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Uma boa jogada

A prática esportiva pode serum meio eficaz de educação e inclusão social, basta saber trabalhá-la

Escola. Porta de entrada para a chamada vida social. Para promover a interação entre as crianças, jogos e atividades físico-esportivas são os elementos preferidos dos educadores e profissionais dos jardins-de-infâncias e pré-escolas. Já na fase adulta, o amor pelos times de futebol é um dos fenômenos que mais contribuem para unir, e separar, os homens. Ao fim da pelada nos finais de semana, forma-se a divertida roda de amigos. Desde as Olimpíadas, surgidas na Grécia Antiga e que paralisavam as guerras durante as competições, até a emoção comum que assola o planeta nos jogos da Copa do Mundo há décadas, a história do esporte reflete a trajetória da própria humanidade. "O esporte é uma das culturas mais sedutoras e contraditórias da pós-modernidade. Para alguns, ele já superou Hollywood na eficiência em gerar dinheiro, condicionar comportamentos, estimular o consumo e fabricar legendários ídolos das novelas e espetáculos do esporte profissional. Apesar de sua original nobreza, quase divina, ele ainda é tratado com desdém pelas ciências do comportamento e muitas vezes é visto com preconceito no mundo das artes corporais e culturas eruditas", explica Antônio Carlos Moraes Prado, gerente do Sesc Interlagos. "Esse é um relato limitado e metafórico de um tipo particular de esporte, aquele feito por atores profissionais, que produzem espetáculos fascinantes e inesquecíveis, mas que não têm nenhum compromisso com a educação da criança e do jovem. O predomínio quase absoluto dos valores desse esporte vem há décadas desafiando um emergente movimento educacional humanista e renovador, preocupado em resgatar o lúdico original do jogo esportivo, na tentativa de democratizar oportunidades à grande maioria dos corpos excluídos dessa categoria do esporte", conclui Prado.

A prática esportiva pressupõe competição, é claro. Porém, o que ocorre quando falamos de situações cotidianas: aulas de educação física nas escolas, pequenos torneios promovidos entre empresas ou mesmo o bate-bola informal nos fins de semana? Que lugar ocupa a competição nesses casos? Até que ponto o esporte amador promove a sociabilização entre os seus participantes?

Dois lados da moeda

Segundo o professor Lamartine P. da Costa, doutor em educação física pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, e autor da tese O Esporte Competitivo como Lazer e Formador de Valores entre Jovens, apresentada no 5º Congresso Mundial do Lazer, realizado pelo Sesc em outubro de 1998, a dicotomia reside na manipulação do esporte. "É muito perigoso tratar o esporte como instrumento. Ou seja, como um meio de atingir objetivos que nada teriam a ver com inclusão." Como exemplos, ele aponta iniciativas e projetos que atingem o ser humano em seu estágio mais sugestionável: a infância. "Projetos que visam 'tirar as crianças da rua' por meio do esporte, por exemplo, muitas vezes desvirtuam o caráter de sociabilização das práticas esportivas. O esporte deve incluir as crianças na sociedade, e não simplesmente atender a interesses como esconder menores abandonados dos olhos da sociedade", alerta. "O esporte pode facilmente ser usado como meio de controle da massa. É só observar a forte presença das classes populares no chamado esporte competitivo de alto nível. Isso ocorre pela possibilidade de ascensão social que o esporte oferece", analisa.

O professor utiliza ainda como exemplo o fenômeno que leva países como Cuba ou as ex-repúblicas soviéticas a buscar a todo o custo destaque por meio do esporte, tornando seus atletas notáveis. Olegário Machado, gerente do Sesc Vila Mariana, arremata: "Essa concepção que encaminha nossas populações marginalizadas à loteria do esporte é, na melhor das hipóteses, uma visão ingênua de discriminação. O esporte, entendido como um espetáculo de alta performance, integrado ao show-bussines, é um assunto de talentos, de super-heróis, praticado na sua dimensão olímpica e profissional, por uma minoria de atletas com alto nível de aptidão."

Por outro lado, entre os programas que procuram atingir resultados positivos, tentando driblar o duplo gume do esporte, está o Projeto Gol de Letra, criado pelos jogadores de futebol Raí e Leonardo e que, entre outras disciplinas, inclui o esporte no trabalho com crianças. Marcelo Jabu, coordenador do projeto, acha complicado exigir uma resposta definitiva a essas questões. "Acredito que uma das formas de superar essa abordagem dicotômica do esporte é começar a relativizar um pouco as coisas. Não dá para abordar uma questão tão complexa de forma unilateral. Tudo depende do enfoque que é dado a cada contexto."
Uma das frentes de atuação do projeto é o programa Virando o Jogo, que já conta com uma unidade em funcionamento desde agosto de 1999 na vila Albertina, zona Norte de São Paulo. O objetivo inicial é desenvolver crianças e adolescentes de 7 a 14 anos por meio de atividades de sociabilização e aprendizagem. A experiência de sete meses parece ter conferido base para algumas conclusões. "Na minha opinião, é preciso diferenciar a competição do jogo da competição. Ou seja, o ponto chave é permitir ao 'jogador' conhecer suas reações a atitudes numa situação competitiva, porém sem que os resultados sejam tão determinantes para sua auto-avaliação." Segundo Marcelo, na medida certa, a competição no esporte pode ajudar o praticante a tomar conhecimento de suas competências e dificuldades, levando-o a superar suas limitações.

No Rio de Janeiro, a Vila Olímpica da Mangueira (sim, a escola de samba), começou a tomar corpo em 87, agregando espaços e novos equipamentos. O esporte, mais uma vez, seria o meio para assistir às crianças da comunidades, mostrando-lhes um caminho contrário ao da marginalidade. Mangueirense desde 1968, o professor de educação física e psicólogo Francisco de Carvalho, o Chiquinho, foi o responsável por convencer o presidente da escola, Carlos Alberto Dória, de que "o esporte, um excelente instrumento de integração social, de educação e desenvolvimento físico e psicológico, daria aos jovens oportunidades de crescimento pessoal e até profissional". Afeito à idéia, Carlos Alberto deu carta branca para iniciar seu Projeto Olímpico, com quatro modalidades esportivas: atletismo, voleibol, futebol de campo e de salão.

As aulas eram dadas na rua mesmo, mas, hoje, a Vila Olímpica possui uma área de 35 mil metros quadrados. As modalidades também se ampliaram. As cerca de 4.500 crianças atendidas contam ainda com uma pista de atletismo, uma piscina semi-olímpica e um ginásio. A única exigência para que elas participem do projeto é que estejam estudando. A disciplina que o esporte exige do atleta transfere-se para o dia-a-dia das crianças. "A prova disso é que em toda a extensão da Vila Olímpica não se encontra nenhum rabisco nas paredes ou sujeira no chão", conclui a coordenação.

O Sesc e o esporte como meio de inclusão social

As questões levantadas a partir da análise do esporte e de seu aspecto social serão levadas a debate no I Seminário Internacional de Esporte para Todos - Esporte e Inclusão Social.

O simpósio faz parte do Calendário Internacional de Eventos de Esporte para Todos, que conta com a parceria da Federação Internacional de Esporte para Todos (FISpT), da Tafisa (Trim and Fitness Sport For All Association) e chancela do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e da Unesco. "Com a intenção de discutir as questões ligadas ao esporte e à inclusão social, o evento será desenvolvido por meio de uma conferência plena e cinco mesas temáticas", explica Maria Luiza Dias, Gerente de Desenvolvimento Físico Esportivo do Sesc/SP. "O seminário abordará idéias e experiências de campo sobre o potencial, limites e tendências da cultura e prática do esporte no processo de inclusão social, com enfoque particular na criança e no jovem contemporâneo. Palestrantes do Brasil e do exterior apresentarão reflexões e práticas inovadoras sobre a questão do papel do esporte inclusivo na comunidade, escola e empresa, bem como as ações da mídia e da tecnologia e suas influências para que o esporte seja um elemento facilitador do desenvolvimento de um ser humano pleno e inserido na sociedade."

Para Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc/SP e presidente da FISpT, "o Sesc, como difusor de conhecimento e cultura, utiliza-se do esporte, através da prática, do espetáculo e do conhecimento, como estratégia de educação informal, reforçando sua posição de promotor de qualidade de vida e cidadania. No desenvolvimento das atividades esportivas em geral, o critério estabelecido é a possibilidade de qualquer pessoa participar das atividades, independentemente de suas habilidades. Ao promover o conceito de esporte inclusivo, é oferecida a oportunidade de crescimento e desenvolvimento pessoal, seja nas suas habilidades motoras, na sua cognição, nas relações sociais ou na apreciação de um espetáculo esportivo. Desenvolvendo essas práticas, o Sesc tem no esporte um importante fator para a inclusão de indivíduos provenientes de diferentes segmentos sociais. Cabe aos educadores a sensibilidade de capitalizar as singularidades de cada grupo para que a atividade agregue valores para todos, atenuando o caráter competitivo envolvido naturalmente na prática esportiva. No esporte de performance (não é o caso da proposta do Sesc), essas relações são bastante diferentes e estão sujeitas a uma série de outros fatores sócio culturais, políticos e econômicos que empregam ao contexto do esporte profissional atributos próprios. Na maioria das vezes, exacerbam-se os limites do corpo e a própria competição. Porém, não se pode perder de vista a grande capacidade do esporte competitivo de mobilizar a mídia e a indústria para o desenvolvimento de equipamentos e de novas tecnologias. Tudo isso para que um maior número de pessoas tenha acesso a novas modalidades, ampliando as possibilidades de prática corporal. Sob essa ótica, o esporte de alto nível produz efeitos que influenciam a prática cotidiana do Esporte para Todos, uma vez que o cidadão comum busca nessa atividade a utilização do seu tempo livre de forma agradável e prazerosa."

Um forte exemplo disso é o projeto Sesc Empresa, que promove a sociabilização por meio de jogos realizados em todas as unidades da instituição. Nesse caso, o Sesc está presente na organização das partidas e locação dos espaços e equipamentos necessários. Os efeitos benéficos ultrapassam os limites das quadras, pois os funcionários se vêem mais próximos uns dos outros quando se evolvem em um objetivo comum, ainda que seja a organização de um campeonato amador de futebol de salão, do que quando simplesmente sentam-se lado a lado para exercer suas funções no trabalho. Nesse sentido, o esporte realmente aparece como aliado para um contato maior e positivo.

Exemplo semelhante pode ser encontrado no Sesc Itaquera. O Esporte Criança é um projeto que tem como objetivo proporcionar a quatrocentas crianças diversas atividades socioculturais e vivências esportivas. "A linha mestra do programa é o esporte", explica Vanusca Valquíria Campero, técnica da unidade e coordenadora do projeto. "Sendo assim, não podemos deixar de lado um aspecto importante de qualquer atividades esportiva: a competição." A coordenadora explica que os profissionais do Esporte Criança procuram trabalhar a questão de maneira positiva, trazendo "um aperfeiçoamento moral e social da criança". O princípio básico das atividades é a participação. Segundo Vanusca, a vitória não depende da habilidade de uma criança e sim do grupo. "Isso revela a cooperação do ato de jogar e brincar"

Desafio social

O Dia do Desafio - Challenge Day, realizado em todo o mundo e organizado pelo Sesc no continente americano, chega à 6a edição. A ordem do dia é praticar quinze minutos de atividade física em benefício da saúde. Todos estão convidados a caminhar, pedalar, fazer exercícios... Qualquer uma dessas atividades conta pontos para uma divertida e amigável disputa entre as cidades que participam do movimento e vêem nessa brincadeira uma boa oportunidade para despertar a consciência de jovens e adultos para a importância do exercício físico na construção do bem-estar. No ano passado, as caminhadas noturnas, os jogos entre equipes de bairros, os bailes nas ruas, a ginástica em empresas, as aulas comunitárias em academias foram algumas das atividades que marcaram a participação de 10 milhões de pessoas, de 253 cidades. Para a edição deste ano, em 31 de maio, o Sesc faz questão de salientar o aspecto da interação social do evento. Além de promover a qualidade de vida, estimula-se a criatividade, o surgimento de novas lideranças e a integração de diferentes segmentos da comunidade.