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Arte e identidade nacional

 

Jacob Klintowitz / Foto: Wilson Correia de Amorim

Jornalista, crítico, escritor e editor de arte, Jacob Klintowitz proferiu palestra com o tema "Arte Brasileira, Identidade Nacional e o Século 21" no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio) , no dia 15 de março de 2001. Sua exposição, com os debates que se seguiram, é apresentada abaixo.

JACOB KLINTOWITZ – Sinto-me honrado de trazer a debate um pensamento divergente e pouco preciso, como é o da arte e da própria história da arte. Não há um único país importante no planeta que não dedique a esse assunto um grande interesse e não se conhece na história da humanidade uma única comunidade que não tenha desenvolvido alguma forma de arte. Entende-se que a perda da documentação artística e o descaso com as formas de percepção que a arte possibilita equivalem sempre à própria destruição da nação e do país, historicamente falando. É hoje uma questão central nos grandes países o entendimento da arte como algo capaz de expressar a alma nacional e de formar um quadro lingüístico que permita à nação a sua existência num universo não só competitivo como interpenetrante, como é o de hoje.

A publicação recente de documentos dos serviços secretos dos EUA, que mostram o empenho da diplomacia e dos organismos de relações internacionais norte-americanos a favor do expressionismo abstrato como uma maneira de combater o que eles entendiam que era a influência soviética no mundo da cultura demonstra bem a importância política que isso tem.

Neste encontro vou permanecer no terreno da linguagem, porque ela é tão expressiva que mostra o tipo de sociedade que estamos criando e o futuro que este país tem, exatamente de acordo com sua posição em relação à questão artística. Quando falamos em arte, estamos nos referindo a uma forma cuja essência é a ambigüidade, o que impossibilita um relacionamento objetivo ou de ordem matemática. Nossa experiência cotidiana com a chamada objetividade e com a matemática aplicada às ciências sociais tem sido até hoje ironicamente decepcionante. No caso da arte, trabalhamos com uma ambigüidade que se manifesta de maneira diferente para cada pessoa, cada nova geração e cada período histórico. A questão artística se coloca exatamente no processo dicotômico da nossa sociedade, que separa em determinado momento os vários ramos do conhecimento. O essencial, tanto para a ciência como para a arte, é a dissociação que torna esse ramo de conhecimento separado da vivência existencial do ser humano.

O processo tradicional de formação das civilizações mostra o seguinte panorama. Os ancestrais ou os deuses ou as entidades doam aos homens duas coisas essenciais. Uma delas é o grão, o alimento básico, que sai do mundo silvestre e é adaptado à civilização. É o equivalente simbólico da doação ao ser humano da ciência, da genética, da capacidade de transformação. A outra é a cosmogonia, é o entendimento de um universo que contém as forças essenciais, as deidades, que se localiza em algum lugar fora da Terra e que terá, a partir da fundação da civilização, a sua correspondência terrena. Essa doação de uma cosmogonia, que equivale a um entendimento do universo, é simbolizada totemicamente, através de uma escultura, de um signo que representa essa aliança entre o homem e Deus, entre o homem e o universo. Essa escultura é colocada no lugar que corresponde na Terra ao centro do universo. É por isso que se diz que naquele local, naquela tribo, estamos diante do umbigo do mundo, que é o lugar geratriz, que corresponde na Terra a uma cosmogonia celeste. A correspondência entre o que somos e o que se apresenta como eterno é o nó que une o homem ao céu. É esse signo de união que se repete em todas as civilizações.

Essa manifestação que é a arte totêmica tem um caráter diferente da arte que conhecemos em nossa civilização, porque ela representa nessas sociedades a totalidade do conhecimento. É uma arte sagrada. Seus autores são consagrados pela tribo e pelos ancestrais ou entidades patronais daquela civilização, daquela comunidade. Eles são na verdade delegados, são artistas escolhidos. Seus instrumentos de trabalho também são sagrados, e aquela escultura representa não só o pensamento do artista, mas também a estrutura social, religiosa e existencial da comunidade. Desse ponto de vista, não só é uma arte sagrada como é de uma autenticidade absoluta.

Essa arte representa uma outra concepção de tempo, que é mítico, circular. Nessas sociedades, a idéia de progresso não move as forças sociais. O percurso do homem dentro dessas comunidades, de um guerreiro, por exemplo, é circular, porque ele pretende, depois de se submeter a todos os rituais de passagem e superar todas as provas, se identificar com seu ancestral. Então, na verdade, seu objetivo não é percorrer o tempo linearmente em direção a um futuro desconhecido, mas, ao contrário, fazer um percurso externo que equivale a um interno, que é o do guerreiro. Esse percurso tem um caráter espiritual, ao final do qual ele terá se identificado com os ancestrais fundadores de sua civilização.

As sociedades de tempo linear são ainda hoje minoritárias no mundo. Essas sociedades, onde o dois segue-se ao um, o três ao dois, o quatro ao três, estabelecem como meta de seu percurso a criação do novo, de alguma coisa não existente. A idéia de progresso nas civilizações de tempo linear, como esta em que vivemos, é a de uma sucessão infinita de eventos, e o último deles anula ou torna obsoletos os anteriores. A diferença no modo como o idoso é considerado em nossa sociedade e na mítica tem origem nessa concepção de tempo. Enquanto na sociedade mítica se institui um conselho de anciãos, porque eles guardam a história da civilização e são capazes de dirimir as dúvidas e dizer a cada momento qual o caminho a seguir, na nossa o idoso é tido como um ser obsoleto, porque já não percorre o caminho da inovação. E como o último conhecimento anula o anterior, os idosos são, assim como os conhecimentos anteriores, obsoletos. A história de nossa civilização, enquanto história de tempo linear, elimina e torna obsoletos as pessoas, os sistemas de conhecimento e os de percepção, como o da arte. É a história dos "ismos" na nossa sociedade, em que os movimentos culturais se sucedem de maneira incessante.

Esse fenômeno tem origem num tipo de estrutura social e de entendimento do tempo e do universo. O que ocorria nas sociedades de tempo mítico? De que maneira elas se relacionavam com o objeto artístico? Era um relacionamento de centralidade. O objeto representava a própria existência da comunidade. A idéia da iconoclastia, da destruição das imagens, que permanece também em nossa sociedade, tem origem no fato de que a iconoclastia aplicada à sociedade mítica, ou seja, a destruição do seu totem, desestrutura aquela organização do ponto de vista espiritual – ela perde a finalidade de sua existência. Isso equivale à eliminação dos valores espirituais da comunidade. É por isso que na história da humanidade as guerras terminam com a iconoclastia, com a destruição dos totens.

Os problemas que enfrentamos hoje com as comunidades indígenas têm origem justamente nessa questão. No momento em que essas sociedades de tempo mítico entram em contato com as de tempo histórico como a nossa, elas se desestruturam espiritualmente, e essa desestruturação na verdade tem um caráter definitivo. Os discursos que ouvimos sobre as populações indígenas são vazios porque não tocam nessa questão central e na impossibilidade que temos de devolver a elas o valor espiritual perdido. O reconhecimento desse fenômeno em algumas sociedades – aí vale a experiência norte-americana recente – implica a estruturação dessas comunidades de duas maneiras. Um vetor é a memória, o recolhimento do seu saber, que será extremamente precioso para nós, e o outro é o acesso dessas comunidades às fontes de conhecimento de nossa civilização, para que elas possam se estruturar de maneira competitiva e capaz de sobreviver como comunidade. Quando visitei tribos do Novo México, observando o tipo de arte que produziam, dialoguei com pessoas que tinham os mais elevados títulos acadêmicos norte-americanos. Eram índios, e estruturavam aquela comunidade para que não perecesse fisicamente, ao mesmo tempo que produziam museus e sistemas de registro.

Isso pode ser importante para nós, porque o século 20 apresentou um extraordinário anseio por veios de autenticidade na arte, que não se refere à constatação de que uma obra é falsa ou de autoria conhecida e comprovada, mas sim ao fato de que os artistas e a arte de nossa época sentem-se afastados do contato e do diálogo com a população. De alguma maneira, desde o século 19 nossa arte sentiu profundamente esse distanciamento do público, essa dicotomia entre a arte, o artista que a produz e sua comunidade. Isso, que pode e deve ser chamado de crise de autenticidade, fez com que nossos artistas principais procurassem vitalidade na arte mítica de civilizações desaparecidas. As grandes transformações das artes no Ocidente, nos últimos 160 anos, se devem a esse confronto e a esse encontro com a arte de civilizações míticas. É o caso, por exemplo, da primeira grande revolução a partir da segunda metade do século 19, o impressionismo, que se dá através do contato com a gravura produzida no Japão, então uma sociedade de tempo mítico. É essa gravura, que não pretende a imitação da realidade, mas que propõe sempre a criação da realidade através de uma linguagem, que vai modificar o desenho no Ocidente e nossas relações com a cor. O principal fenômeno do século 20 é a quantidade de cores com as quais temos contato hoje. A modificação do entendimento da cor se dá basicamente no contato com os grandes gravadores da arte japonesa.

A partir desse momento, observamos um fenômeno que se implanta na história do planeta e do qual não nos damos conta. É que o mundo estático, o mundo de relações que existia até a metade do século 19, rompe-se em favor do entendimento de um universo mutável, que se transforma a cada minuto, que se modifica com o percurso do sol. Quando Claude Monet pinta uma catedral do mesmo ângulo várias vezes, sob luz diferente, a horas diferentes do dia, o que ele nos diz simbolicamente é que a realidade é mutável, que o mundo é revelado pela luz. A idéia de que esse fluir do mundo pode ser percebido encontra-se na insistência com que desde então o artista registra o percurso da água, porque ela tem essa característica não só de refletir a luz como de apresentar um caminho permanente. Não só Heráclito dizia que o rio que contemplamos agora não é o mesmo de cinco minutos atrás, como também nossa civilização percebe a extraordinária mobilidade do mundo, e aquele panorama que parecia tão sólido, o da pós-Revolução Francesa, o panorama burguês, onde a arte refletia a glória do novo senhor num mundo fechado em luzes artificiais, em panejamentos organizados em ateliê, rompe-se porque os artistas pintam a pleno ar, ato que envolve a observação direta da realidade.

É nesse período que há o entendimento científico do sistema perceptivo da visão e se decifra a maneira como o homem percebe as cores. Também na física óptica se estudam a perspectiva, a maneira de olhar, os enganos, as ilusões visuais, e se estabelece o estudo básico que serve até nossos dias e com o qual convivemos, que é o estudo da teoria das cores, as geratrizes, as primárias, as secundárias, as relações que elas estabelecem entre si, as cores de contraste, as que esquentam, as que esfriam.

Em suma, entramos nesse período num novo mundo, o das transformações. Nas ciências humanas, o que percebemos é a descoberta do outro. A arqueologia e a antropologia fazem a descoberta de civilizações que nos antecederam e que tinham sistemas de conhecimentos complexos, não inferiores ao nosso, mas diferentes, e cuja codificação pode ser extremamente importante para a sobrevivência de nossa civilização. Esse encontro e o reconhecimento dessas civilizações como sociedades dotadas de um corpo de conhecimentos constituem a alteridade, o reconhecimento do outro.

Também na esfera das ciências mais novas que tratam do homem, como a psicologia, há a mesma perspectiva, que se encontra em Charcot e depois em Freud, de que o homem não é esse ser rei da criação racional, senhor do mundo, mas é em primeiro lugar um ser em relação. Ele é ele, ele é o ar que está dentro dele, ele é ele e o mundo que existe no qual está inserido. Ele é ele e é o outro dentro dele, porque se percebe que a maior parte desse ser não é consciente, mas inconsciente. Então temos a aceitação do homem como, aí, sim, um ser em desenvolvimento, que joga em si a luz e que torna cada vez mais, se for possível, esse inconsciente em ser consciente – e se sua maior parte é aquilo que os junguianos chamavam de sombra, ele também precisa aprender a se relacionar com o outro que é ele. Essa idéia da alteridade que começa com o reconhecimento de civilizações que não são a nossa evolui para a noção de que a natureza e o planeta têm também sua existência, de que estamos relacionados com isso, e de que também o outro habita em nós.

Isso traz, evidentemente, conseqüências muito graves do ponto de vista do mundo social e da arte. Ela antecipa esse processo quando os fundadores da arte contemporânea, Paul Cézanne, Paul Gauguin e Vincent van Gogh, percorrem três caminhos que deságuam na formação da nossa civilização. Gauguin tinha uma atividade extremamente prosaica e cotidiana: trabalhava no sistema bancário francês. Abandonou o trabalho e a esposa, e foi para a Polinésia Francesa, onde iniciou um novo entendimento de arte a partir da que encontra entre os polinésios, uma arte de representatividade absoluta, não-intelectualizada no sentido cartesiano da palavra. E buscou então, com o saber ocidental, uma adaptação desse trabalho. Com o conhecimento adquirido entre aquela população desprezada, conquistada, ele abriu o caminho de uma representação de contato imediato com a percepção e expôs a idéia de valorização de alguma coisa fora das metrópoles e da grande civilização que então era o império francês. É essa porta aberta por Gauguin que serve hoje na verdade de bandeira do movimento ecológico.

Van Gogh, que trabalhava na Holanda e no interior da França, procurou com sua obra expressar sua máxima emoção, seu coração, porque dizia em cartas ao irmão, Theo, que não acreditava na possibilidade de uma arte que não expressasse o coração humano, uma arte de relações exatas, de cálculos cartesianos. É esse processo – que coloca no seu trabalho a extraordinária emoção que ele sente pelos homens e pelo mundo – que cria esse veio que conhecemos como expressionismo. Isso vale não só para a arte, mas para todas as manifestações populares de caráter romântico que encontramos hoje, em que o artista entra em contato direto com seu público – ainda que, na minha opinião, o processo extraordinário aberto por Van Gogh tenha se deturpado de uma maneira absolutamente fascista, em que se elege o artista popular como o depositário de uma imagem idealizada, heróica, e na qual se vê na verdade um super-homem. Esse processo de coisificação, de desumanização do artista é evidentemente um processo de formação totalitária. Essa desumanização, ao contrário da proposta da obra de Van Gogh, é um sistema de comunicação que pretende a alienação dos valores humanos.

A terceira vertente é representada por Cézanne, que na sua obra propunha a organização do universo a partir de seus elementos fundamentais geométricos. Na verdade, o que ele busca é uma leitura do universo não-aparente, através de sua essencialidade. Se os objetos são vistos por meio de sua organização essencialmente geométrica, passam a ser percebidos como uma forma de conhecimento, e não se remetem a nós segundo uma convenção de linguagem. Essa renovação de linguagem é a verdadeira criação do que é entendido como cubismo e que depois é identificado com a primeira obra dita cubista, Demoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso. Na verdade, o que Cézanne propõe também é uma leitura simultânea dos objetos, porque os enxergamos na sua essencialidade, ao mesmo tempo, e não um objeto sucedendo a outro. O cubismo explicita isso quando rebate os planos do objeto, e vemos a frente, a parte lateral e a de trás do objeto, como se estivéssemos percebendo todas as partes ao mesmo tempo. Isso equivale a dizer que estamos nessa contemplação num tempo simultâneo. O mundo caminha de maneira tão conjuminada que a retrospectiva após a morte de Cézanne acontece em 1906 e a teoria da relatividade restrita de Albert Einstein, que trata da mesma questão do ponto de vista científico, é de 1905. O que Einstein trata é justamente de um continuum espaço-tempo como uma entidade autônoma; que o tempo não pode ser considerado fora do espaço, pois trata-se de um continuum que não pode ser transferido para outra situação. Na verdade, ele mostra uma unidade espaço-temporal, que é a mesma questão tratada por Cézanne e depois pelos cubistas, Georges Braque, Picasso, Juan Gris.

O que observamos com isso é que a idéia de tempo linear, que no cotidiano ainda adotamos como verdadeira, já é desde o século 19 uma irrealidade, tanto para a ciência como para a arte. Para a ciência, porque ela estabelece um continuum espaço-temporal. E também porque ela identifica o universo onde vivemos, o entendimento desse universo, como uma revelação da luz e portanto perceptível por um aparelho sensório humano. Aquele mundo imóvel permanente é hoje então um mundo em transformação, interdependente, onde o homem de nossa civilização, nas suas vanguardas culturais, científicas, artísticas e sociais, percebe a impossibilidade de viver sem considerar essa relação do universo com o planeta e a diversidade e o enriquecimento da interpenetração de culturas.

O Museu de Arte Moderna de Nova York organizou há alguns anos uma exposição notável com alguns dos maiores artistas do nosso tempo: Constantin Brancusi, Henry Moore, Pablo Picasso, Henri Matisse, Alexander Archipenko, etc. E colocou, ao lado de suas obras, produções de civilizações míticas que as inspiraram diretamente, obras australianas, pré-colombianas e africanas, origem em parte do nosso entendimento de arte. A importância disso é que, se procuramos recuperar a autenticidade da arte em civilizações que nos antecederam e se a grande arte do nosso tempo, que pode simbólica ou emblematicamente ser representada por Picasso, Brancusi, Henry Moore, é diretamente inspirada na arte dessas civilizações, temos de nos perguntar o que elas possuem que falta na nossa a ponto de estabelecermos esse intercâmbio. A mim me parece que essa autenticidade é dada pela sacralidade da arte, que equivale à percepção de um universo único. O sacro é na verdade o entendimento de que as coisas são uma só, estão ligadas e não separadas. Nossa civilização, que conduziu a um tipo de desastre gravíssimo, em que a própria sobrevivência está em risco, porque o planeta está ameaçado, resulta de um entendimento dicotômico do mundo, em que as coisas estão separadas. O sentimento sacro é a percepção de que o que está dentro e o que está fora não são coisas diferentes, que o outro e eu temos pontos em comum. Até a idéia de arquétipos (padrões universais que servem de modelo), contribuição da psicologia junguiana, torna os homens semelhantes, ainda que distantes, ainda que separados, ainda que individuais. Hoje o mapa genético mostra também essa irmandade entre os homens.

O sentimento sacro das civilizações que nos antecederam (aliás, grande parte da humanidade coeva conosco ainda possui esse tipo de sentimento) é de que o homem não é um ser estranho ao universo, mas um ser do universo, e que as coisas são interligadas e que ao self humano, ao centro humano, correspondem centros universais. Emmanuel Kant de alguma maneira tinha dito isso, que o homem não é um monstro no universo e, sim, um ser do universo. Então o que torna atraente esse movimento de arte é justamente a tentativa de união dos conhecimentos e esse sentimento de integração.

O modernismo, um movimento na verdade iniciado com o Renascimento, trazia em si a dessacralização do mundo. Ainda que a obra do Renascimento trate de assuntos místicos, é nesse momento que Deus é eliminado da arte humana. Então Deus não está mais acima nem abaixo, está ausente dessa arte. É preciso entender que o Renascimento se opunha a um período de dogmatismo religioso cujo fundamento na área do saber era o cerceamento da pesquisa e da individualidade, com a impossibilidade de estudar o mundo porque os conhecimentos sobre o planeta, o movimento rotatório, não só planetário como do próprio organismo, da própria situação humana, se opunham aos dogmas religiosos, e a individualidade era entendida como uma afronta à deidade, pois necessitava de um nível de independência não-obediente. Essa na verdade é a origem do modernismo, que traz esse sentimento de anti-sacralidade porque se opunha ao dogma religioso e à impossibilidade da pesquisa, tanto no campo da arte quanto no da ciência.

O mundo caminhou desde então nessa direção, e o romantismo dos séculos 18 e 19 – os heróis populares de hoje são remanescentes desse período – não é senão a exacerbação histriônica da individualidade. Ela é entendida, não só no mundo da ciência como no da arte, como a capacidade do ser de encontrar sua impressão digital espiritual e não como o exacerbamento do ego. Então o processo de individualização do artista fez, a partir do modernismo, com que ele primeiro jogasse fora a convenção lingüística, as verdades aceitas e aquilo que lhe tinha sido ensinado como a verdade social. Uma vez eliminado esse repertório de banalidades, o artista (isso vale tanto para as artes visuais como para qualquer outro tipo de expressão) se acha no seu momento mais emocionante e perigoso, porque se encontra com o vazio. Ele jogou fora seu repertório de banalidades e ainda não descobriu seu universo, sua iconografia, o repertório único que só ele tem para, a partir dele, elaborar uma forma artística. Ele se encontrou na angústia do vazio. É nesse momento que do ponto de vista individual surge o perigo, porque o vazio numa sociedade que abomina o vazio tende a ser preenchido de qualquer jeito. Do ponto de vista social, o perigo é na verdade muito amplo e de caráter comunitário, porque a arte se passa no campo da linguagem.

Mircea Eliade, que é um magnífico antropólogo, caracterizava a arte como a passagem do campo do indiferenciado para o do particularizado, do diferenciado, quer dizer, sai-se do mundo geral e entra-se no particular. Por isso, de acordo com a idéia do jardim japonês como expressão de arte, por exemplo, o artista recolhe uma pedra em algum lugar e a coloca num determinado sítio, e às vezes a escolha desse local leva muito tempo porque só há um ponto onde aquela pedra deve ficar, e essa pedra tem sua autoria como se fosse uma escultura. No Ocidente temos muita dificuldade de entender isso, mas, em outras palavras, o homem tira um ser da natureza, do indiferenciado, e o traz para o mundo da linguagem. Então aquilo, ao se transformar em linguagem, torna-se uma expressão artística.

No momento desse vazio, o artista se depara com uma questão essencial que tem dois vetores. Um é a descoberta do que ele é, o que é tarefa para uma vida. É aquilo que os sufis chamam o caminho do guerreiro espiritual. Ele terá de passar por todas as provas do herói mitológico até a superação da última delas, quando encontra a si mesmo. Quando isso acontece, como é uma identidade essencial, ele encontra nesse self o self universal. O outro vetor consiste no fato de que a arte trabalha com a arte, a linguagem, com a linguagem. Todo artista, seja ele quem for, forçosamente tem uma origem dentro da arte; ele tem sempre uma filiação espiritual. Nesse momento, o artista ou pretendente a artista se depara com o modelo, e é esse diálogo com o modelo, com a influência, que cria sua obra.

No caso de um país como o nosso, ao apresentarmos um modelo, nós nos defrontamos sempre com a questão da identidade nacional. Ainda que uma característica da nossa época seja a comunicação, a tecnologia de comunicação em termos mundiais, os sistemas que tornam qualquer imagem e texto imediatamente acessíveis no mundo inteiro, a cultura é feita de maneira independente disso, porque é diferente da informação. Na verdade, uma das coisas que a literatura e a arte nos dão é o contato com o saber, com a sabedoria não encontrável em nenhum outro tipo de veículo. O próprio fato de a obra de arte poder ser reconhecida e lida a cada nova geração é uma demonstração do caráter simbólico de sua linguagem, que permite uma multiplicidade de entendimentos.

Nesse momento da apresentação do modelo é vital para qualquer nação contemporânea que ele corresponda a sua sabedoria, a sua cultura, porque é isso o que vai permitir que os viventes daquele período e as novas gerações possam se identificar com aquele país.

Isso atinge um ponto que independe do território. Ainda que hoje sábios vejam a questão territorial como a origem das civilizações, há nações deslocadas do seu território que permanecem vivas pela identidade espiritual. Então essa idéia de modelo é essencial, e a pesquisa dos modelos reais que correspondem à cultura de uma determinada nação é tarefa dos artistas e é de grande relevância.

Quando comecei a falar do empenho que o império teve em determinado momento na promoção do expressionismo abstrato como uma forma ideológica de luta (usando Jackson Pollock como um emblema do expressionismo), isso valia evidentemente na guerra fria, mas vale também, não só no caso dos Estados Unidos como de todos os países, como uma imposição de seus modelos, como a forma mais grave de dominação. Só é possível o domínio, independentemente da tecnologia disponível, com o consentimento do dominado. É muito importante, na sobrevivência dos países, a identificação, a criação do que vou chamar temporariamente de alma nacional, que não é essa alma idealizada de caráter totalitário que às vezes a comunicação de massa quer nos passar como representação nacional, nem é a rigidez anticientífica e anticultural que os regimes totalitários também querem fazer passar como alma nacional, mas é na verdade a expressão viva, permanente e expressiva dos sentimentos, das emoções, das crenças e da capacidade de perceber o mundo que determinadas comunidades têm.

A arte é fundamental, porque formaliza esse sentimento. O que é no ser humano um repertório anárquico, feito de caos e de fragmentos, na obra de arte adquire um caráter formal, é estruturado numa linguagem e se torna então um conhecimento universal, porque corresponde àquilo que já existia nas pessoas, embora de maneira caótica. É por isso que a arte repete o mito inicial, da criação do mundo, do caos ao cosmos. Ela tem esse caráter de formalização do essencial de uma comunidade. É fundamental para a sobrevivência eventual de países ou nações que possuam uma arte expressiva, que corresponda ao seu sentimento.

Para onde caminha isso no mundo? Tudo leva a crer que a arte se encontra cada vez mais com a essência sacra do homem, com o entendimento sacro do universo, com a formalização desse sentimento universal de que só é possível a realização humana se o ser humano repetir em si o percurso do ser humano de todas as civilizações. É o encontro com sua essência criativa, com seu self, com seu elemento universal que é esse self e que evidentemente se identificará com o processo do universo. Aí cada um escolha o nome que preferir dar a essas coisas.

E o que se opõe a esse sentimento sacro? É uma percepção dicotômica do universo, que vê no outro um adversário, um inimigo, e encara o sistema de conhecimento do outro como um não-sistema que pode ser destruído. Todo esse caminho da humanidade – todos os movimentos a que assistimos – tem origem basicamente no percurso da ciência e da arte.

Essa é a direção para a qual a arte aponta. Se fosse possível aqui, eu elencaria 200 ou 300 artistas no mundo que tratam disso. Entretanto, esse caráter universal, esse self universal não se opõe à formação da sabedoria que a arte traz a cada comunidade. Ao contrário, ele só é possível se essa realidade existir, porque só posso relacionar-me com o outro se eu existir. Se eu for nada como país ou como ser humano, minha relação também será nada. Só os que possuem identidade podem se relacionar com outras identidades. A perda dela é extremamente grave, porque equivalerá, no nosso país, por exemplo, ao desmembramento em várias regiões, ao esfacelamento ou à transformação em colônia de uma nação que tenha identidade. O país será anexado. Mesmo a adaptação de economias que são anacrônicas só pode ser feita se os países, ou as tribos, conservarem, valorizarem e entenderem sua identidade.

Então, esse fenômeno que observamos com a destruição do índio, tanto aqui como em outros países, porque é um fenômeno planetário, é exatamente o que ocorre quando se quebra a identidade. E ela é dada antes de mais nada e principalmente pela arte, que não só é a expressão desse sentimento que engloba a alma, o pensar e o fazer nacional, como cria essa alma, porque formaliza o que é tão caótico em sistemas organizados de linguagem.

 

Debate

Nota do Editor: As colocações dirigidas ao palestrante foram algumas vezes reunidas em blocos, para ser respondidas de forma concentrada.

ARNALDO NISKIER – O senhor disse que nossa sociedade separa a arte em vários ramos do conhecimento. Depois disse mais adiante que o sentimento sacro é unificador. Onde entra Augusto Comte nesse conceito? Com ele aprendemos (e isso veio da França) que o conhecimento é uno e indivisível, nós é que o separamos para fins em geral meramente didáticos.

Outra coisa: como o senhor interpreta o que está ocorrendo hoje no Afeganistão, com a destruição de monumentos artísticos da humanidade levada a cabo pelos talibans? A que se deve essa fúria contra a arte? Será apenas um ato iconoclasta? Contra quem se comete uma violência dessas?

Por fim, quanto à sua manifestação de que o mapa genético mostra a irmandade dos homens. Será que o clone de um homem será igual a ele, além da parte física, superficial e epidérmica? Onde entra a alma desses indivíduos? Ela será também clonada, será igual?

JOSUÉ MUSSALÉM – Achei interessantíssima, apesar de ser economista e não entender nada do assunto, a discussão sobre política e arte. Ao longo do século 20 houve uma apropriação política da arte pelo regime soviético. A antiga União Soviética usava muito a arte, como forma de propaganda de seu regime. O sistema fascista também, principalmente na arquitetura. A estação central de Milão, a chamada Centrale de Milano, tem uma arquitetura fascista do tempo de Benito Mussolini. Adolf Hitler utilizou muito a arte como forma de expressão do poder e da superioridade ariana.

O segundo ponto é economia e arte. É interessante observar os valores que os quadros obtêm ao longo do tempo. Uma vez, em 1993, no Museu D’Orsay em Paris, observei que a coisa que mais impressionava todo mundo era o valor de um Van Gogh arrematado por um japonês anônimo, por US$ 64 milhões. O que faria um quadro valer US$ 64 milhões?

Outra pergunta está ligada ao teatro do absurdo de Eugène Ionesco. Ele esteve na Fundação Joaquim Nabuco em 1981, e tinha uma posição muito crítica com relação à arte. Falava até numa certa inutilidade da arte. Eu gostaria de ouvir seu comentário a esse respeito. E também queria saber se existe uma correlação entre arte, história e tempo. Por exemplo, você vê em Paris filas imensas às portas dos museus. Há dois anos, estive no Museu Guggenheim de Bilbao e não havia quase ninguém para ver Andy Warhol, um artista norte-americano. Será que nós, do Novo Mundo, somos inferiores em termos de valor intrínseco da arte?

Finalmente, gostaria que você fizesse um comentário sobre o tempo trívio de Gilberto Freyre, ou seja, ninguém é somente presente, passado ou futuro, mas as três coisas ao mesmo tempo.

MALCOLM FOREST – Minha questão é mais um exercício em futurologia. Essa descartabilidade ocidental moderna que vemos hoje, levada a extremos na volatilidade dos valores propagados pela mídia eletrônica, isso tudo vai nos levar ao caos, ao término de uma civilização ou ao fim de um grande ciclo de humanidade? Há quem acredite na preexistência de várias humanidades na proto-história, na noite dos tempos, sendo a nossa a mais recente, obviamente. Será esse o caso ou teremos um retorno a um ciclo mítico, a um tempo de arte totêmica, um tempo sacro? As civilizações pré-colombianas acreditavam em megaciclos de 104 anos. Haverá então um retorno ou partiremos para uma outra realidade?

JOSEF BARAT – Minha preocupação refere-se à questão do tempo também. Uma vez ouvi de um psicanalista que a nova geração, justamente em relação ao que Malcolm falou, quanto à volatilidade de valores e de padrões de conhecimento, tendia a aplicar na arte e na cultura o conceito da ciência ou do conhecimento científico em que o novo suplanta o velho. Uma teoria científica suplanta a anterior, mas o mesmo não acontece na música e nas artes visuais. Entretanto, parece que é um padrão atual a superação do antigo pelo novo. Ou seja, a atual geração não teria uma perspectiva histórica, estaria vivendo fora da história. O que representa isso?

MOACYR VAZ GUIMARÃES – Faço apenas uma pergunta, lembrando o que você falou a respeito da origem do modernismo. Em função do nosso dia-a-dia, você não acha que estamos vivendo a angústia do vazio?

MÁRIO AMATO – Eu queria saber se não foi o Iluminismo que trouxe todas essas novas potencialidades da arte.

SAMUEL PFROMM NETTO – Há dois pontos que me angustiam em relação à sua exposição. O primeiro se refere à situação atual do Brasil, com respeito ao estado de nosso imenso patrimônio artístico. Tenho dois exemplos muito vivos disso tudo. O primeiro é Alfredo Volpi. Há uma obra figurativa desse artista em Piracicaba (SP), na capela da Fazenda Monte Alegre, que estava, vejam só, sendo destruída por abelhas.

Graças à benemerência da família Guidoti, foi possível afugentar as abelhas com a ajuda de técnicos da Escola Superior de Agricultura Luís de Queirós. Especialistas em apicultura conseguiram salvar um Volpi cujo valor, evidentemente, é incalculável. É uma das obras mais lindas que Volpi fez na sua fase figurativa. Esse é o lado positivo, alguém se lembrou de salvar o patrimônio. Mas há o outro lado.

Na semana passada estive na Igreja do Carmo, no centro da cidade de São Paulo. Conversando com pessoas da Venerável Ordem Terceira do Carmo responsáveis pela igreja, fiquei estarrecido ao saber que não há um só cuidado, de quem quer que seja, em relação àqueles tesouros artísticos que lá estão, nem nenhuma vigilância, de modo que, se alguém quiser entrar na igreja e furtar uma daquelas obras do padre Jesuíno de Monte Carmelo pode fazê-lo tranqüilamente. Não há precaução alguma porque a ordem não dispõe de recursos. E soube que isso tudo ocorre a despeito do empenho da ordem nestes últimos anos para conseguir ajuda de quem quer que seja para preservar os tesouros que estão lá. Pedro Alexandrino lá está. A série belíssima citada internacionalmente que o padre Jesuíno de Monte Carmelo fez da vida de Santa Teresa está se desfazendo. Em qualquer país civilizado isso seria objeto de carinho, de cuidados extraordinários, etc.

Esses dois casos a meu ver remetem ao segundo problema: seremos nós ainda analfabetos em matéria de arte, de cuidados com a arte, de educação artística para crianças e jovens? Aqui foi dito com muita pertinência que arte é presente, passado e futuro. Arte não é só criação, arte é apreciação, avaliação, conservação, recuperação e, é claro, envolve aspectos políticos, históricos e econômicos, e demanda das autoridades constituídas, dos governos em todos os níveis, dedicação, carinho e generosidade.

Acaba de ser realizado o Salão Paulista de Belas-Artes. Estive lá e, para minha surpresa, quando solicitei um catálogo das obras exibidas, foi-me dito com a maior tranqüilidade: "Não há, não existe. O senhor tem só os quadros e as esculturas para ver aqui".

LEON DIKSTEIN – Vou passar para o conferencista duas dúvidas que me ocorrem. A primeira: o que é mais importante na produção artística, fazer o novo ou promover a renovação dos valores, já que eles são recorrentes? E dentro da visão do tempo cíclico, como a coisa se coloca? O conceito de novo se contrapõe ao de renovação do ponto de vista da produção?

A outra dúvida é a seguinte: o conferencista deixou claro que os países ou civilizações que não produzem sua arte tendem a desaparecer. O que forma a decisão de fazer arte?

KLINTOWITZ – Em resposta inicialmente a Arnaldo Niskier, penso que o que vemos com a destruição dos Budas não é sentimento religioso. O fundamentalismo é o sentimento mais anti-religioso que o ser humano conheceu. É a imposição arbitrária de uma interpretação literal de um texto iluminado de revelação, segundo uma determinada ordem. Ao contrário, o sentimento religioso, na história da humanidade, é de vivência do ser em direção não exatamente a uma verdade divina mas à sua verdade, considerando que o homem não é distante do universo. Homem e Deus têm alguma coisa em comum, e isso se dá através do self. Quando se vêem os murais internos das pirâmides, o que eles descrevem também é a vivência na civilização egípcia, onde o indivíduo, dentro de um sarcófago, que é uma escultura oca com pintura, vivenciava a idéia da morte. Mas de que morte? A de um ser banal, e o renascimento do que seria então o novo ser. É isso o que aqueles murais descrevem. A própria idéia crística, que é fundadora desta civilização, é de que o homem é imortal e ressurge, renasce. Então é na verdade de renovação.

Nessa destruição da história, além de haver uma desconsideração em relação ao outro, a inexistência do sentimento de alteridade, volta-se ao analfabetismo, porque o monumento é o documento da história. Quando você destrói os monumentos, destrói a documentação histórica. Caso sejam documentos de alta expressão artística, representam um grande saber que propiciou aquele ofício. Aliás, um saber de toda ordem, porque, por exemplo, quando se vê o sistema de fundição que existia em Benin, na África, descobre-se o nível tecnológico que aquele país tinha tantos séculos atrás.

Sei que no positivismo há uma doutrina não divulgada de percepção do sagrado e do universo, há um conhecimento muito profundo disso. Quando falo da dissociação, falo de um processo adotado historicamente e que tem sua origem no racionalismo cartesiano. Essa dissociação é patente na nossa sociedade, que não tem uma doutrina do conhecimento comum. A medicina trata da medicina, ainda que o estudo da "alma" tenha sido iniciado por médicos, que eram Charcot, Freud e Jung. Mas só agora os médicos mais avançados se preocupam com esse campo do conhecimento, porque está absolutamente provada a ingerência do psiquismo na saúde e em tudo, até no mundo social, porque o mundo é na verdade o que você pensa. Até a idéia cartesiana que se tornou conhecida – penso, logo existo –, que é interpretada como o pensamento gerando o mundo, não corresponde mais nem às doutrinas científicas, quando sabemos que cada célula guarda a memória do corpo todo. Então na verdade tudo pensa, quer dizer, somos e esse somos tem um pensamento.

Acho que Arnaldo tocou numa questão-chave, a do clone, que é muito antiga. É a questão da definição do ser humano, do que é o homem. O homem é uma máquina, como os behavioristas pensavam, que responde a estímulos aversivos ou gratificantes, ou o homem é um ser com outras particularidades? A idéia do clone atual repete na verdade o mito do Golem, que é um ser de barro criado por um rabino através do uso da cabala – do uso transformador mágico da combinação que a cabala proporciona –, para prestar trabalhos servis. Esse ser se revolta, e com grande brutalidade – ele é um bruto – produz determinados efeitos na comunidade. E para ser desmanchado é preciso uma nova intervenção cabalística. Então o ser criado pelo homem na mitologia não tem essa capacidade de se tornar humano, porque é compreendida como humana a possibilidade de possuir um self, um centro criativo individual e ao mesmo tempo de caráter universal. Também as outras civilizações tiveram esse mito. Os monstros que identificamos como o bestiário de animais fabulosos são registros da imaginação ou do que se imagina que fossem experiências de criação de seres.

Isso se liga a outra pergunta feita. O ser humano não é uma máquina e unindo determinadas células não se produzirá o espírito humano, seja qual for o nome que dermos a esse espírito. Quanto à pergunta de Malcolm sobre o retorno do sagrado, a humanidade caminha para isso, aliás até como um processo de salvação. Não vejo de que maneira a humanidade vai ter esse convívio de tantas civilizações diferentes e superar a possibilidade caótica da existência de 7 ou 8 bilhões de famintos no mundo se não buscarmos um novo pensamento. Acho que caminhamos para isso, mas esse retorno ao sagrado se dará nos moldes dessa civilização. Será através da experiência psíquica, artística e científica.

Esse processo de transformação do século é liderado grandemente pelos físicos através da física quântica. Ela estabeleceu novos parâmetros de entendimento do tempo, de consciência do átomo, de simultaneidade do átomo em mais de um espaço; de modificação da idéia que inclusive tínhamos de um céu em cima e de um inferno embaixo e, depois, de um inconsciente gerador de tudo, quando esse processo não se dá por simples organização de consciência em superação ascendente, mas em todo o processo da matéria. O que a física quântica diz é que a matéria é espiritualizada, dito por um não-físico.

Isso influenciou inclusive as ciências humanas. A antropologia, a sociologia, a psicologia transpessoal ao que parece foram lideradas pela física quântica. Até eu, que sou ignorante no assunto, sou liderado por eles. Então penso que estamos caminhando para o sacro, já estamos nesse processo. Todo o movimento social cuida disso. Toda solidariedade ou reconhecimento do outro, toda a percepção de que não somos sós é um sentimento sacro. Na palestra que Malcolm fez sobre a Cantareira, o que eu observava era como ele via que aquilo era um mundo vivo e como o nosso relacionamento com esse mundo vivo, além da obrigação moral, era fundamental para a nossa sobrevivência. Quer dizer, era uma palestra sacra.

Então acho que caminhamos para o sacro, mas não abomino o conhecimento produzido por nossa civilização. Acho importante. Abomino a ignorância derivada desta civilização, isso, sim. Creio que na verdade nos dirigimos para mais luz. Teilhard de Chardin, um filósofo importante no mundo cristão, dizia que "caminhamos para mais organização e mais consciência". Penso que é verdade. O mundo parece muito caótico, mas se define pelas forças de vanguarda que estão na luta, mesmo no cotidiano, em prol das crianças, para torná-las cidadãs, ou seja, para trazê-las para a civilização. E nessa batalha estamos encontrando as forças vivas: o mundo empresarial esclarecido, a grande arte, os cientistas sociais. Há um movimento global, um movimento do mundo nisso.

O professor Moacyr Guimarães, como sempre, que é um homem aliado à filosofia, ao conhecimento, pergunta se não temos hoje a angústia do vazio. Essa angústia é patente. Ela foi declarada na verdade por Edmund Husserl, e depois os existencialistas até a adotaram como se fosse sua, mas pretendiam resolvê-la através dos engajamentos. Quer dizer, resolviam a angústia engajando sua disponibilidade, o que acho um absurdo. Penso que essa é também uma maneira dicotômica de entender o mundo. Aliás, a origem sempre é melhor: Freud é melhor que os freudianos, Jung é melhor que os junguianos e Husserl é melhor que os existencialistas.

Essa angústia tem um caráter às vezes negativo, ela expõe os indivíduos e a sociedade ao perigo, mas é extremamente rica de possibilidades. O ideograma chinês para a angústia, para o sofrimento e para a crise é o mesmo da solução. A crise é uma possibilidade de crescimento, e a angústia também. Ela é criativa na medida em que o indivíduo caminha em direção a si mesmo e à humanidade. Quando ele se volta para os processos de alienação, sejam quais forem, as drogas, essas coisas todas, ele evidentemente se afundará cada vez mais na angústia, porque isso foi preenchido de maneira inumana, quer dizer, o indivíduo se aliena de si mesmo. Essa angústia, esse sentimento de vazio é muito usado nos regimes totalitários, nas grandes ditaduras, para motivar o indivíduo, dar-lhe uma causa e escolher um inimigo comum, o mal. Então o mal é o cigano, o judeu, é algo que está no exterior, está do lado de fora e preenche essa impressão de vazio. Esse sentimento na verdade é o de não-ligação, você está no vazio porque não está ligado a nada. A pessoa que está produzindo coisas para a humanidade não tem essa angústia do vazio, tem só o sentimento de angústia da criação, que é um processo de conflito criativo.

O mercado de arte é, como o nome diz, um mercado. Então US$ 64 milhões por um Van Gogh é muito e não é nada também, porque a oferta é menor do que a procura. O empresário que comprou o quadro mencionado por Mussalém fez um investimento de US$ 64 milhões (não me recordo se o valor exato é esse, mas digamos que seja) porque valeu como uma campanha institucional de sua empresa e, aliás, de seu país também. Isso aponta para a solidez da empresa, mostra como ela está ligada a coisas essenciais. Quando se vêem as verbas publicitárias para venda de coisas pequenas, parece que afinal não é tanto, porque para uma empresa de bom porte que trabalha com produtos de massa uma campanha custa aproximadamente de US$ 20 milhões a US$ 30 milhões. Então um fato que divulga mundialmente o nome da empresa e do empresário é um tipo de investimento.

Também no Brasil ou nos outros países há colecionadores que amam a arte e fazem um papel magnífico, que é o de preservar essa produção para o futuro, para que possa pertencer a grandes museus como ocorreu na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos e um pouco no Brasil. Há evidentemente colecionadores que simplesmente usam a arte como uma espécie de lavanderia. Lavam sua imagem, seu conceito social. Felizmente, o mundo social hoje é muito sábio e, pelo que posso perceber, isso não comove as pessoas, elas identificam quando há um desejo de organização de um patrimônio social e um amor àquilo, e quando se trata simplesmente de uma maneira de comprar uma imagem.

Há uma relação entre a arte e a história. O homem é um ser histórico. Entretanto, a arte mexe com coisas que são aistóricas, como o inconsciente, como imagens que se repetem em várias civilizações. Então, não depende de um certo mecanismo social, nem de determinadas relações de produção. Entretanto, as relações de produção, que seriam a infra-estrutura social, o sistema de produção, determinam materiais de uso, uma tecnologia disponível, seja o laser, a fundição, o tipo de resina plástica ou de tinta. Nossa sociedade produziu uma coisa chamada múltiplo, que é a capacidade de fazer similares da obra de maneira infinita, como um parafuso que é fabricado quantas vezes se quiser. Um teórico que pertenceu à Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, escreveu um ensaio sobre a obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Ele dizia que isso tornava acessível a obra de arte a todas as pessoas pela capacidade de produção infinita. O desenho industrial em parte cumpriu essa função. Ele dizia também que com isso a obra de arte perdia a aura, que era uma capacidade intrínseca que ela tinha, seu caráter mágico. E perdia sua localidade, porque a obra de arte tinha um espaço único, onde foi criada, o lugar totêmico que era o centro do universo, o umbigo do mundo. Isso não tinha mais valor em nosso mundo. Benjamin propunha a questão como uma perda e um ganho. Na verdade não ocorreu isso. A partir da Renascença, quando as igrejas começaram a vender suas obras sacras, elas passaram a ter valor de troca. Aquilo não devia ser vendido, mas ficar onde estava, pois pertencia à Igreja, era parte de um culto, um ritual. No Brasil vemos isso até hoje com a venda de imagens barrocas. Esse trânsito da obra realmente continua a existir, mas vem sendo brecado, porque para os países a arte é dinheiro puro. A Espanha, baseada no seu acervo histórico, se tornou um dos países do mundo que mais recebe turismo. Por exemplo, com o fim da ditadura do general Francisco Franco, conseguiu resgatar Guernica, a obra mais famosa do século 20, que se encontrava nos Estados Unidos. Essa obra hoje está num museu em Madri, e não sai de lá para nada, porque está vinculada ao fluxo econômico da Espanha. Aqui mesmo impedimos que as esculturas do Aleijadinho saíssem de Congonhas (MG), devido à fragilidade.

O valor intrínseco da obra existe, mas não é comercial. É o valor de codificação – simbólico – que essa obra tem, é o que ela nos diz. Ele não é determinado, inclusive porque aumenta com o tempo. As novas gerações entendem a obra de outra maneira. Isso na literatura é facilmente observável quando se vêem representações de Shakespeare, canhestras às vezes – mas é uma nova geração reinterpretando o autor. O fato é que o valor intrínseco existe e são relações tão profundas que, quando contemplamos a mesma obra em épocas diferentes de nossa vida, nós a entendemos de maneiras distintas, porque evoluímos também. Esse valor não é mensurável financeiramente. Quando entra no mercado, a obra se torna um objeto comerciável, e vale o que se dá por ele. O valor intrínseco existe e é determinado pela carga simbólica que a obra tem. Cada um a interpreta de um jeito, e quanto mais diferenças existirem melhor e mais rica ela é, porque se presta a vários entendimentos.

Quanto ao tempo múltiplo de Gilberto Freyre, posso comentar pouco diante de um especialista como Mussalém. Mas Freyre representou um extraordinário avanço para o Brasil, e só hoje, após uma luta insana movida contra ele, em que São Paulo teve um papel acadêmico muito relevante, na minha opinião, se recupera a extraordinária fertilidade de seu pensamento, que é brilhante. Esse tempo múltiplo que ele vê está de acordo com o que há de mais contemporâneo, e o homem vive isso permanentemente. Quando se descobriu há tantos anos o ato falho, agir movido por uma coisa que não se sabia, uma espécie de automatismo, revelou-se que o homem estava vivendo o presente e também uma manifestação simbólica, mascarada, de um trauma de outra época. Só naquilo você já vivia duas coisas e também essa projeção no futuro. Hoje, a idéia de tempo é de avanço, está liderada pela física, mas o tempo é previsível.

Retornando a Malcolm, os regimes totalitários buscam realmente um tipo de arqueologia que torna o mundo imutável. Essa busca do clássico é a busca do imutável. No caso de Mussolini, havia a tentativa de recuperar uma grande Itália, que incorporava Roma ao destino glorioso, e ele pretendia dominar o mundo bombardeando a Etiópia, por exemplo. Essa busca de uma realidade artística entendível, visível, faz parte de um tipo de atraso, de acomodação do espírito. Entretanto, essas ruínas podem ser interpretadas de outro jeito, porque a Grécia não é entendida como uma coisa imutável. Mesmo o que foi tomado como a expressão de pureza, a brancura do mármore, é um equívoco, porque hoje sabemos que aquelas esculturas eram pintadas.

A arte grega pretendia a criação de protótipos, de representações da beleza, da harmonia. A diferença da arte grega para a chinesa é que a chinesa entendia que a harmonia tinha de ter alguma deficiência, ela não aceitava a regra de ouro, a organização plena. A cerâmica chinesa reflete isso. Mas a Grécia tinha essa proposta de oferecer um exemplo de comportamento. Os atores do teatro grego usavam sapatos elevados e roupas com desenhos concêntricos circulares porque, vistos à distância, eles eram percebidos de maneira elevada e não diminuída, porque o teatro era um anfiteatro. Aliás, a máscara grega, a persona, tinha essa função, porque escondia o rosto, que não podia ser visto, e representava as emoções básicas. Hoje, em nosso mundo, que criou o close, o plano americano da cintura para cima, que foi transformado na TV no close no rosto, temos o contrário, o esvaziamento da humanidade, porque é um rosto sem expressão. Esse close é a mesmice, a banalidade, que procura dizer o seguinte: este é igual a você. A arte procura o contrário, diz que este é o diferente, o diferente aonde você pode chegar. Ela eleva a pessoa.

Barat fala da questão do tempo, do novo, da superação. Essa, sim, é uma angústia produzida na nossa civilização, porque o novo é entendido como novidadeiro. O novo seria na verdade a forma nova em qualquer área, seria a superação de um tipo de conhecimento por outro que formaliza um novo sentimento, um novo pensar. Na nossa civilização trabalhamos basicamente com o novidadeiro, que é a modificação superficial da forma através de rótulos ou de qualquer truque. Essa superação tem a ver com uma angústia provocada pelo sistema de comunicação e de produção. Não atende aos anseios humanos, mas cria uma necessidade artificial que produz uma falsa identidade, a do status. Se você não tem tal coisa ou não faz tal coisa, você não está em determinado padrão. Obviamente são uma necessidade e uma identidade absolutamente falsas, que produzem um desastre, porque essa identificação projetiva, através de um mecanismo de consumo, faz com que o marginal roube o tênis que não o alimenta mas o identifica com um padrão falso de classe social.

Creio que começamos cada vez mais a superar isso. As sociedades mais antigas não aceitam esse desperdício, o patrimônio é entendido como um tesouro nacional. Isso acontece no Japão, na França, em vários outros países. A destruição de um patrimônio representa a perda da história e de uma riqueza cujo desperdício é incompreensível num país ainda pobre como o nosso. Outros lugares não aceitam isso que chamo de caixa-preta da arte. O artista desaparece de circulação, os jornais não comentam, ninguém fala, é como se ele tivesse morrido. Mas esse valor que foi desenvolvido e que custou tanto ao país em ensino, em tanta coisa, desaparece porque já surgiu uma nova moda.

Em uma das vezes em que estive na Dinamarca fui convidado a participar de uma comissão composta de artistas e críticos que avaliavam artistas do país que tinham chegado aos 45 anos de idade. Basicamente os critérios eram os seguintes: é uma arte importante, ajudou à comunidade e ao desenvolvimento espiritual da humanidade? Se a resposta fosse sim, o artista ganhava uma bolsa elevadíssima, vitalícia, independentemente do sistema previdenciário, o que lhe possibilitava, no auge do seu processo criativo, aos 45, 50 anos, a liberdade total. Não precisava estar ligado ao mercado de arte, nem estar preocupado com problemas familiares. Ele recebe uma verba elevada para criar, produzir, fazer sua pesquisa. Ele na verdade é um tesouro nacional. A destruição da memória é um fenômeno de consumo, como se não valesse nada.

Dizem que o Brasil não tem memória. Não é isso. O Brasil é um país que em determinados momentos, por má orientação dos dirigentes – que, cá entre nós, acho inferiores à população brasileira –, se orienta por uma alucinação em que imagina que pode fazer tábula rasa com a cultura. A população brasileira tem uma sensibilidade artística única, produz uma cultura popular que o mundo admira. O trançado brasileiro é melhor que o oriental, que é considerado padrão mundial. Só que o Japão organiza museus para cuidar disso. Eu reuni um acervo fantástico do trançado popular e indígena, fiz uma exposição que percorreu metade do país e depois doei ao governo de São Paulo. Fiquei muito surpreso ao saber que foi organizado um chá beneficente e essas obras foram leiloadas. No entanto, elas foram doadas para que tivéssemos um núcleo de um museu único.

Mas, como eu dizia, a população é extremamente criativa. O fato de a arte não estar plugada à pedagogia no país para mim é um mistério. A classe média nas grandes metrópoles perde essa sensibilidade, porque a cultura de massa abafa. Tenho a impressão de que o nosso universo político é muito pobre, são pessoas não voltadas para o benefício do país. Algumas são notáveis, mas a maioria desconhece as coisas, não sabe o que é bom para o país.

Na área de arte, que acompanho com conhecimento um pouco mais apurado, posso garantir que a ignorância é abismal e, além disso, de uma prepotência fenomenal. Imaginam que quando favorecem a arte prejudicam o hospital, pensam que a cultura e a sensibilidade são coisas opostas à saúde, quando é o contrário.

Leon pergunta sobre a renovação e o cíclico. Aliás, Malcolm também trata do tempo cíclico. Ele se manifesta em praticamente todas as civilizações, mas acho que há um lugar para o novo e que ele surge na sociedade. Entretanto, o novo constitui um processo social muito demorado, e não é produzido como um objeto de consumo. Os grandes artistas são muito poucos, mas o que se sabe é que, se você ensina muitos, cria-se um processo que vai fazer com que no futuro surja um grupo aparelhado. A destruição das escolas de arte no país, a adoção de outros critérios que não o ensino tradicional que tinha sua origem na Missão Artística Francesa, mas que dava uma regra para isso, foi calamitosa para a arte brasileira, porque agora não se aprende nada, aprende-se uma bolação que é na verdade um processo de comunicação publicitária, atenta-se para o mercado. Até a idéia de que é possível a intervenção na obra de arte é um disfarce, na verdade. É uma onipotência porque não se pode encontrar um mundo articulado e pronto, você teria de interferir. Isso também no fundo é uma recusa da idéia da morte. Você encontra um destino que está pronto para o homem. O homem é um animal que nasce e percebe seu destino, que é a morte. Então essa intervenção nos processos é uma maneira de não pensar que a vida terrena é finita e que você, aí, sim, tem de dar um destino nobre a ela. As pessoas agem como se fosse infinita a vida. Aliás, Umberto Eco mais de uma vez tocou nessa questão da finitude e da intervenção na obra de arte. Creio que há um processo de renovação, mas é lento.

LEON – Mas existe o novo?

JACOB – Existe o novo, mas é lento. A humanidade avança. Quando Leonardo da Vinci fez uma experiência com uma caixa em que colocou num lado uma vela, no outro um objeto, e fez a luz circular, ele na verdade criou a teoria das cores. Não foi Isaac Newton que fez isso, foi Leonardo. É uma produção, dentro da área da ciência, do novo. Na área da arte, veja na literatura a maneira como Dante Alighieri fez sua obra. Ele cria na verdade uma nova língua. Van Gogh e Brancusi, que para mim é o artista principal do século 20, criaram coisas novas. Agora, esse novo está ligado à história, não surge do nada, mas a partir do que existe, não faz tábula rasa do mundo. Ao contrário, ele dá forma ao mundo.

Finalmente, não queria deixar sem resposta a pergunta sobre o Iluminismo. Creio que foi um momento muito importante da humanidade, e talvez um problema brasileiro seja que não tivemos o Iluminismo aqui. Isso não nos deu as grandes idéias de modernidade, que são as de resgate da população para a civilização. Do meu ponto de vista, o Iluminismo criou algo absolutamente novo, que foi a enciclopédia, a idéia do trabalho coletivo, a codificação do conhecimento da humanidade. A própria noção de que possa haver uma enciclopédia é fantástica. Toda essa coisa criada pelo Iluminismo para mim é fundamental, o amor ao conhecimento e a repulsa aos dogmas. No fundo, os dogmas são formas fundamentalistas. É muito importante e essencial essa proposta.

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