ele próprio e proveitoso para a comunidade.
Nos países desenvolvidos a sobrecarga do sistema previdenciário já é de tal ordem com a preocupação de que faltem jovens que trabalhem para sustentar as populações mais idosas que o fenômeno tem sido descrito como o poder cinza, ou até como a peste cinzenta. O gerontólogo norte-americano Ken Dychtwald diz que o século 21 verá "o poder da idade", mas que a sociedade terá de lutar contra a grande catástrofe social que poderia ser acarretada pela existência de uma enorme massa de idosos dependentes, incapacitados ou atingidos pelo mal de Alzheimer. "De nada adiantará viver mais tempo se os velhos continuarem a passar suas últimas décadas não fazendo quase nada, só assistindo à TV." Pesquisas informam que 40 milhões de aposentados norte-americanos passam em média 43 horas por semana diante de um televisor.
Lazer e educação
Para que essa situação se modifique, o conceito de lazer já vem sendo trabalhado, em vários países, em um amplo sentido cultural, integrado nos parâmetros de uma educação permanente do ser humano. No Brasil, coube ao Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc-SP) a iniciativa de um trabalho sistemático com idosos. Em 1963 foi implantado o primeiro núcleo do gênero, seguindo o modelo importado dos centros de convivência Golden Age, já disseminados nos Estados Unidos. Essa experiência pioneira tornou-se em poucos anos um ponto de referência para a formação e desenvolvimento de grupos similares em outras unidades da instituição, na capital e no interior do estado de São Paulo.
Uma das pessoas que nos últimos 30 anos mais se destacou nesse trabalho é o gerontólogo e epidemiologista Marcelo Antonio Salgado, aposentado em 2000 como gerente de Estudos e Programas da Terceira Idade. Entrou no Sesc em 1970, como orientador social, e pôde acompanhar três gerações de idosos, bem diferenciadas. "No início do nosso trabalho os idosos tinham uma atitude muito tímida, deprimida. Interiorizavam o conceito de que aos velhos só restava velhar. Quer dizer, permanecer sentados o dia todo, sem fazer nada. A velhice era identificada com decadência física, penúria, solidão, perdas. Era uma geração de velhos humildes, inferiorizados, que ficavam muito agradecidos aos técnicos jovens que se ocupavam deles. Havia constrangimento do idoso quanto ao seu corpo. As senhoras não se sentiam à vontade em maiôs ou roupas de ginástica", afirma Marcelo Salgado.
Com o passar dos anos, as gerações sucessivas de idosos foram incorporando à sua rotina as atividades esportivas, culturais e sociais que lhes eram proporcionadas, criando confiança em si e maior visibilidade. Na década de 1970, as ações de trabalho social com a terceira idade possibilitaram a ampliação e melhora qualitativa dos programas, o aumento de grupos e de participantes que hoje são 52 mil.
No período de 1973 a 1976 esse serviço foi se sedimentando de maneira permanente, inclusive com o investimento em aprimoramento e aperfeiçoamento de seus técnicos no exterior. Como testemunha a gerontóloga Maria Barroso, em trabalho apresentado na 3ª Semana Nacional de Gerontologia, realizada na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo em dezembro de 2000: "Em 1974 revisamos nosso trabalho com idosos a partir da análise européia, trazida por Marcelo Salgado. Ele preparou um documento o qual deu origem ao programa de Renda Mensal Vitalícia e encaminhou-o ao ministro Nascimento e Silva. Assim foi criada a lei 7.179/74".
A partir dessa época, realmente, o trabalho com idosos do Sesc-SP assume também uma função mais específica de estudos e pesquisas, estimulando nesse segmento a luta por seus direitos e a mobilização para o pleno exercício da cidadania. É fundado o Ceti (Centro de Estudos da Terceira Idade), organiza-se uma ampla documentação sobre o assunto (biblioteca especializada, "Cadernos da Terceira Idade"), e a instituição se entrosa com outros núcleos de trabalho, em âmbito nacional, empenhando-se inclusive na elaboração de uma legislação específica como a inclusão de artigos na Constituição de 1988 e a criação da lei 8.842/94 (Política Nacional do Idoso).
Marcelo Salgado diz que essa lei é extremamente ágil, moderna, "mas a situação da terceira idade continua a mesma. Porque só criar leis não adianta nada". Em sua opinião, a política social entre nós reveste-se sempre de um caráter de benesse de quem detém o poder governos, empresários.
Desde 1982, o Sesc tem realizado regularmente, a cada dois anos, o Encontro Nacional de Idosos, que reúne delegações de vários pontos do país. O Encontro de Velhos Cidadãos, organizado pela entidade em 2000, contou também com uma delegação de Portugal. Recentemente de 4 a 7 de dezembro último o Sesc-SP abrigou o seminário A Reforma do Estado e o Envelhecimento da População Brasileira, promovido pela Associação Nacional de Gerontologia (ANG-SP).
O "novo" velho
Embora o envelhecimento aconteça de forma contínua e inexorável no decorrer da vida, marcado por circunstâncias de perda relativa aposentadoria, doenças, menopausa e andropausa, tragédias pessoais ou familiares , há um momento em que o ser humano, de maneira repentina, tem de reconhecer que está velho. É uma crise de identidade comparável à experimentada pelo adolescente no momento de ingressar na idade adulta. Só que, para este, a vida está pela frente; para o velho, ficou para trás. É o momento em que ele se pergunta, como o poeta Louis Aragon: "Mas o que foi mesmo o que se passou? A vida, e eu estou velho". Ou, como Cecília Meireles: "Em que espelho ficou perdida a minha face?"
Uma crise que só pode ser resolvida aderindo-se de maneira franca a uma nova imagem da pessoa. Da reflexão sobre a vida passada é o momento do balanço existencial , da avaliação realista das possibilidades restantes, surgirá uma reformulação de objetivos, um interesse renovado pela vida. Os espíritos superiores, os grandes realizadores, têm essa capacidade de adequação; a sua programação existencial foi suficientemente forte como vimos nos exemplos citados anteriormente para permitir que envelheçam bem, isto é, ativamente.
Para a maioria das pessoas, porém, a formação ou a renovação da auto-imagem passa inevitavelmente pelo outro. "Como os outros me vêem?", "O que a sociedade espera (ou des/espera) de mim?" São as perguntas básicas que podem confirmar ou desestruturar o ego de uma pessoa, marginalizar um setor, um segmento populacional trabalhar, enfim, de maneira concreta, cotidiana, insidiosa, contra o paradigma do "novo velho".
Portanto, qualquer discurso sobre um envelhecimento saudável e ativo só pode começar pelo questionamento da imagem de "velho" que a sociedade tem hoje, no tecido cotidiano de nossa existência.
Qual a imagem de "velho" que prevalece hoje no Brasil? Não é preciso pensar muito para responder. País de contrastes e desigualdades que se estendem em dimensão continental há cinco séculos, viemos nos embalando no mito do "país jovem", do "país do futuro" de repente, acordamos estremunhados diante das estatísticas: somos o protótipo do país com envelhecimento populacional acelerado. São poucos os países no mundo que igualam ou ultrapassam nossos índices.
Mas essa massa "em amadurecimento" está ainda defrontada com um enorme espelho o da mídia televisiva e da grande imprensa em que somente o jovem é identificado com "bom, belo, bonito", o objeto sexual hoje denominado "sarado". Ao passo que o "velho" está ainda associado a decadência, desamparo, fraqueza, pobreza.
A televisão, as revistas consumistas e o cinema contribuem para veicular dois estereótipos: o mais antigo, o derrisório, nos dá a velhinha pitoresca que faz biscoitos ou crochê ou, mais "moderna", brinca na Internet e o vovô, coitadinho, cochilando sobre o jornal. A contrapartida da derrisão é o respeito obrigatório (a ameaça que em si já é carregada de significado negativo: "Você é o idoso de amanhã!"). Nesse quadro inclui-se o filme de Carla Camurati, Copacabana, sem dúvida bem-intencionado, que pretende contar as histórias de um punhado de velhos que viveram por quase um século naquele bairro carioca. O resultado, infelizmente, é uma verdadeira enciclopédia de clichês derrisórios sobre os problemas da idade avançada, os quais passam muito ao largo das verdadeiras questões em discussão no mundo de hoje.
O mito da aposentadoria
Com a atualização dos dados sobre a longevidade, e com a nova tendência demográfica, é evidente que cai por terra, por frouxo e defasado, o antigo conceito de aposentadoria. Há algumas décadas a vida funcional do cidadão era contida dentro de um esquema bastante simples: a algumas décadas produtivas devia seguir-se necessariamente o que era considerado a suprema benesse, o merecido repouso. E a fruição de um paradisíaco período de lazer, com viagens e hobbies sofisticados para os detentores de gordas pensões, e ginástica na praia ou partidas de dominó para os menos favorecidos.
Há muito a precariedade e os paradoxos da aposentadoria vêm sendo discutidos. Como diz a socióloga Lilia Ladislau, em sua tese Trabalho Social com Idosos: Lazer e Participação Social, "a tendência do sistema é negar a condição de vida do trabalhador e depositar na aposentadoria a função de compensadora ao mundo do trabalho; propiciando cada vez mais um distanciamento entre a vida de trabalho e a sonhada de não trabalho".
Considerada um direito, a aposentadoria deveria assegurar uma renda satisfatória, que permitisse aos indivíduos manter seu nível de vida e garantir suas necessidades vitais. Mas não é isso o que acontece apenas uma pequena minoria de aposentados (nas classes mais altas e impunemente acumulando aposentadorias) recebe um salário igual ou semelhante ao de sua vida ativa. E se a aposentadoria da classe C sempre foi irrisória, atualmente é a classe média, a que representa a maioria dos trabalhadores profissionais, que se encontra com proventos inteiramente defasados e, o que é pior, ameaçada a cada dia por novas restrições drásticas, taxações, desvalorizações. Na geração atual de aposentados de nível universitário, raro é o cidadão que pode viver de sua aposentadoria. Todos buscam, de uma maneira ou de outra, complementar sua renda com trabalhos ocasionais. Soma-se a essa situação, na esfera familiar, um outro fator: a impossibilidade de achar uma colocação, devido à alta taxa de desemprego, faz com que os filhos (e muitas vezes os netos) continuem a depender, durante muito tempo, dos pais. Pesquisas recentes mostram que, nos micromunicípios brasileiros de até 5 mil habitantes, os benefícios previdenciários representam até 20,3% da renda monetária das famílias o que significa que um atraso de três meses no pagamento das pensões é suficiente para que toda a economia local fique abalada. No país todo, essa média atinge 7,2%.
A coordenadora do Trabalho Social com Idosos (TSI) do Sesc-Consolação, em São Paulo, Marta Lordelo Gonçalves, confirma que hoje a solicitação mais comum dos idosos que procuram esse serviço é uma só: trabalho. Um item que, infelizmente, não pode ser disponibilizado são pouquíssimas as empresas que contratam aposentados. Quando o fazem, é somente para funções secundárias, como empacotadores de mercadorias, ou como temporões office boys de empresas que se valem da prioridade dada aos idosos nas filas de bancos para poupar tempo e dinheiro, é claro. Porque o salário dos idosos é sempre inferior ao dos mais jovens.
Consciência política
O debate sobre o novo paradigma adotado pela ONU e sobre as implicações sociais da longevidade está apenas começando. Trata-se de uma questão complexa. Um detalhe importante, porém, já está chamando a atenção: o potencial eleitoral dos idosos. No Brasil, atualmente, eles chegam a 14,5 milhões no total, 94% dos quais com título de eleitor.
Até novembro de 2002, esse número e o descontentamento desse segmento tão tripudiado deverão ter crescido bastante. Organizar-se de maneira independente, apartidária, para agir no cenário político, pode e deve ser uma opção válida no seu programa de atividades retomadas.
Números da velhice A população idosa no Brasil chega a 14,5 milhões.
O censo brasileiro de 2000 registrou que a população feminina é ligeiramente superior à masculina: de um total de 160,3 milhões, 82,8 milhões são mulheres (51,6%). Entre os idosos, porém, a diferença é maior: a população feminina chega a 60%.
Em 2020 o Brasil será o sexto país mais envelhecido do mundo. Nesse ano as idosas brasileiras serão em número igual ao total da população do estado do Rio de Janeiro hoje. Dos idosos com mais de 80 anos dois terços serão mulheres.
A Suécia levou 80 anos para que sua população com mais de 65 anos chegasse a 14%. Na América Latina isso ocorreu em menos de 20 anos.
A expectativa de vida no Brasil é de 64 anos para os homens e 72 para as mulheres. Na Argentina os números são, respectivamente, 68 e 74, e no Uruguai, 69 e 76.
Distribuição de renda entre os idosos: a maioria (69,4%) vive com até dois salários mínimos. Dois a cinco salários é o que recebem 19,4%. E 11,2% têm renda acima de cinco mínimos.
No mundo, em cada dez pessoas, uma tem mais de 60 anos. O total de idosos é calculado em 646 milhões. São 11 milhões a mais a cada ano.
Dentro de 30 anos, o grupo de idosos chegará a 40% da população da Alemanha, Japão e Itália.