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Cinema
Faltam locais de exibição

A má distribuição dos filmes brasileiros pode explicar por que eles ficam tão pouco em cartaz
Muito se fala sobre as dificuldades do filme nacional em conquistar espaço nas salas de cinema. O problema está centralizado no gargalo da distribuição, já que filmes, hoje mais do que nunca, são um produto comercial como outro qualquer. "Distribuição é um problema em qualquer área de negócios, não só para o cinema brasileiro, mas também para o poderoso cinema norte-americano. O problema é que os filmes brasileiros passaram repentinamente de uma ocupação de mercado que chegava a 35% nos anos de 1980 para menos de 3% no início da década seguinte. É muito difícil superar uma queda desse nível", diz Leonardo Monteiro de Barros, sócio da Conspiração Filmes, produtora carioca que acaba de lançar o longa-metragem Eu, Tu, Eles, com Regina Casé e Lima Duarte.
O ponto de ruptura aconteceu com a extinção da distribuidora Embrafilme, durante o governo Collor, mas a queda na ocupação do mercado já vinha de meados dos anos de 1980, quando a expansão do home video e a crise econômica do país afugentaram grande parte do público das salas, principalmente espectadores de baixo poder aquisitivo, que representavam a maior parcela da audiência dos filmes brasileiros. Para se ter uma idéia clara das mudanças ocorridas no período, em 1980 o Brasil tinha 2.365 salas de cinema, com uma produção anual de 103 longas-metragens; apenas três anos depois esses números caíram para 1.736 salas e 84 longas.
O recorde de público no cinema brasileiro vem do final dos anos de 1970: Dona Flor e Seus Dois Maridos foi visto por cerca de dez milhões de pessoas nas salas do país, números só superados por Tubarão (cerca de 13 milhões) e por Titanic (cerca de 16 milhões de espectadores no Brasil). Nos anos de 1990, o recorde brasileiro pertence a Xuxa Requebra, com 2,5 milhões de espectadores.
"Eu comecei a fazer cinema na época em que o Brasil cinematográfico correspondia ao Brasil geográfico. Isso significa que o filme nacional passava em todas as partes do país e não estava restrito às grandes capitais, como ocorre hoje", conta Marisa Leão, produtora de Guerra de Canudos, que se prepara para lançar o longa Quase Nada.
Para entender o espaço que o filme brasileiro ocupa no mercado hoje, é importante conhecer um pouco o seu funcionamento. Depois do período em que o número de salas foi drasticamente reduzido, o mercado cinematográfico conheceu uma nova ascensão a partir de meados dos anos de 1990: a produção nacional voltou a crescer com o surgimento de leis de incentivo que operam por meio de isenção fiscal e o número de pontos de exibição aumentou com a chegada dos multiplex, complexos com várias salas.
Uma das saídas históricas encontrada pelo cinema brasileiro para quebrar a barreira do mercado foi a cota de tela: um determinado número de dias por ano em que o exibidor é obrigado a mostrar filmes nacionais. Porém, essa alternativa não é hoje vista com grandes esperanças mesmo pelos produtores brasileiros. "Não temos produção suficiente para suprir uma cota de tela. Hoje ocupamos 8% do mercado e a meta é chegar a 15%. Para isso, precisaríamos de uma base de sessenta filmes por ano e, atualmente, não chegamos nem a trinta", opina Barros.
Marisa Leão defende a criação de uma distribuidora forte e atuante para o filme brasileiro. "Precisamos de uma empresa atuante, que não meramente distribua os filmes, mas que pense em estratégias de mercado, que direcione uma parte da produção de acordo com as tendências do que o público quer ver", defende. Esse tipo de postura evitaria fatos como filmes nacionais com o mesmo perfil de audiência brigarem pela bilheteria em uma mesma semana, como aconteceu no final de 1999, quando filmes de Xuxa, Trapalhões e Castelo Rá-Tim-Bum foram lançados quase simultaneamente.
A Riofilme, da prefeitura carioca, única distribuidora voltada exclusivamente ao filme brasileiro, tem um trabalho importante, mas atua com limitações orçamentárias e no segmento mais alternativo do mercado. Outra preocupação é o investimento em marketing. "Nos Estados Unidos, o custo de lançamento chega a ser equivalente ao custo de produção de um filme", exemplifica Barros.
Alguns profissionais consideram que o produto brasileiro deve buscar um nicho próprio. Para Luiz Alberto Pereira, diretor de Hans Staden, filme que, mesmo com um lançamento modesto, emplacou dezessete semanas em cartaz, o circuito do filme brasileiro não é o das salas multiplex. "Era preciso que houvesse investimentos em novas salas como a do Espaço Unibanco, especialmente em cidades do interior do país, onde o público do cinema brasileiro sempre foi muito forte", opina. Pereira é um dos nomes envolvidos na criação de uma distribuidora paulistana nos moldes da Riofilme, que pode se tornar realidade no próximo ano.
Para completar, o cinema brasileiro precisa voltar a ocupar a faixa intermediária do mercado, filmes que fazem em torno de 500 mil a um milhão de espectadores. Hoje, as produções nacionais se dividem entre aquelas que superam os seis dígitos e as que não chegam a um público de cem mil pessoas. "Essa faixa intermediária é que sustenta um mercado produtivo", diz Marisa. Barros exemplifica com números: "Apenas 10% dos filmes americanos superam os 800 mil espectadores no Brasil. Proporcionalmente, o cinema brasileiro vive situação idêntica. O problema é que não temos os filmes intermediários para sustentar o desenvolvimento da indústria audiovisual como um todo, o que os americanos têm de sobra", conclui.