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Alfabetização digital
Internet Livre
Bibliotecas virtuais, informações em tempo real, interatividade. Procurando garantir acesso democrático a essa aldeia global, o Sesc lançou o programa Internet Livre. Outras entidades também planejam ações para incluir os "sem conexão"
Com exceção dos que são convictos e fiéis aos meios tradicionais de comunicação, os chamados desplugados (tema da matéria de capa da Revista E de agosto de 2000), ninguém gostaria de ficar de fora da Era Digital. Um mundo de novas tecnologias e de novas invenções facilita a disponibilização de todo o tipo de informação dos quatro cantos do planeta em tempo real. Para se ter uma idéia desse poderio cibernético, apenas nos dois últimos anos foi criado o mesmo volume de dados gerados em todos os séculos anteriores da humanidade (não estamos, claro, falando de qualidade). A imagem de uma Aldeia Global, cunhada nos anos 1960, mostra-se cada vez mais próxima. Porém, essa nova era, referência de vida moderna, está se configurando como mais uma grave ameaça aos ideais de igualdade social - um dos pilares essenciais para a legitimação dos regimes democráticos. O avanço da informática e a inevitável sedimentação da sociedade em moldes globais acabaram gerando um novo perfil de exclusão: a digital. O caso dos "sem acesso" somente irá agravar a concentração de renda, um dos mais dramáticos problemas no país - na opinião de todos os organismos internacionais.
É impossível negar que, mais uma vez, o fator determinante é a baixa renda. Os "sem computadores", ou "sem conexão", representam o grosso da população no Brasil e se vêem de fora da onda eletrônica; afinal, não é qualquer brasileiro que pode dispor de cerca de 1500 reais para levar um modelo, ainda que simples, para casa. É bom lembrar que o salário mínimo no país é de 180 reais. "Pessoas sem acesso à informática e à Internet estão se tornando cidadãos de segunda classe, pois têm menos chances de encontrar oportunidades de emprego, de usufruir a educação à distância ou até mesmo de encontrar pessoas que compartilhem os mesmos interesses", explica Dalmo Nogueira Filho, secretário-adjunto da Coordenadoria de Governo Eletrônico, órgão criado recentemente pela Secretaria Estadual de Governo e Gestão Estratégica para desenvolver projetos de inclusão digital no estado de São Paulo.
Os números dão uma dimensão dessa nova realidade. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ibope em maio de 2000, apenas 4% da população brasileira tem acesso à Internet. Na Grande São Paulo, a situação é um pouco melhor, mas mesmo assim está muito distante do ideal: somente 15% da população mantem contato com a rede virtual, sendo que a maioria pertence às classes A e B. Do total de 2,5 milhões de internautas que vivem na metrópole paulista, apenas 51 mil pessoas (irrisórios 2%) pertencem às classes C e D. Os outros 14,5 milhões de moradores da Grande São Paulo ainda estão fora da rede. Se acreditarmos na afirmação de alguns ícones da comunicação, como Alvin Toffler, de que a informação será a arma que fará a diferença nestes novos tempos, aquela que irá desequilibrar o jogo, os atuais números de exclusão digital na região mais rica do país pintam um quadro mais que sombrio para o futuro do desenvolvimento econômico e social brasileiro. Segundo Dalmo Nogueira, a causa mais aparente da exclusão digital é a falta de oportunidade de acesso das classes menos favorecidas às tecnologias de informação, ou seja, ao computador e à Internet. Para combater o problema, ou pelo menos torná-lo menos grave, as saídas são os projetos que visam criar condições para a alfabetização digital.
Compromisso social e pioneirismo
Seja pelo alto nível de qualidade dos equipamentos e serviços, pela facilidade de acesso ou pelo amplo alcance do projeto Internet Livre, o Sesc São Paulo começa a desbravar os caminhos para o combate à exclusão digital, prestando um serviço pioneiro à comunidade. "O acesso virtual a outras realidades constitui um forte mecanismo na luta contra o isolamento pessoal e social", diz Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc/SP. De fato, um dos pontos fortes desse projeto é o seu caráter sociabilizador. "Temos monitores especializados em informática e treinados para atender todos os usuários, expertos ou leigos em computação", adianta Luis Claudio Oliveira Tocchio, o "Kao", coordenador do projeto no Sesc Pompéia.
Para isso, as nove unidades envolvidas no programa (sete na capital e duas no interior) contam com cerca de 166 computadores de última geração, todos conectados à Internet pelo sistema de banda larga, com câmeras digitais, sistemas de som, fones de ouvido, e ligados a impressoras jato de tinta, scanners e telões de plasma, onde são projetadas as telas capturadas nos micros e exibidos vídeos ou DVDs. "A meta do Sesc é oferecer um total de 26 mil atendimentos por dia, incluindo o uso individual e o uso coletivo das máquinas, bem como os cursos e as atividades para grupos específicos. Só na Vila Mariana, esperamos chegar a 60 mil atendimentos mensais", informa Luciana de Almeida Tavares, coordenadora da Internet Livre na unidade.
O objetivo não é oferecer somente a tecnologia em si, mas também incentivar o público a aproveitar a vasta gama de possibilidades que a Internet oferece. "Nossa proposta é investir na formação dos usuários, estimulando a criatividade e a utilização dos recursos para fins educacionais e culturais", comenta Egla Monteiro, do Sesc Ipiranga. Cada unidade vai desenvolver uma intensa programação nos espaços, com atividades interativas para incentivar o uso da rede como uma ferramenta de exercício da cidadania.
Arquitetura interativa
Quem entra numa das salas da Internet Livre logo percebe que nada está ali por acaso. Cada unidade envolvida recebeu atenção especial para o desenvolvimento do projeto, respeitando-se as particularidades de cada uma. O arquiteto responsável pelo layout das unidades da capital (com exceção do Sesc Pompéia), Luiz Bloch, da Bloch Só Arquitetura, explica que um dos diferenciais desse projeto foi levar em consideração que cada unidade já tem sua personalidade. "No Sesc Belenzinho, por exemplo, optamos por algo mais descolado", explica. "Enquanto no Vila Mariana a idéia era ser mais moderno, como a própria unidade." Além das questões estéticas, os espaços respeitam também alguns princípios ergonômicos que oferecem funcionalidade e conforto aos usuários. Todos os balcões são um pouco mais altos que uma mesa de bar, o que possibilita maior adaptabilidade e garante uma postura correta do internauta em suas viagens virtuais. Já o pessoal do Sesc Pompéia optou por dar continuidade ao caráter fortemente particular da obra de Lina Bo Bardi, célebre arquiteta responsável pelo design da unidade. Os arquitetos Marcelo Ferraz, André Vainer e Francisco Vannucci, considerados seguidores da "escola" de Lina, optaram por balcões altos, que conferem unidade ao conjunto do Sesc Pompéia.
Ao contrário desses ambientes mais "realistas", o que se pode encontrar nos projetos desenvolvidos para as salas das unidades do interior, Araraquara (projeto-piloto) e Campinas, é um ambiente mais futurista, que remete ao ciberespaço, dinâmico mas com o conforto que um espaço de convivência deve ter. O responsável pelo conceito visual das salas é o arquiteto paulistano Francisco Spadoni, que integrou a equipe da Internet Livre quando o projeto ainda era um embrião. "Trabalhei com os profissionais do Sesc durante seis meses até chegar no desenho ideal para as duas primeiras salas, que foram criadas em sintonia com o objetivo da entidade de levar a informação digital ao público de forma lúdica e interativa", conta Spadoni. "Não existia nada parecido no Brasil ou no exterior", retoma.
Vencendo o medo da tecnologia
Se navegar é preciso, nunca é tarde para começar. Embora criado para atender majoritariamente o público jovem e ávido por informação e criação, o projeto Internet Livre não vai deixar ninguém de fora. Mesmo quem nunca sonhou em aprender a dominar a informática é bem-vindo ao Sesc, incluindo adultos e idosos que costumam ter pavor dessas máquinas. "O medo é passageiro", garante o programador Caio César Cintra Fernandes, monitor do espaço do Sesc Vila Mariana, que vem ajudando a ministrar os cursos de informática para a terceira idade. "Quando aprendem a dominar a máquina, os idosos se soltam e vêem que podem fazer de tudo na Internet", diz.
Em todas as unidades ligadas ao projeto estão sendo oferecidos cursos para quem quiser se aventurar pelos mares virtuais, incluindo grupos específicos para a terceira idade. Todos poderão aprender desde o bê-a-bá do computador, o uso dos programas de navegação e a transmissão de e-mails, até a manipulação das câmeras digitais e dos softwares de imagens.
Maria Lázara Oliveira Facioli, 64, diretora aposentada de escola pública, agora na ativa como professora de inglês, aprova a idéia. Às sextas-feiras, ela faz aulas de computação na sala de Internet do Sesc Vila Mariana. Até agora, aprendeu a usar a barra de ferramentas e a formatar o texto no Word, e seu plano é aprender a usar o e-mail e fazer pesquisas na rede para expandir seus conhecimentos. "Somos de outra geração, e acho ótimo porque os monitores do Sesc respeitam nosso ritmo, tendo paciência para nos ensinar devagarinho", diz. Para a professora, o Sesc acertou ao apostar na democratização da informática. "Na tevê e nos jornais, falam do computador como se fosse uma coisa comum, como uma geladeira ou fogão que todo mundo tem em casa, mas isso não é verdade. Muita gente nunca usou essas máquinas e agora vai ter uma oportunidade", declara.
Cely Carmo é jornalista
Acesso digital - Iniciativas visam à alfabetização tecnológica Para saber mais sobre o projeto Internet Livre, do Sesc/SP, acesse o site da instituição. O endereço é www.sescsp.com.br |