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Expressão de uma época

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Instalação "Tin Soldiers", feita pelo artista jordaniano Ala Younis



Contexto atual renova o diálogo entre arte e política no Brasil, rendendo frutos que vão da catarse pessoal à estetização dos movimentos sociais


Relacionar a produção de determinados artistas a conceitos políticos não é novidade na história da arte. Contudo, um fluxo recente pode contribuir para que a articulação entre ambos seja renovada. Mesmo não havendo uma definição consensual para a expressão arte política, como afirma o professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Neamp-PUC), Miguel Chaia, há um novo cenário para o tema em que ocorre a estetização da política e a politização da arte. “Há a estetização da política com os movimentos sociais, as ações do movimento estudantil ou o surgimento recente dos black blocs.” Um exemplo de politização da arte citado pelo professor é o Jardim Miriam Arte Clube (Jamac).

Criado por Mônica Nador, em 2003, e formado por artistas e moradores do Jardim Miriam, bairro da Zona Sul de São Paulo, trata-se de uma associação sem fins lucrativos. “O Jamac está na instância da politização da arte como estiveram o surrealismo, o muralismo mexicano e os teatros Oficina e Arena no Brasil”, acrescenta Chaia, autor do livro Arte e Política (Azougue Editorial, 2007). “O projeto cria uma situação na qual a artista privilegia seu papel de ativista, às vezes militante, trazendo sua obra para parâmetros externos à sua subjetividade, mas mantendo a liberdade de decisão e a pesquisa de linguagem.”

Um artista que deixou a vertente política explícita em uma de suas obras foi o pernambucano Gil Vicente, por meio da série Inimigos, foco de debate acalorado durante a 29ª Bienal de São Paulo, em 2010. O tema daquela edição foi justamente a relação entre arte e política. Mesmo com toda a polêmica da época, Gil Vicente minimiza o poder de sua série, na qual ele mesmo aparece matando autoridades políticas como o então presidente Lula, a rainha da Inglaterra e o ex-presidente americano George W. Bush. “Fiz o trabalho como uma espécie de catarse, estava decepcionado com a história política do país”, diz. Ele admite que o trabalho alterou profundamente a sua postura política: “Na série está muito nítido o que eu quero dizer, o que não acontece normalmente. Foi feita de uma inquietação interior minha, mas é mais legível para os outros que a contemplam”.


Música brasileira e engajamento

Ao mencionar a questão política e seu diálogo com as artes, a música brasileira é sempre lembrada. Na opinião do compositor, jornalista e escritor Carlos Rennó, houve períodos em que o tema político-social foi mais explorado pelos compositores. “O primeiro que marcou foi o dos anos 1960, com a geração de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Milton Nascimento.” Na fase seguinte a dinâmica se repete pelos mesmos compositores, mas de forma menos programática. “Já nos anos 1980, percebemos que os roqueiros apresentam canções com teor político-social e autores da Vanguarda, com Arrigo Barnabé”, detalha. Rennó observa que dos anos 1990 em diante o tema é abordado de forma notável pelo rap nacional, com Racionais MC’s, MV Bill, Gabriel o Pensador e, mais recentemente, por Emicida e Criolo. “Ganharam destaque compositores vindos das áreas mais populares que denunciaram em composições a situação de opressão social; porém, nenhum dos autores surgidos nos anos 1960 deixou de fazer músicas com implicações sociopolíticas, principalmente Caetano e Chico. Autores que mostram a mesma preocupação com os problemas sociais na nossa sociedade, sobretudo a desigualdade, opressão e violência”, completa Rennó.



Parte do conjunto

Como um território a ser explorado, projeto de arte contemporânea enfatiza o conceito do termo “multidão” desenvolvido pelo filósofo italiano Antonio Negri

Até 30 de agosto o Sesc Pompeia recebe o projeto Multitude, que promove o diálogo entre artistas e pensadores brasileiros e estrangeiros, com a participação ativa do público, em um evento composto por espetáculos, encontros, workshops, performances e exposição. O ponto de partida da proposta, com curadoria geral da pesquisadora em artes cênicas Andrea Caruso Saturnino e do artista e pesquisador em novos meios Lucas Bambozzi, foi a constatação de que vários artistas estão explorando a ideia de multidão. Em paralelo, houve a formação de um conselho curatorial (formado por Lúcio Agra, Natacha Rena, Peter Pál Pelbart e Rodrigo Araújo), para debater as ideias e definir o formato, os convidados e a programação das atividades.

Um aspecto diferente e agregador ao visitante de Multitude é aproveitar uma nova forma de curadoria – com especialistas de plantão –, definida por Lucas Bambozzi como um recurso experimental. “É um modo de colocar os artistas em contato direto com os curadores, o que não é comum em processos curatoriais mais verticalizados”, justifica o pesquisador. Para Andrea Saturnino, foi fundamental compreender a amplitude do conceito de multidão, desenvolvido pelo filósofo italiano Antonio Negri e pelo colega norte-americano Michael Hardt, que direcionou o evento, levando em consideração que pensar a multidão é pensar a produção do comum, observando-o como um conjunto de singularidades, identidades únicas que se afetam mutuamente, em um processo que reúne potências, mas também dissensos. “No projeto arquitetônico do espaço expositivo inserimos uma semiarena – espaço para discussões e apresentações. Ao lado colocamos um espaço de leitura com obras afins, que está em constante atualização. Ou seja, estamos cuidando dos detalhes para abrirmos brechas e diversos atalhos para os que queiram se aproximar. O importante é que o embate com o tema esteja vivo, acontecendo dia a dia”, diz a pesquisadora, convidando o público a participar.