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Saúde
Diga Ah!
Quem assistiu ao filme Náufrago, o mais recente sucesso do ator norte-americano Tom Hanks, pôde conferir que, entre os efeitos especiais e a angustiante luta do protagonista pela sobrevivência, um outro "probleminha" tornou a aventura do herói ainda mais dolorosa. Vendo-se submetido a uma dieta alimentar desequilibrada e sem condições de higienizar corretamente a boca, o náufrago quase morreu de dor de dente. O que isso tem a ver com preservação à saúde bucal? Bem, alguns podem dizer que o filme é apenas uma ficção; mas no que concerne ao "tormento bucal" do nosso herói, existe mais realidade envolvida nessa história do que podemos imaginar. O descuido a essa tão importante parte do corpo pode tornar a vida das pessoas um pesadelo. Ou um naufrágio. "As pessoas nunca vêm buscar saúde nos consultórios dentários, elas vêm atrás de tratamento odontológico", explica o dentista Luiz Manoel Gomes, que faz parte da Gerência de Programas Socioeducativos do Sesc. Ele explica que a busca apenas por um tratamento curativo afasta as pessoas da real consciência de que dente cariado e gengiva dolorida e sangrando são, na verdade, doenças que podiam ter sido evitadas. "A pessoa fica sempre sem noção do que realmente está acontecendo com ela", alerta Luiz, que também coordena as clínicas de atendimento odontológico do Sesc - um programa norteado pelas noções de promoção e educação em saúde.
O dr. Jair Moreira Júnior, também dentista e coordenador do OdontoSesc - uma extensão móvel da filosofia de atendimento odontológico do Sesc (veja detalhes no box) -, explica que um procedimento muito comum, como a extração do dente avariado, causa maiores conseqüências do que a "janelinha" criada por sua ausência. "As pessoas pensam que extrair o dente é a solução mais fácil e rápida. Mas não é", enfatiza Jair. "Se você perde um dente, perde também o equilíbrio." O dentista lembra que mesmo em indivíduos adultos, que já estão com sua dentição definitiva, os dentes vizinhos tendem a ocupar o espaço que fica. "Isso vai causar uma mordida alterada, que, por sua vez, causará uma mudança na musculatura do rosto." Além disso, toda essa transformação iniciada por algo aparentemente inofensivo - a extração de um prosaico dente - pode causar dores de cabeça, deficiência para mastigar alimentos (literalmente, um prato cheio para problemas digestivos) e, com o passar do tempo, talvez surjam também dores de ouvido e até nas costas.
A saída é a educação
No entanto, não se deve ignorar que os hábitos de um povo provêm de sua cultura. A nossa é pautada pela simpatia e hospitalidade, mas também, e por vários determinantes sociais, por uma certa noção distorcida de saúde, especialmente a bucal. "O entendimento em relação aos dentes está mudando nos últimos anos", analisa a dra. Maria Ercília de Araújo, professora de Odontologia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia da USP. "Mas ainda persistem as idéias de que o dente é descartável, de que ele não é saúde e de que a boca não faz parte do organismo."
A prova disso é uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujo resultado mostra que 22% das pessoas entre 40 e 60 anos nunca sequer passaram perto de dentistas. Maria Ercília, que também é chefe do Departamento de Odontologia Social da USP, explica que é possível trabalhar tranqüilamente com crianças e adolescentes no que diz respeito à promoção da saúde bucal; mas, na hora de lidar com a população adulta, surgem fatores agravantes. "Você se depara com uma população que tem medo de dentista e que muitas vezes acredita que a prótese é melhor e mais bonita que os próprios dentes", analisa. Não por coincidência, essa faixa "traumatizada" da população iniciou seus hábitos de higienização e cuidados com a saúde bucal antes do que Maria Ercília classifica como mudança de paradigma entre a classe odontológica. "Até o início da década de 1980 tínhamos uma odontologia muito centrada nos tratamentos curativos, cirúrgicos e restauradores. Só depois se percebeu que o importante era a promoção à saúde. Veja, por exemplo, a gama de vacinas de imunização que temos hoje", alerta a dentista. "Percebeu-se que as pessoas não precisam necessariamente ficar doentes. Hoje, a tecnologia permite que ao menos as doenças mais comuns não evoluam." Entre essas doenças, estão as cáries e outros problemas bucais que podem ser evitados facilmente. "Daí a importância de ações preventivas, como adicionar flúor na água de abastecimento (a cidade de São Paulo distribui água fluoretada desde 1985) e nos dentifrícios (pastas de dente), além de muita informação e educação em saúde", afirma.
Mitos
Educação e informação significam também deixar de lado histórias da vovó sobre os dentes. Muitos mitos e histórias curiosas perdem a graça quando afastam o indivíduo de uma saúde bucal adequada. Por exemplo: quem foi que disse que usar fio dental "abre" os dentes? "Isso é mentira", esclarece Maria Ercília. "Ao contrário, não se pode pensar em uma higienização bucal bem feita sem o fio dental, que limpa lugares que a escova não alcança." Outra: escovar demais gasta os dentes. "Uma das doenças de maior prevalência ainda é a cárie", explica a dentista. "E ela ocorre em função da placa bacteriana, que só removemos mecanicamente com uma boa escovação, que não gasta o dente." Outro mito é de que os dentes caem com o tempo. Maria Ercília explica que somente os chamados dentes de leite caem para dar lugar à segunda e definitiva dentição. Esta, se bem cuidada, dura para sempre. "É possível chegar aos 80 anos com os dentes perfeitos", avisa.
Outra história, comum entre as mamães. Muitas mulheres juram de pés juntos que a gravidez "estragou" os dentes. Porém, não há nenhum estudo que mostre uma relação entre gestação e condição de saúde bucal. Maria Ercília retoma: "As mulheres tendem a deixar de ser o centro delas mesmas para direcionar a atenção ao bebê; por isso se cuidam menos. Além disso, há algumas mudanças hormonais que podem desequilibrar a acidez da boca. Há também a gengivite gravítica, que inflama a gengiva e torna a escovação incômoda. Mas é só cuidar em dobro dos dentes que fica tudo bem".
Cuidados
Aqui vão algumas dicas de como ter um sorriso e uma saúde perfeitos: procure escovar os dentes sempre após as refeições. Se você gosta de um chocolatinho ou de uma balinha, consuma-os com moderação e sempre logo após o café, o almoço ou o jantar. Assim você escova os dentes e remove os resíduos. O fio dental sempre deve fazer parte do seu kit de higienização bucal. Como reafirma a dra. Maria Ercília, o fio dental vai naqueles cantinhos onde a escova não consegue limpar. Pelo menos uma vez ao dia, a boca precisa de uma limpeza caprichada. Se não sobra tempo durante o dia, aconselha-se que à noite - período em que o fluxo salivar é menor e os dentes ficam mais "expostos" - você reserve alguns minutos antes de dormir e, com calma, escove bem os dentes, passe o fio dental e higienize também a língua e a bochecha.
Visite o dentista regularmente; recomenda-se consultas de seis em seis meses. Mesmo que aparentemente não haja nenhum problema, esse acompanhamento irá evitar que eles surjam ou se agravem. Olho no hábito alimentar. Hoje já se sabe que o açúcar provoca cárie, mas não é só ele. Carboidratos também possuem altos índices de acidez que diminuem o pH da boca, assim como os refrigerantes, que têm o agravante de serem gasosos, com mais ácido para facilitar o ataque das bactérias.
Por fim, procure consumir alimentos duros, como maçã e cenoura, pois eles massageiam a boca no ato da mastigação e propiciam a limpeza. O que não elimina a necessidade da escovação. Saúde e bom sorriso.
Sorria! - Projetos que garantem dentes saudáveis Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 60% da população brasileira acima de 63 anos apresenta ausência total de dentes. Preocupado em contribuir para a reversão desse quadro, o Departamento Nacional do Sesc desenvolveu o projeto OdontoSesc - Ajudando o Brasil a Sorrir. São duas carretas de 14 metros de comprimento que funcionarão como unidades móveis para atender o público comerciário e a comunidade em regiões que não contam com o serviço odontológico oferecido pela instituição por meio de suas unidades. |