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Oferta de ligações telefônicas explode, mas reclamações persistem
ANTONIO GRAÇA
Três anos e meio depois da privatização do Sistema Telebrás, realizada em julho de 1998, operadoras, governo e usuários de telefonia certamente têm muito o que comemorar. Em setembro de 2001, o número de telefones fixos ativados chegou a 45,1 milhões, duas vezes e meia os 17 milhões existentes na data da privatização. No mesmo período, os terminais públicos os populares orelhões passaram de 471,2 mil para 1,33 milhão. No âmbito da telefonia celular, o desempenho foi ainda mais expressivo: a base de terminais saltou de 5,57 milhões para 26,3 milhões.
São números que, em alguns casos, estão acima da expectativa da própria Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que havia estabelecido, para setembro do ano passado, a meta de 39,5 milhões de telefones fixos em funcionamento. Nesse cenário, as empresas que cumpriram as metas de universalização oferta de serviços para o conjunto da população de suas áreas de concessão poderão operar para além de sua base geográfica. A Telemar, por exemplo, que já está presente em 16 estados, poderá atuar também em São Paulo ou outros estados da região centro-sul. São mudanças que ampliam o leque de serviços para os usuários, aumentam a competição e criam novas oportunidades de negócios.
Outro indicador desse sucesso foi a criação do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust). Com o objetivo de tornar disponível ao conjunto da população os serviços do setor, desde fevereiro do ano passado, quando foi instituído, até outubro, o Fust arrecadou R$ 977 milhões. Desse total, R$ 275,5 milhões foram contribuições de prestadoras de serviços de telecomunicações 1% da receita operacional bruta obtida no mês anterior ao recolhimento. O restante do valor arrecadado corresponde a 50% do que é cobrado pela Anatel na concessão de licenças para as operadoras. O primeiro programa realizado com recursos do fundo é a implantação de uma rede constituída por 290 mil computadores com acesso à Internet, que integrará 13 mil escolas públicas de ensino médio e profissionalizante. Segundo estimativa do governo federal, serão beneficiados 7 milhões de alunos.
Mas, apesar das inegáveis conquistas obtidas pela privatização, não só alguns problemas do passado ainda estão por ser solucionados, como surgiram outros, devido à própria dinâmica do processo de expansão da telefonia. Do ponto de vista do usuário, se hoje é fácil conseguir uma linha fixa, instalada em alguns casos em 72 horas, ainda há muita coisa a ser resolvida. O Procon de São Paulo, por exemplo, registrou, no período de janeiro a agosto de 2001, um crescimento de 68,53% no número de reclamações contra as operadoras em relação a todo o ano de 2000. Até agosto de 2001, havia registro de 11.427 reclamações. Em todo o ano de 2000, tinham sido 6.780.
Embora reconheça que a privatização foi bem-sucedida, sobretudo do ponto de vista da inclusão social, a diretora de atendimento do Procon, Maria Lumena Sampaio, aponta, por exemplo, a questão da forma como chega a conta para o usuário, pouco clara, pois não expressa o valor por tempo de utilização, mas a quantidade de pulsos. "Falta transparência nas informações. A cobrança por pulsos não tem uma expressão aferível pelo leigo", afirma.
É uma questão que também preocupa o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Segundo Maria Inês Dolci, advogada da instituição, já foram feitas várias reclamações a esse respeito às operadoras e à Anatel, que alegam ser impossível discriminar as ligações de forma compreensível ao usuário pelo fato de haver linhas analógicas. Maria Inês lembra, no entanto, que, pelos próprios dados da Anatel, 96% das linhas já são digitais, o que dá plenas condições técnicas para resolver o problema.
No que se refere à conta telefônica, os valores também são motivo de descontentamento para o consumidor. Segundo o Idec, em três anos, contados a partir de julho de 1998, a assinatura subiu 42,5%, passando de R$ 13,82 para R$ 19,77. No mesmo período, o INPC não variou mais do que 15%. Isso sem falar no que ficou conhecido como tarifaço, ou seja, uma majoração de 2.500% no valor das tarifas no período que antecedeu a privatização.
Inadimplência
Outro grande problema, em parte decorrente da política de preços e que afeta tanto usuários quanto operadoras, é o tamanho da inadimplência. De janeiro a setembro do ano passado, segundo registrou uma ampla reportagem da "Folha de S. Paulo", tinham sido cortados 2,5 milhões de telefones, porque os assinantes não puderam pagar as contas. Ou seja, a universalização das telecomunicações também está esbarrando num velho problema do Brasil: a má distribuição de renda.
De acordo com consultores, o percentual aceitável de inadimplência em telecomunicações é de 1,5%. Não é esse, porém, o número encontrado no Brasil: a Embratel, em setembro do ano passado, registrava 9%, e a Telemar, cerca de 6%. O impacto nos negócios pode ser medido pela necessidade de provisão, ou seja, reserva de recursos que as empresas têm de fazer para os chamados devedores duvidosos. A Telemar, por exemplo, que teve prejuízo de R$ 429 milhões no terceiro trimestre de 2001, atribui parte desse desempenho aos R$ 653 milhões de provisão adicional que teve de fazer em setembro do ano passado.
É evidente que alguma coisa tem de ser feita. Luiz Francisco Perrone, conselheiro da Anatel, lembra que a inadimplência também atingiu a telefonia celular, levando à criação de planos alternativos, como o pré-pago. Uma das possibilidades sugeridas por especialistas é exatamente trazer essa modalidade para o telefone fixo, como já fez a CTBC Telecom, operadora que atua no Triângulo Mineiro, nordeste de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul. Outra sugestão é bloquear a ligação do fixo para celular, já que a minutagem nesse caso é muito mais cara. Há ainda a possibilidade de reduzir o valor da assinatura básica, na qual já vêm embutidos cem pulsos por mês. Muitos assinantes não chegam a utilizar esse total. Poderiam ser criados, portanto, planos mais baratos, com menor quantidade fixa de pulsos.
Mas é preciso também educar os segmentos da população que passaram a contar com esses serviços. Conforme recomendam os órgãos de defesa do consumidor, seria necessário informar aos novos usuários, por meio de campanhas, como é hoje a natureza dos serviços de telecomunicações, os que são básicos e os que são mais caros.
Além da inadimplência, há ainda outros nós a serem desatados do ponto de vista do negócio. O modelo de competição previsto no plano de privatização deu certo na telefonia de longa distância e celular, com as bandas A e B. No caso da Embratel e da Intelig, instalou-se no ano passado uma guerra de preços que beneficiou o usuário, com a tarifa de chamadas internacionais chegando a R$ 0,06 por minuto, quando tradicionalmente era cobrado cerca de R$ 1. Na telefonia fixa local, porém, a competição ainda não mostrou resultados. As empresas espelho, como a Vésper, concorrentes das estatais que foram privatizadas, não decolaram. Os próprios especialistas reconhecem que é muito difícil criar, a partir do zero, uma operadora para competir com outra que já tem uma infra-estrutura consolidada ao longo de vários anos.
Mudança de cultura
A magnitude dos problemas a serem resolvidos, no entanto, não apaga o brilho dos resultados positivos. A expansão da rede de telefonia fixa endossa a avaliação do processo de privatização feita por Luiz Francisco Perrone: "O telefone deixou de ser um luxo e passou a ser um direito. Antes, para ter uma linha era preciso pagar R$ 1,2 mil e aguardar dois anos. Ou então comprar no mercado paralelo por valores que chegavam a R$ 7 mil. Hoje se paga R$ 80", afirma ele. Ainda que se pondere que, quando pagava R$ 1,2 mil, o assinante era proprietário da linha e recebia ações da operadora, é evidente que houve ganho para os usuários com o novo modelo de telefonia. Houve uma mudança de cultura, em que o telefone deixou de ser um ativo para se tornar uma prestação de serviço, como já acontecia em todo o mundo desenvolvido. Atualmente, quem quer uma linha e vive numa localidade com mais de mil habitantes não espera mais do que quatro semanas, garante Perrone.
No caso do celular, a privatização também se mostrou um sucesso em termos de negócios e de avanço tecnológico. O celular diminuiu de peso e de preço desde que foi lançado no Brasil, em 1990. Naquela época, custava US$ 3 mil. Hoje, está em torno de US$ 200, incluindo aparelho e habilitação. A modalidade do pré-pago, lançada em 1999, é o destaque desse negócio. Segundo Gilson Rondineli, vice-presidente da Telesp Celular, cerca de 70% da base da operadora hoje é constituída por pré-pagos. O controle que o usuário tem sobre os gastos é o principal fator da expansão dessa modalidade, responsável também pela expressiva queda da inadimplência. Hoje, segundo Arnaldo Tibiriçá, diretor executivo de relações públicas da BCP, a inadimplência no celular está em torno de 2%. Mas essa não é a única vantagem. O celular pré-pago está popularizando a telefonia de uma forma inesperada até pelos mentores da política de telecomunicações. A adesão ao pré-pago por parte das classes C e D tende a superar a obtida pela telefonia fixa. "Pode-se afirmar que é mais difícil fazer chegar a telefonia fixa à periferia do que a celular", observa Tibiriçá.
É o que mostra o caso do jardineiro Reginaldo Inácio de Souza, que tem celular pré-pago há um ano e meio, utilizado apenas para receber chamadas de pessoas para quem presta serviços. "Não faço ligação. É só para receber. Quando quero ligar, uso o orelhão." Ele conta que gasta em média apenas R$ 20 por mês com o pré-pago. Diz ainda que só recentemente pediu a instalação de uma linha fixa em Francisco Morato, bairro da periferia da cidade de São Paulo, onde mora.
Outro exemplo é o de Cláudio Fumeiro, que faz frete com uma Kombi. Ele conta que transformou o seu celular convencional, com o qual gastava até R$ 90 por mês, em pré-pago. Agora, ele passa de 60 a 90 dias utilizando um cartão que custa R$ 30. "É um recurso indispensável para o meu trabalho. Antes, saía em busca de serviço. Agora, sou procurado", afirma.
O celular revelou-se um bom negócio para o usuário e para as operadoras, que expandiram fortemente a sua base de assinantes. Só a Telesp Celular conta hoje com mais de 5 milhões de clientes, o mesmo número de celulares que havia em todo o país em julho de 1998. Esses números mostram quanto o setor de telecomunicações no Brasil encontrava-se represado antes da privatização.
Em contraste com a carência de recursos do governo para o então Sistema Telebrás investir na expansão de sua rede, o período em que se deu a privatização era, no âmbito mundial, extremamente favorável, com abundância de capitais e as operadoras muito valorizadas, segundo Carlos Henrique Rocha, gerente sênior de telecomunicações da Deloitte Consulting. De acordo com dados do Ministério das Comunicações, foram investidos, somente em 2000, US$ 11 bilhões no setor. São recursos não apenas das operadoras, mas de toda a ampla cadeia de negócios, incluindo fornecedores de equipamentos e de serviços.
Apesar da importância que tem o chamado cliente pessoa física, tanto na telefonia fixa quanto na celular, é o segmento corporativo que sustenta e explica a maior parte dos investimentos. Antes da privatização, as grandes empresas, devido às deficiências do Sistema Telebrás, criaram suas próprias redes de comunicação, a exemplo dos bancos Itaú e Bradesco. Apesar da magnitude, essas redes privativas mais do que gerar receita representavam um ônus para os bancos. A privatização ampliou fortemente a oferta de transmissão de dados, com a conseqüente redução de custos para os usuários, basicamente empresas. Dessa forma, tornou-se desnecessário e economicamente desinteressante manter as redes privativas. Melhor vendê-las para as operadoras e se tornar cliente delas. Foi o que fez, por exemplo, o Itaú, que passou sua rede para o grupo Telefônica por US$ 200 milhões no ano passado.
Novas oportunidades
Embora a maior parte dos investimentos para a expansão da rede e dos negócios em telecomunicações no país já tenha sido feita só a Telefônica investiu, entre 1999 e 2001, US$ 8 bilhões em São Paulo e agora se esteja ingressando numa fase de consolidação e crescimento menos acelerado, ainda há muitas oportunidades, principalmente na oferta de serviços de valor agregado, como acesso rápido à Internet e transmissão de dados pelo celular. No caso da telefonia móvel, deverá se alcançar neste ano um novo patamar tecnológico e de negócios. A chegada dos celulares de gerações mais avançadas vai permitir efetivamente a Internet móvel. Com isso, o aparelho vai dividir com o computador a função de transmitir e receber dados e imagens pela web.
Mas, apesar do ritmo de crescimento verificado nos investimentos em telecomunicações nos últimos anos, uma redução já era esperada, pois, como explica Marcos Aguiar, diretor de telecomunicações da The Boston Consulting Group, "as operadoras aplicaram, até o primeiro semestre de 2001, a maior parte dos recursos para cumprir as metas da Anatel". Além disso, o estouro da bolha das empresas de comércio eletrônico, em 2000, retraiu o negócio de transmissão de dados. Deve-se considerar ainda que a economia mundial vive uma desaceleração econômica, agravada pelos atentados terroristas nos Estados Unidos.
Nesse cenário de crescimento mais modesto, as operadoras, segundo Aguiar, terão de "melhorar a produtividade de seus ativos". Ou seja, acompanhar, por exemplo, mais de perto o nível de utilização de suas redes e promover ações de marketing para estimular o uso em horários fora de pico. Terão também de chegar a um acordo para compartilhar as redes e reduzir custos. "Será necessário ainda pensar em novos produtos, como o pré-pago na telefonia fixa, e isso será positivo para o consumidor, na medida em que haverá uma oferta maior de pacotes, planos e serviços", prevê Aguiar.
Se tudo indica que o futuro para o setor de telecomunicações, tanto do ponto de vista do usuário quanto do empresarial, continuará propício, há, no entanto, necessidade de reavaliações e mudanças para consolidar o êxito obtido até agora. O professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e coordenador do Centro Latino-Americano de Estudos da Economia das Telecomunicações Márcio Wohlers afirma que, do ponto de vista quantitativo, o modelo de privatização foi bem-sucedido, com as empresas ultrapassando as metas de universalização. Mas ele pondera que há pontos a ser repensados. "O governo elegeu um modelo de privatização em que a inserção internacional do Brasil nas telecomunicações foi passiva, ao optar por uma desnacionalização sem limites das operadoras de telefonia. Foi uma forma de reduzir o risco de a venda das estatais não dar certo", observa Wohlers.
De fato, das três grandes concessionárias que operam telefonia fixa no país, apenas a Telemar é nacional. A Telefónica, da Espanha, levou a Telesp. A Brasil Telecom, que opera na região centro-sul, apesar do nome, é controlada por capital italiano. E a Embratel, na longa distância, ficou com a norte-americana MCI.
Não se trata de nacionalismo fora de hora, num mundo em que a palavra globalização já virou lugar-comum. O setor de telecomunicações é um dos que hoje tem mais impacto na indústria e na balança comercial do país. A previsão da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) era de que a balança do setor fechasse 2001 com um saldo negativo de cerca de US$ 9 bilhões, em que mais de 50% correspondem a componentes para telecomunicações.
Ao formular as bases para as telecomunicações no país, o governo não pode mais ignorar a necessidade de integrá-las a uma política industrial, estimulando a pesquisa tecnológica e a produção local de componentes e equipamentos. Para tanto, conforme recomenda Wohlers, é preciso antes de mais nada separar a formulação de uma política de telecomunicações das tarefas de regulação e fiscalização, que devem ficar com a Anatel. A formulação dessa política exige uma percepção mais ampla, que tenha em vista diminuir a dependência tecnológica do exterior e considere o impacto social que esse setor tem como gerador de empregos.