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Novos velhos
Longevidade da população impõe desafios e leva a repensar o modo de encarar a velhice
Já foi o tempo em que se podia dizer que o Brasil era um país jovem. Hoje, a realidade é diferente. Basta atentar ao amadurecimento visível da população, que em alguns anos será formada por um contingente enorme de pessoas com mais de 60 anos. Pelo menos é esse o cálculo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que projeta para 2050 a época em que o número de idosos no país já superaria o de jovens, invertendo a pirâmide etária. Seguindo o caminho das últimas décadas, a longevidade vai de vento em popa: de 1980 para cá, a média de vida do brasileiro subiu de 62 para 75 anos. O cenário suscita inúmeras questões, mas uma das principais é como se preparar para a perspectiva de que viveremos cada vez mais, sobretudo em uma sociedade em que a própria ideia de velhice muda constantemente. Será que estamos prontos para ser um país de idosos?
Entre especialistas, há consenso sobre o avanço nas iniciativas voltadas a idosos saudáveis, como a criação de centros de convivência, universidades da terceira idade, academias ao ar livre, grupos de atividades e programas de incentivo ao turismo. Para a advogada e consultora em políticas públicas voltadas ao envelhecimento Pérola Melissa Vianna Braga, é preciso maior atenção com o outro lado da velhice: “Questões como a assistência social, políticas de saúde voltadas às diferentes faixas do envelhecimento, direito à medicação independentemente da situação financeira, criação de hospitais públicos de retaguarda específicos para idosos e novas vagas em instituições de longa permanência”, exemplifica.
Na opinião da organizadora do livro Políticas Públicas para um País que Envelhece (Martinari, 2012) e presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe), Marília Viana Berzins, o Brasil já está atrasado na adequação à nova realidade etária. “Apesar de ser evidente o aumento do número de pessoas idosas, o país ainda pensa que é jovem. A Política Nacional do Idoso, a Política de Saúde do Idoso e o Estatuto do Idoso contemplam o que é necessário, mas ainda não foram efetivados na realidade”, analisa. “O grande desafio é pôr em prática aquilo que está estabelecido.”
Para Marília, é importante lembrar que o envelhecimento não é um problema social, mas uma conquista. “O envelhecimento populacional reflete uma história de sucesso das políticas sociais, da tecnologia, da medicina. Passará a ser um problema se não nos prepararmos. Por isso, precisamos incorporar a pergunta ‘O que você vai ser quando ficar velho?’ à nossa existência, para não nos surpreendermos com o envelhecimento”, propõe ela, lembrando que essa conscientização deveria vir desde a infância. “Afinal, quem está na escola hoje são os idosos de amanhã.”
Modos de envelhecer
A visão que se tem da velhice varia ao longo do tempo e com as diferentes culturas. Na Grécia antiga, por exemplo, os anciãos eram os que tinham maior poder político. Já nos séculos 18 e 19, com a Revolução Industrial, os idosos que tinham espaço na sociedade eram os que haviam acumulado riquezas. Hoje, essa faixa é composta por atores políticos e consumidores que buscam cada vez mais autonomia.
As atividades, desejos e possibilidades se ampliaram muito, observa a professora do departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro Bela Velhice (Record, 2013), Mirian Goldenberg. “Hoje você vê velhos que estão recomeçando a vida, namorando, estudando, passeando, cantando, dançando, fazendo tudo o que querem, e vão fazer isso durante 20, 30 anos”, explica. “É um período que se ampliou mas também mudou qualitativamente. Se antes eles se sentiam proibidos de fazer uma série de coisas, hoje se sentem estimulados.”
Mirian costuma utilizar o termo “inclassificáveis” para se referir à tendência de não nos encaixarmos mais em rótulos e etiquetas, apesar da idade. “Hoje as pessoas vivem o que elas são até mais de 90 anos, e não se enxergam nem são enxergadas como velhas se estão realizando o que querem. As pessoas já não permitem mais serem rotuladas e estereotipadas”, comenta. Segundo a antropóloga, isso se explica pelo aumento da qualidade e expectativa de vida, além do fato de a geração que está envelhecendo ter feito parte da revolução comportamental dos anos 1960.
A professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de A Reinvenção da Velhice (Edusp, 1999), Guita Grin Debert, também observa que o conceito de terceira idade como conhecemos hoje foi influenciado pelos baby boomers, geração nascida após a 2ª Guerra Mundial que fez parte de protestos e movimentos que mudaram comportamentos. “O conceito tem mais a ver com a vontade de aproveitar a vida do que com a idade cronológica. A pessoa pode ter 60 ou 80 anos e querer participar das atividades”, explica Guita. “A terceira idade hoje representa uma disponibilidade para o consumo, para novas experiências.”
Nas TELAS
Filmes abordam o cotidiano de idosos em diferentes culturas
A balada de Narayama (1983, Japão)
Por conta da escassez de alimentos em uma aldeia no Japão, os maiores de 70 anos são levados ao topo da montanha Narayama, onde são deixados para morrer. O filme conta a história de uma senhora de 69 anos e a comunidade ao redor dela.
Amor (2013, França, Alemanha, Áustria)
Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) são um casal de aposentados apaixonados por música. Após Anne sofrer um derrame, o casal passa por diversos obstáculos que testarão seu amor.
Elsa e Fred (2006, Espanha, Argentina)
O filme conta a relação de aproximação entre Alfredo (Manuel Alexandre), viúvo recente, e Elsa (China Zorrilla), que redescobrem a amizade e o amor na terceira idade. O filme foi regravado nos Estados Unidos em 2014.
E se vivêssemos todos juntos? (2012, Alemanha, França)
Quando a saúde de um grupo de amigos idosos começa a piorar, eles decidem morar juntos, evitando irem para um asilo. A novidade acaba trazendo antigas experiências que irão mudar a vida de cada um.
O exótico hotel Marigold (2012, Reino Unido)
Alguns amigos aposentados decidem visitar a Índia e escolhem ficar no recém-restaurado Hotel Marigold. Chegando lá, percebem que nada era como parecia ser, mas as experiências vividas no local irão mexer com a vida de todos.
Um fim de semana em Paris (2015, Reino Unido)
Próximos a completar 30 anos de casamento, os professores ingleses Nick (Jim Broadbent) e Meg (Lindsay Duncan) decidem voltar a Paris, onde passaram a lua de mel. Porém, um encontro inesperado com um ex-aluno de Nick traz mudanças para a viagem.
Desafios para o presente
O aumento da expectativa de vida da população impõe mudanças de paradigmas para a qualidade de vida
Acessibilidade: a melhoria das vias urbanas, as calçadas, faixas de pedestre, rampas de acesso e afins são necessárias não apenas para a locomoção e acessibilidade dos idosos, mas de todos.
Aposentadoria: para garantir aposentadorias justas de acordo com o que foi contribuído, o grande desafio é reinventar e adaptar o sistema às novas condições demográficas.
Cuidadores profissionais: com a redução do número de filhos e mudanças familiares, muitos idosos não têm a quem recorrer e precisam contratar um cuidador. A ocupação, porém, ainda não é reconhecida como profissão.
Formação em gerontologia: enquanto o geriatra é o médico especialista em envelhecimento, o gerontólogo é o profissional apto a contribuir com o melhor envelhecimento em diferentes áreas, não apenas na saúde. A maior oferta da formação em cursos de graduação aumentaria o número de profissionais preparados para atenderem pessoas idosas.
Instituições de longa permanência e centros-dias: a ampliação do número de centros-dias, espaços que recebem idosos para cuidados e atividades durante o dia, é uma solução para evitar que os idosos recorram às instituições de longa permanência, hoje com filas de espera.
Teleassistência: com uma espécie de pulseira ou celular especial, os idosos que moram sozinhos podem acionar um pedido de ajuda em caso de mal súbito, quedas ou outras situações. A Espanha, por exemplo, é um dos países em que há serviço de teleassistência pública.
Programa PIONEIRO
Há mais de 50 anos, Sesc desenvolve atividades socioculturais voltadas ao público idoso
O idoso e as questões relacionadas ao envelhecimento estão no centro das ações desenvolvidas pelo Trabalho Social com Idosos nas unidades do Sesc São Paulo. Pioneiro no Brasil, o programa possui mais de 50 anos e oferece atividades socioculturais que buscam promover a cultura do envelhecimento e valorizar a pessoa idosa com práticas humanizadas e humanizadoras.
“A programação, nas unidades, para o público idoso possibilita a experimentação de diferentes tecnologias, práticas e linguagens, que tratam da desconstrução de estereótipos e preconceitos, do protagonismo, do repensar de papéis sociais e da construção de conhecimentos”, explica a assistente técnica da Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade Gabriela Neves.
Dentre a programação de maio e dos próximos meses está o projeto Gerontologia em Debate, no Sesc Campinas, que este mês discute os desafios do envelhecimento no Brasil. Nas ações que acontecem além dos muros das unidades, também neste ano o Sesc atua na Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, com o tema “Em 2050 seremos muitos. O cuidado começa agora”.
Confira algumas atividades direcionadas ao público idoso neste mês e veja mais em: http://bit.ly/TrabalhoSocialcomIdosos
Aprendendo com Games - Sesc Osasco
Até dia 27/5, quartas, às 16h15
Idosos têm a oportunidade de conhecer mais sobre o universo dos jogos digitais, que, além estimular a mente, a memória e o raciocínio, possibilitam uma aproximação com outras faixas etárias.
Pleno Movimento – Sesc Pinheiros
Até dia 28/5, terças e quintas, às 11h
Com base em técnicas de dança, teatro e consciência corporal, o curso com a bacharela em dança e performance Nathalia Catharina explora movimentos que buscam o bem-estar físico e mental, estimulando também a convivência entre os participantes.
Este Sou Eu - Sesc Interlagos
14 a 28/5, quintas, às 11h
A partir da técnica que envolve atividade manual e intelectual para a confecção de bonecos, a oficina com a artista plástica Marcia Brito tem o objetivo de levar os participantes a refletir sobre a questão do envelhecimento ativo e autoimagem.