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Ivan Vilela

Crédito: Divulgação
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A história de Ivan Vilela com a música começou aos 11 anos de idade, quando o pai lhe presenteou com um violão. Durante os estudos no curso de Composição Musical na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o músico e compositor desenvolveu uma crescente identificação com a cultura popular e a viola caipira. Hoje professor na Faculdade de Música da Universidade de São Paulo (USP), Ivan continua a pesquisar esses temas, que resultaram no livro Cantando a Própria História – Música Caipira e Enraizamento (Edusp, 2013). A seguir, os melhores trechos do depoimento do violeiro, músico e professor, em reunião do Conselho Editorial da Revista E, no qual fala sobre a riqueza e a evolução da música caipira no Brasil.


Manifestação cultural

A história de Cantando a Própria História começa quase 20 anos atrás. Entrei na faculdade de música depois de ter abandonado um curso de história e, no meio do curso de composição musical, uma professora de canto me disse que tinha um libreto que poderia virar uma ópera caipira. Fiquei dois anos compondo esse trabalho e no processo de composição conheci a viola e comecei a tocar em 1995.

A viola acabou me revelando o preconceito com esse instrumento, que era considerado menor, como todas as manifestações ligadas à cultura caipira. Nessa busca fui tentando entender por que a cultura popular foi tão depreciada na cidade.
Nos séculos 18 e 19, quando a nossa cultura popular estava sendo estruturada, nossa elite estava olhando para fora, tentando ser europeia. Além desse ideário da República de prevalência do saber erudito sobre o popular, toda a ideia de extensionismo agrário no Brasil se estruturou na contraposição campo-cidade. A cidade era o local da modernidade, onde as coisas mais importantes precisariam acontecer.


Sofisticação rítmica

Na música caipira, que a gente trata como simples, não há nada de simples. A gente se acostumou a pensar a música sofisticada como aquela que tem muitos acordes, mas na realidade existem vários fatores de sofisticação. A música caipira tem 16 ritmos distintos. Qual é o segmento da música popular que tem tantos ritmos diferentes? Não existe.

Eu pedi a um aluno que escrevesse modas de viola. Quando ele pôs nas partituras, caiu o queixo de todo mundo, porque, como é uma música calcada no texto, ela quebra muito as modalidades rítmicas. Por que essa música seria menor?


Registro sonoro

A partir do momento em que passa a ser gravada, a música caipira cria uma situação interessante. Toda a história do Brasil foi contada pela classe dominante e tendo como agente a classe dominante. Não sabemos, por exemplo, o que aconteceu no sertão do Cariri em 1932, mas a gente sabe o que aconteceu com os caipiras desde 1929 porque, pelo disco, eles conseguiram registrar as suas histórias.

Essa foi a maneira que os povos iletrados encontraram para o registro de suas histórias. Assim, o caipira retrata os seus valores: honra, honestidade, solidariedade. A partir do momento em que ele grava essas músicas, faz com que a história de um pequeno camponês não se perca.


Sertanejo não é caipira

Nos anos 1970 o mercado fonográfico começa a perceber que jovens filhos de migrantes vivem a idiossincrasia de ter uma educação tradicional em casa e outra na rua, no trabalho e na escola, então se começa a haver a mistura de ritmos da jovem guarda com a música caipira. É um marco de ruptura.

Os sertanejos universitários, porém, já são fruto do chamado neoliberalismo e de uma mudança de orientação no mercado. O sertanejo universitário está muito mais perto da música pop. Não tem nada de caipira. O que caracteriza uma música caipira é o canto duetado, a utilização de um arcabouço rítmico pertinente a essa cultura, a utilização de um instrumental também ligado a essa cultura e o romance como narrativa. O sertanejo universitário não traz nada disso.


Viola turbinada

Hoje você tem um movimento autêntico em São Paulo, no interior, chamado de “caipira groove” ou “viola turbinada”. Trata-se de bandas de rock cujos guitarristas são violeiros e utilizam o instrumental moderno para fazer música caipira com toda essa “sonzeira”.

A cultura muda, e a música caipira tem que ir mudando. É interessante que ela mantenha as formas antigas, mas é preciso entender que ela também muda. A música caipira precisa estar no rock, porque essas pontas dialogam. A cultura brasileira é uma cultura de soma.


"Na música caipira, que a gente trata como simples, não há nada de simples. A música caipira tem 16 ritmos distintos. Qual é o segmento da música popular que tem tantos ritmos diferentes? Não existe"