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Encontros
Energia e meio ambiente
Nunca aconteceu no Brasil uma discussão com a sociedade civil sobre o modelo energético que o país deve adotar. O que havia eram projetos que podiam ser discutidos exclusivamente pelas estatais (no caso de São Paulo, pela Cesp; em outros casos, pela Eletronorte). Elas definiam as áreas de maior potencial, faziam as hidrelétricas e nem sequer se preocupavam com o impacto ambiental disso tudo.
Nesse processo, além de observarmos atitudes que absolutamente desprezaram a questão ambiental - talvez porque antes não estivesse na moda - hoje observamos que muitos dos problemas que mais uma vez forçam contra a posição ambiental são gerados por tomadas de posição anteriores. Os governantes e os que estão sentados nas câmaras técnicas decidem, mas as questões que se refletem diretamente dessas posições não são debatidas em um nível mais amplo.
Existe uma lei no Brasil que foi originalmente escrita em 1934, e reformulada em 1965, que se chama Código Florestal. Esse código esteve à baila junto com a discussão do salário mínimo porque os deputados, basicamente os ligados aos ruralistas, pretenderam alterá-lo de forma que lhes desse chance de desmatar muito mais áreas para a produção agropecuária, em especial na Amazônia e na região Centro-Oeste. Essa lei de 1965 já nasceu tarde. Mesmo a primeira versão, de 1934, estava uns bons trinta anos atrasada em relação à primeira proposta de Afonso Pena no começo da República.
Ocorre que essa lei exige que os proprietários de terra tenham, nas margens de seus rios, em suas encostas, nascentes e topos de morro, cobertura vegetal típica da região. Não necessariamente porque já se queria naquela época conservar a flora e a fauna, mas simplesmente por uma questão de bom senso. Afinal, se você tem mata cobrindo a cabeceira de água ou a margem de rio haverá mais água para o uso do próprio dono da terra.
Porém, infelizmente, nem todos os proprietários entenderam assim, não se deu a devida importância a essa questão, e a fiscalização não foi feita. Hoje, é muito mais comum ver culturas descendo a margem do rio chegando na borda da água do que ver a cultura chegar até certa altura e parar na região propícia para que sejam evitados os processos de erosão, e para que seja possível manter a vida existente dentro daquele rio. Ao fazer isso, conserva-se água, ainda que só em quantidade.
Certamente nossos reservatórios não dependem somente da chuva de São Pedro, mas também dos seus tributários, que são esses rios e córregos que hoje estão numa situação muito delicada na maior parte das regiões do Brasil. Ao fazer as represas, era obrigação dos órgãos gestores compor com vegetação natural a nova margem que ali se formava. Só que muito pouco disso foi feito. Embora a Cesp até tenha um trabalho muito expressivo na região do Reservatório de Paraibuna, estamos muito longe da situação ideal, que seria o mesmo tratamento nos outros reservatórios.
Esse não é o único motivo do apagão, mas é um deles. A partir do momento em que se começa a decidir encurtar o procedimento para apressar a construção de novas hidrelétricas ou de termoelétricas, tais questões ficam esquecidas. E mais uma vez a situação toda parece não ter solução. Há um paliativo agora, e talvez daqui a dez anos continuemos sofrendo com o mesmo problema.
As termoelétricas
Em qualquer situação de se transformar gás em energia - na verdade, transformar gás em calor e este em energia -, ocorrem perdas para o meio ambiente. Perdas que muitas vezes passam despercebidas. É o mesmo caso de uma hidrelétrica. Ela não produz resíduos, mas exige uma inundação que traz a perda da vegetação. Quando se discute matriz energética, é preciso saber dos percalços de cada uma delas. Inclusive, no caso das termoelétricas, é preciso saber quanto tempo dura o fornecimento de gás.
Hoje o Brasil se posiciona na liderança na discussão de reduzir a liberação de gás carbono para a atmosfera. Ao mesmo tempo, fortalece uma situação que resultaria no contrário. É como o dito popular: cobrir um santo descobrindo o outro.
Não só em virtude do apagão, mas por diversas outras questões, não dá para nenhuma ONG simplesmente se colocar contra a implantação dessa ou daquela usina nuclear ou hidrelétrica. Na verdade, as nucleares talvez sejam as únicas que exigem postura mais radical. O que é preciso discutir, não só contextual, mas também politicamente, é qual matriz energética o Brasil quer assumir.