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Impressões digitais
Para aqueles que, como eu, ingressaram na modernidade ao ritmo de barulhentas Remingtons, Olivettis, Facits e outras máquinas de escrever e calcular a vapor, emporcalhando as mãos, as mangas da camisa e a própria alma com papel carbono e tinta de carimbo, e sempre culpando - merecidamente, aliás - os correios e a antiga telefônica pelo silêncio prolongado ou pela inexplicável falta de notícias, esses, os de minha geração, não podem enxergar a chegada da Internet senão como uma prodigiosa manifestação dos deuses.
Não é para menos. Afinal, sempre foram atributos divinos estar em todos os lugares e saber de todas as coisas ao mesmo tempo. E não é isso, extamente isso, o que faz essa engenhoca eletrônica, colocando-nos em comunicação com qualquer lugar do planeta com apenas um clique no mouse? Que nos permite encontrar, ler ou copiar instantaneamente um livro que está na biblioteca de Istambul ou ver um quadro exposto no Museu do Prado, em Madri?
Uma engenhoca que nos traz os jornais de Buenos Aires ou as músicas que estão tocando, neste momento, em Beirute ou Amsterdam? Que nos permite ir ao banco fazer pagamentos e aplicações, sem sair da cadeira onde estamos, ou pesquisar, escolher e comprar o que quisermos, nas lojas de nossa cidade ou de qualquer lugar do mundo? Que nos facilita conhecer pessoas e até começar romances? Que nos permite aprender línguas, fazer cursos diversos, conseguir emprego, saber da vida política e da vida dos políticos, saber da economia, dos avanços da medicina ou da astronomia, ou onde o poder público está enterrando o dinheiro dos contribuintes? E que, em contrapartida, instantaneamente nos faz botar a boca no trombone, escrever ao presidente, ao governador, ao prefeito e até nos queixar ao bispo?
Nem mesmo Arthur Clark, o grande visionário da ciência, jamais chegou a imaginar alguma coisa que se assemelhasse à Internet. Mas ela não é perfeita. Como não é perfeito o mundo virtual em que nos locomovemos através dela, um mundo que carrega os defeitos, as ilusões, as perversidades e todas as vicissitudes de nosso mundo real. Ali encontram-se nossas melhores virtudes e nossos piores vícios. Mas é neste mundo, virtual, que passaremos a viver cada vez mais.
O acesso a ele ainda é privilégio de poucos. A maioria das pessoas ouve a barulheira da mídia cantando as maravilhas da Internet, mas o dinheiro curto mal dá para as necessidades essenciais. Como comprar um computador? Como ter uma linha telefônica? Aqui, nosso mundo real reitera ainda uma vez, só que numa escala infinitamente maior, a exclusão que tem apartado os mais pobres das ferramentas que poderiam fazê-los sair do seu círculo de pobreza. E esses milhões de despossuídos serão despossuídos uma outra vez, agora de forma radical. Porque estar fora da Internet vai significar estar fora da cultura, da educação e da cidadania, justamente no momento em que essas admiráveis conquistas humanas têm sua grande chance de, enfim, chegar a todos.
Não nos esqueçamos de que a Internet tem a seu favor, como nunca houve antes, a surpreendente e revolucionária qualidade de estar livre da tutela de todos os governos, de todas as formas organizadas de con-
trole sobre o indivíduo, de colocar-nos num mundo em que as fronteiras territoriais, políticas, lingüísticas e culturais se diluem, apontando para uma nova visão planetária, múltipla, diversa e solidária.
Por isso, as iniciativas voltadas a democratizar o acesso a ela vão muito além de simplesmente prover essas pessoas dos computadores de que precisam e de uma conexão com a rede. Elas visam resgatá-las de uma exclusão milenar - econômica, social e cultural - para um novo patamar de humanidade.
Erivelto Busto Garcia é Coordenador da Assessoria Técnica e de Planejamento do Sesc de São Paulo