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Esporte
De portas abertas
O esporte não precisa visar somente a vitória. Inclusão social, preceitos pedagógicos e educação para a cidadania também entram em campo
Existe uma máxima ainda muito recorrente nos discursos sociológicos no Brasil ao apontar o esporte, na verdade o futebol, como um dos exclusivos meios de ascensão social para a população excluída. Em parte, essa constatação, ainda que atualmente tingida por um romantismo ingênuo, carrega uma verdade, mesmo que parcial. O futebol profissional ainda é o anseio máximo de um menino pobre de periferia, de cujas pernas emanam o dom de dominar a bola. No entanto, é de se constatar que a via esportiva estreita-se cada vez mais. É muito mais difícil hoje para um menino sem preparo atingir os píncaros, se guiado somente pela estrela milagrosa de seu talento. Por isso, o esporte deve ser visto sob um outro ângulo. Em vez de rota de acesso, deve ser difundida ao grande público e, por que não, aos governantes, uma percepção que permeie a prática esportiva por valores inclusivos; uma prática que contemple a participação de todos: hábeis e inábeis; crianças, jovens, adultos e idosos. Enfim, um conceito que adicione elementos pedagógicos e culturais, colocando a competição como fator secundário; e a vitória, como resultante de um processo maior.
Um dos laboratórios para comprovar, na prática, esse alicerce teórico, defendido abertamente pelo Sesc é a Copa AESA, realizada na unidade de Interlagos e que reúne 4.500 alunos de 35 escolas particulares da Zona Sul de São Paulo. Durante dois meses, o encontro abre mão da "disputa pela disputa" e elege outros instrumentos que reforçam noções de cidadania, cooperação e respeito. "É verdade que não se pode falar de esporte sem competição", explica Maria Luiza Dias, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo, do Sesc SP. "No entanto, para o Sesc ganhar ou perder não é a finalidade da prática esportiva. Para nós, o mais importante, principalmente quando tratamos com crianças é que elas aprendam lições de vida por meio do jogo. A Copa AESA, por exemplo, não é uma simples competição, trata-se de uma prática esportiva que deve ser prazerosa, agregadora e cooperativa". Tanto crianças como jovens tem a oportunidade de tirar lições da própria competição e através de um processo educativo desenvolver estratégias de criatividade.
Com respeito à Copa AESA, o próprio regulamento, em seu artigo 1º, ressalta os princípios fundamentais da competição. Eles perfazem, na verdade, os conceitos que deveriam nortear qualquer ação para a prática esportiva. São idéias simples de como valorizar a cultura esportiva e a função sócio-educativa do esporte como importante estratégia de aprendizagem do convívio em sociedade, a participação, cooperação e o espírito de equipe, em vez da performance e da vitória a qualquer custo. Dessa forma, a Copa, que entra em seu décimo ano, trabalha com aspectos diferenciados, como a educação esportiva da família que acompanha os filhos e da própria escola, que às vezes, pressiona o aluno para obter um bom resultado. Por tudo isso, a cada edição, observa-se mudanças paulatinas no comportamento dos alunos, pais e professores que gradualmente incorporam o espírito inerente à Copa AESA.
"No início, a Copa era organizada pela Associação das Escolas Particulares da Zona Sul de São Paulo (AESA) e o Sesc Interlagos apenas sediava o evento e cedia suas instalações, suprindo uma carência aguda daquela região da cidade", explica Andréa Cristina Bisatti, gerente-adjunta da unidade Interlagos. "Com o passar do tempo, a unidade passou a organizar o evento em parceria com a AESA. Nesses dez anos, passamos a agregar valores educativos e culturais e temos nos esforçado para transmití-los aos alunos, pais e professores. Houve uma mudança de mentalidade que resultou na diminuição dos desentendimentos e na maior participação da família. É preciso deixar claro que a escola não é uma fábrica de "atletas" e o professor não é simplesmente um treinador, mas um educador".
Este ano, a Copa traz algumas novidades que convidam pais, professores e funcionários das escolas a compartilharem o evento com os alunos. "Além das modalidades tradicionais, como futebol, vôlei, basquete e handebol, organizamos a Corrida Rústica em que o público, de todas as idades e divididos por 'baterias e categorias', pode participar", retoma Andréa. Outra inovação é o torneio de "lances livres" nos intervalos das partidas de basquete, que reúne uma dupla formada por pai e filho. "Nossa intenção é que os alunos entendam que eles estão competindo com outros garotos e não contra alguém", esclarece. Segundo Andréa Bisatti, os árbitros também estão imbuídos dos ideais educativos. Isso significa que as regras tradicionais dos esportes que só punem, aqui são instrumentos de uma orientação correta e possibilitam, em alguns casos, uma nova oportunidade. Ao lado da competição esportiva, a Copa AESA organiza pela primeira vez um festival de música, ampliando adesão de mais alunos e permitindo outros talentos da comunidade escolar.