Postado em
Hugo Langone
 
					por Hugo Langone
INSTANTE
	Dado foi, a tanta coisa,
	Um propósito único.
	O do olhar de santa Gemma,
	O da túnica inconsútil,
	Deve ser este que descobres:
	Assaltar-te em dissimulada brandura
	E entretecer-te no mistério.
	Lograria a vida agora, porventura,
	Recobrar a sua face pouco ingente?
	A resposta deve vir sutil: em mão de esposa,
	Em mão clara de esposa
	E esmaltada,
	Que julga aqui, com carinho,
	Afagar-te, mas te vai
	        deslindando
	                 do espanto.
STABAT
	Foi-se já o tempo de temê-las.
	Que te farão, Langone,
	As ruas abarrotadas de um centro de cidade?
	Há de contemplar, com certo gosto,
	Essa face cruel da vida.
	Aos poucos, vê, esvaziam-se:
	Não te desconcerta, se pensas,
	Que na imensidão da noite
	As vias desertas circundem
	A luz rubra e ardente dum sacrário,
	Resistindo às portas fechadas
	Qual a mãe, de pé,
	
	Num local chamado Gólgota?
VIRGILIANO
	Quis Príamo a juventude
	— E não havia.
	Perscrutou-a, tolo,
	Em brônzeo elmo,
	Tudo esperou de um dardo breve,
	Entretalhado,
	Mas o nojo argivo às ficções não pôde
	Ver: encobriu-o,
	Por velozes pés alçado,
	O pó então assente
	Da realidade
	Cobiçosa.
HORTO
	que diga
	“minh’alma está triste até a morte”
	eu
	
	corpo em pedra
	quando
	
	sob o nublado céu
	de Ibiúna
	
	silêncio
	e consciência
	se fundem
	
	mas um deus
	um deus desfigurado
	o deus que
	vertente de sangue
	
	se arroga
	   a beleza?
Hugo Langone publicou, em 2015, Do Nascer ao Pôr do Sol, um Sacrifício Perfeito (7 Letras), seu primeiro livro de poemas. Cursa o doutorado em Teoria da Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para o português, verteu autores como São João da Cruz, Lionel Trilling, Leo Strauss, Bernard Lonergan, Bertrand Russell e Roger Scruton, entre outros.
 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									 
									