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P.S.
Aberta a janela do tempo

Em meados dos anos 90 lançamos no CineSesc um projeto desenvolvido conjuntamente com a distribuidora paulista Pandora Filmes, cujo objetivo era o relançamento de alguns filmes já devidamente catalogados como essenciais na história do cinema.
Por ser uma forma de expressão de origem recente - finais do século 19 -, é possível encontrar a maioria desses filmes em cinematecas espalhadas por todo o mundo, e essas instituições cumprem uma função essencial de preservar patrimônio de tal valor. Porém, são raras as oportunidades de acesso para o grande público até mesmo pelos cuidados especiais que o acervo exige. Surge assim o projeto com a primeira intenção de ampliar esse público através de exibições comerciais.
Iniciamos o ciclo com a versão integral de O Leopardo, de Lucino Visconti, um maravilhoso documento sobre o processo de unificação da Itália exibido agora com aproximadamente sessenta minutos a mais e no idioma original, o italiano, já que a versão que correra o mundo por trinta anos era dublada em inglês.
A resposta superou as melhores expectativas, de tal forma que incorporamos a exibição desses filmes em nossa programação regular. Certamente que os motivos para tamanho interesse são inúmeros, mas gostaríamos de destacar alguns deles que nos parecem mais evidentes.
Em primeiro lugar, de ver pela primeira vez ou rever essas obras marcantes com o devido distanciamento que a história proporciona adquirindo ou sedimentando conhecimentos específicos sobre a arte cinematográfica no seu ambiente insubstituível, ou seja, a sala de um cinema. Estilos de direção, de interpretação, planos, cor, luz, equipamentos, novas técnicas que vão sendo incorporadas etc. Para citar um exemplo singelo: Yasuhiro Ozu, notável cineasta japonês dos anos 1950, para conseguir maior intimismo e proximidade nas cenas em que os personagens conversavam sentados no tatami - e essas cenas se repetiam inúmeras vezes em alguns de seus filmes - corta pela metade as pernas de sustentação da câmera, deixando-a no mesmo nível dos personagens, inaugurando com esse simples ato um novo plano de fotografia que passa a ser usado regularmente.
Depois, pela condição inegável do cinema como meio de registro histórico. Sua trajetória marca de forma inequívoca momentos importantíssimos da história, seja através da reconstrução de épocas, seja pelo próprio cenário em que se desenrola a trama e que, algumas vezes, adquire interesse maior do que o próprio enredo. O expressionismo alemão, o neo-realismo italiano, o Cinema Novo brasileiro, o realismo japonês depois de Hiroshima e Nagasaki, a purgação americana no amargo retorno pós-Vietnã, para citar apenas alguns exemplos, são um produto e refletem as condições sociais e políticas de um dado momento histórico das sociedades em que foram concebidos.
Além disso, o caráter autoral desses filmes faz de seu diretor responsável por uma tese, por uma visão de mundo, uma intervenção que o qualifica como verdadeiro cientista social cujo produto é revisto e analisado, criticamente, para as devidas comparações com o momento atual, revelando-se, muitas vezes , de impressionante atualidade.
Jules e Jim e Os Incompreendidos, de Truffaut; Passageiro, Profissão Repórter e A Noite, de Antonioni; O Leopardo e Morte em Veneza, de Visconti; O Sétimo Selo, Morangos Silvestres e Persona, de Bergman; A Doce Vida, de Fellini; Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards; A Regra do Jogo, de Jean Renoir; Testemunha de Acusação, de Wilder; A Marca da Maldade, de Welles; Lolita, de Kubrick; A Malvada, de Mankiewicz; Nós que nos Amávamos Tanto, de Etore Scola, são alguns dos filmes exibidos nesse período. Certamente outros virão para nos proporcionar essa janela do tempo, esse reencontro com épocas e situações vividas ou imaginadas que se renovam nas histórias escritas pelas competentes câmeras dos grandes artistas do cinema.
Luis Alberto Santana Zakir é sociólogo e
gerente do CineSesc