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Viajar
Os números impressionam: o turismo movimentou no ano passado 3,5 trilhões de dólares no mundo. Mas atrás dessas cifras há complexas relações socioambientais que provocam discussões cada vez mais candentes
Quem entra numa agência de viagem para comprar um pacote não tem idéia do que esse ato aparentemente despretensioso acarreta. O postulante a turista, com a passagem na mão, passa a fazer parte de uma complexa rede socioeconômica que envolve trilhões de dólares, milhões de empregos e implica, além disso, debates calorosos sobre conservação ambiental, impacto cultural e a condição do viajante, inserido em uma atividade ao mesmo tempo de lazer e de consumo.
Para compreender o significado do turismo no alvorecer do século 21 é preciso recuar no tempo e averiguar como e por que as pessoas decidem buscar outras localidades motivadas não pela necessidade econômica ou diplomática, mas imbuídas de uma orientação voluntária e movidas por um atributo muito humano: a curiosidade. "A atividade turística como nós conhecemos hoje em dia começou com os jovens aristocratas ingleses no século 18. "Com o chamado 'Grand Tour'", conta Célia Serrano, historiadora e professora do curso de graduação em turismo e administração hoteleira na Unibero e da pós-graduação em turismo do Senac de Águas de São Pedro, "eles viajavam em busca de experiência e de crescimento pessoal".
No retorno, os jovens aristocratas traziam as recordações gravadas na memória, mas também nas anotações pessoais, em diários, e nas ilustrações. "As viagens passam a se tornar uma prática social: criam-se rotinas e desenvolvem-se uma infra-estrutura e redes de serviços que serão as bases do turismo atual. Os tutores encarregados de apresentar os lugares aos jovens em suas viagens podem ser comparados aos guias acompanhantes de hoje; os diários de viagem, que na época já eram publicados e lidos pelos que desejavam viajar, são semelhantes aos atuais guias informativos, e os desenhos foram substituídos pelas fotografias." Com o passar do tempo e o estabelecimento das estruturas do capitalismo industrial nos países da Europa e nos Estados Unidos, a atividade turística ganha um novo fôlego e outras motivações. Do recrudescimento da vida urbana advêm incômodos inéditos, como o estresse e o trabalho sistematizado; das tecnologias nascentes desenvolveram-se os trens e os navios a vapor. Na contrapartida dos ritmos frementes, surge a necessidade de escape - tornou-se imprescindível abandonar o ambiente urbano em busca de outras realidades, compatíveis com outro compasso dos ponteiros do relógio.
Estamos em meados do século passado, quando "os movimentos sociais da classe trabalhadora conquistam um tempo livre diário, semanal e anual cada vez maior [...]. É o homem urbano que constitui o Homo turisticus ou Homo viajor", escreveu a geógrafa Adyr Balastrieri Rodrigues em Turismo e espaço - Rumo a um Conhecimento Transdisciplinar. Nessa época, o tempo livre, momento em que o cidadão não se dedicava ao trabalho, começa a ser dirigido em função das práticas de lazer e, entre elas, o turismo. Além disso, o desenvolvimento tecnológico propiciou, um pouco mais tarde, a invenção do automóvel e do avião. "Cada vez mais o turismo se populariza, mas foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que ele se torna um objeto desejado não apenas pelos ricos, claro, mas também pelas classes ascendentes - era o início do turismo de massa", conclui Célia Serrano.
Nota preta
Atualmente, o crescimento do turismo é surpreendente. Fala-se em indústria, termo empregado na Europa, apesar de inadequado, pois as atividades envolvidas fazem parte do setor de serviços. Mas não importa a denominação, o fato é que, de acordo com dados da World Travel & Tourism Council, em 1999 esse empreendimento recebeu 3,5 trilhões de dólares, ou seja 11,5% do total de investimentos mundiais, gerando 200 milhões de empregos. Tais estatísticas conferem ao setor o título de mais rico do mundo, valendo mais que o petróleo e que a indústria bélica. Atrás dos números vultosos, fica fácil entender a febre que envolve o turismo. Na edição de 29 de março da revista Veja, foram publicadas cinco matérias sobre o assunto. No rastro de tanto dinheiro, congressos e discussões acadêmicas proliferam, suprimindo - embora só recentemente - a conotação pejorativa que pairava sobre o tema nos meios intelectuais.
Como reflexo desse processo, as circunstâncias que envolvem uma viagem transformaram-se. Até meados da década de 80, pode-se dizer que havia menos cuidado por parte dos turistas e dos agentes comerciais. Não existia a preocupação com a conservação do ambiente - natural e cultural -, com as particularidades dos turistas potenciais, nem a preparação adequada dos itinerários e visitas. Era o tempo do chamado turismo predatório, em que preponderava a observação passiva. De certa maneira, a concepção mudou. Hoje, as viagens contam com uma preparação mais pormenorizada e cada vez mais especializada. A diversificação marca o passo do negócio: ecoturismo, turismo rural, cultural, escolar, de negócios, de aventura, para a terceira idade, para crianças etc. Enfim, é uma gama de opções que abarca as necessidades dos diferentes grupos sociais. Aliás, a rotulação dos diversos tipos de turismo cria alguma controvérsia entre os especialistas. Mesmo a definição contemporânea de turismo, aceita pelo Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) é polêmica: "deslocamento voluntário em que o indivíduo passa mais de 24 horas fora do domicílio de origem e utiliza a infra-estrutura do lugar". Já para o professor de direito internacional Salad Eldin Wahab, ex-consultor de turismo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a prática pode ser definida como "uma atividade humana intencional que serve como meio de comunicação e como elo de interação entre povos, tanto dentro como fora de um país. Envolve o deslocamento temporário de pessoas para outras regiões ou países visando à satisfação de outras necessidades que não a atividade remunerada".
Mais importante que os conceitos é compreender o contexto que está envolvido em uma viagem. Mostrar como essa "atividade" angariou adeptos e identificar seu caráter social, averiguar, acima de tudo, de que maneira hoje em dia as pessoas saciam a sede de cumprir, a exemplo dos muçulmanos que peregrinam a Meca, essa suposta missão.
Missão na medida em que viajar transformou-se, para grande parte das pessoas, em obrigação compulsória. Parece haver uma força misteriosa que nos impele a procurar novos ares: "O turismo é um bem como outro qualquer, e a sociedade de consumo em que vivemos introjeta essa idéia de que é imperioso viajar: buscar paz e tranqüilidade na praia ou no campo. Na verdade essa é em parte uma noção falsa, pois muitas vezes, quando deixamos uma cidade como São Paulo para ir ao Guarujá, saímos do inferno para um outro inferno", explica Adyr Rodrigues.
Para a geógrafa, a massificação do turismo criou um mito equivocado que pode ludibriar os mais incautos. A mídia, em pele de sereia, incutiria a necessidade da viagem compulsória. Quem a renega é tido como um "pária". Viajar concede status, auxilia na inclusão. "O turismo introduz novos códigos culturais e propõe novos sistemas de símbolos baseados em imagens que substituem a realidade e conduzem a julgamentos segundo códigos impostos pela mídia", escreveu Adyr. "Difunde-se uma imagem de um modo de vida e de uma ideologia inspirados por grupos líderes da população, aos quais convém imitar pelos seus comportamentos e hábitos de consumo. A insatisfação nascida do quadro de vida urbano é exacerbada."
Transposto o conceito teórico para a realidade, transforma-se todo o candidato a turista em consumidor em essência. E, seguindo o modelo de Adyr, cria-se um protótipo a ser compartilhado, não importa o sacrifício: num réveillon em Paris ou fim de semana em Santos, a ordem é consumir. A frieza dessa constatação encontra respaldo no depoimento de Júlio Serson, presidente da Associação Brasileira de Indústria de Hotéis. Para ele, "quem vai comprar um pacote deve ter a mesma postura do consumidor de geladeiras, fogão ou tevê. Pesquisar o melhor preço e comprar".
Mas será que o turista é apenas um consumidor passivo, influenciável pelos humores da mídia, sem qualquer capacidade crítica. "Eu acredito que não", pondera Célia Serrano. "Muitas análises colocam o turista numa condição de passividade que dificilmente pode ser aceita. De um lado, revelam uma simplificação do papel do consumo que o reduz a um ato de resposta mecânica a um estímulo e, dessa forma, desconsidera sua condição de elemento de integração, constituição de identidades e de comunicação. De outro, ao tratar do turismo, tais análises partem de um pressuposto elitista: por trás desse raciocínio está a idéia de que é possível deslocar-se espacialmente sem fazer uso da infra-estrutura e dos serviços turísticos, portanto sem mediação do consumo, e principalmente escapando do universo cultural da sociedade contemporânea. Alguns seriam viajantes, capazes de selecionar as informações, lugares e culturas de fato importantes, e os demais, turistas. Apesar de estimulado, principalmente pelo consumo visual, com fotos e vídeos que aguçam a necessidade de consumo, eu acredito que as pessoas possam criar um sentido singular mesmo para o mais estandartizado pacote de viagem. A inegável massificação das viagens e dos serviços turísticos não significa necessariamente a massificação da experiência das pessoas."
O ecoturismo, surgido na década de 80 e desenvolvido em locais nem sempre de fácil acesso e com as facilidades dos centros urbanos, sinaliza uma busca de experiências mais intensas. Fica a pergunta evidente. Por quê? O mito do eterno retorno, o escape obrigatório da civilização? Originalmente implicava numa rota alternativa, opção barata e, na medida do possível, apartada da atividade puramente comercial. Assim, é possível associar os primeiros ecoturistas aos "hippies" e, depois, aos jovens de classe média sensibilizados pelos problemas ambientais, que passam a buscar lugares de natureza ainda preservada, da mesma forma como realizar viagens diferentes daquelas oferecidas pelo turismo de massa, a esta altura já bastante criticado pelos impactos negativos causados nos locais onde este vinha se desenvolvendo. No entanto, tais viagens alternativas passam a ser incorporadas pelo mercado, dentro do processo de especialização pelo qual este vem passando desde a década de 70. Hoje, como mostraram os debates do 1º Seminário Internacional de Ecoturismo realizado em Salvador, no mês passado, o ecoturismo deixou as matas virgens e ampliou seus horizontes. A ecologia compreende o ambiente onde o homem está inserido, portanto o meio urbano inclusive.
"Com o passar do tempo, os roteiros passam a se diversificar e levar um número cada vez maior de pessoas a lugares ainda mais remotos, e, com este crescimento descontrolado, as características quase artesanais dos primeiros roteiros e pacotes começam a desaparecer em conseqüência da nova escala das operações e do ingresso neste mercado de empreendedores não preocupados com as questões ambientais. De outro lado, a falta de planejamento, de capacitação profissional e de informação das pequenas comunidades receptoras sobre os impactos do turismo têm feito com que as promessas de uma forma responsável de viagens - comprometida com a conservação ambiental e o desenvolvimento regional - fiquem cada vez mais distantes", ensina Célia Serrano.
Analisar o impacto causado pelo deslocamento voluntário anual de 650 milhões de turistas no mundo faz parte da recém-inaugurada agenda de debates. Para a professora Amalia Ines Geraides de Lemos, chefe do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo e organizadora do volume Turismo - Impactos Socioambientais, "a partir do momento em que o homem pisa num lugar, cria-se um desequilíbrio, assim como a inauguração de uma infra-estrutura altera o meio ambiente". Tomando como campo de análise o processo de urbanização do litoral norte de São Paulo, as opiniões se complementam. O turismo trouxe gente, muita gente ávida por um chão de terra, mar limpo e distância da cidade. Mas acessar o paraíso não é simples, reclama o que se entende por progresso: asfalto no lugar das praias, luz elétrica, dinheiro, proximidade com a civilização. Tantas novidades de certa forma cativaram a população caiçara. "Hoje eles têm acesso a hospitais, escolas e a um comércio diversificado", informa Adyr Rodrigues. "Em um levantamento na praia de Picinguaba, em Ubatuba, à época do asfaltamento da rodovia Rio-Santos, perguntou-se para uma antiga moradora se gostaria que a estrada passasse junto à praia e ela mostrou grande entusiasmo." A geógrafa vai além. Afirma que a obstrução do progresso é fruto do trabalho das "sociedades de amigos" das praias, compostas por veranistas da capital. "As decisões são muito elitistas e quase nunca consideram a opinião dos caiçaras." Amalia de Lemos acrescenta outros argumentos: "Essa é uma questão controversa. O turismo desencadeia a especulação imobiliária. Os agentes compravam as terras dos caiçaras por um valor irrisório, expulsando-os para a periferia das cidades, que cresciam indistintamente".
Turismo para todos
Junto com o ecoturismo, outras modalidades surgiram no esteio da recente especialização. Mais importante é dotar de valores benéficos essa prática tão próxima do consumo. Nesse aspecto, criou-se na Europa do pós-guerra o conceito de turismo social, visando oferecer a um número maior de pessoas o acesso ao turismo. Seus fomentadores não pretendem o lucro e não compartilham as prerrogativas de uma agência de viagens comum. A nova concepção de turismo nasceu embasada em ideais de justiça social e democratização das práticas de lazer.
No Brasil o Sesc foi o primeiro a exercer o turismo social, presente já na redação da Carta da Paz Social, que deu origem à entidade em 1946 e em 1947 ao Sesc Bertioga. Naquela época estabeleceram-se os parâmetros que definem a atividade turística oferecida até hoje à comunidade. Em 1979, criou-se oficialmente o programa de turismo social, que ano passado atendeu 30.698 pessoas com viagens e excursões para várias localidades do país, atendendo as necessidades especiais do público do Sesc. "O ideal da instituição é a educação para e pelo turismo. Seja nas nossas excursões, seja no Sesc Bertioga, desenvolvemos um projeto único que complementa o ato de viajar com informações sobre o roteiro, como se comportar nos locais visitados e dados complementares", comenta Marcos Scaranci, técnico do Sesc Paraíso.
Assim, em uma viagem para Piracicaba, os viajantes chegam à cidade preparados, prontos para desfrutar com o máximo de aproveitamento as atrações do lugar. O itinerário não é apenas cumprido dentro da redoma do ônibus ou alheio às singularidades da região. A educação pelo e para o turismo significa interação máxima com o objeto da visita, convivência íntima com elementos peculiares sem, no entanto, ameaçar os hábitos locais. Educação significa respeito.
Pensando dessa forma, o Sesc realiza um trabalho único. Oferece a preços acessíveis a oportunidade para que parcelas menos favorecidas da população possam desfrutar o lazer, aquelas que não têm condições financeiras para utilizarem o turismo comercial. Ou seja, pensa primordialmente em quem não poderia viajar de outra maneira. Ampliando o acesso, o trabalho da instituição distancia o turismo do viés puramente consumista. Desenvolve conceitos novos que fogem dos rótulos tradicionais. Os passeios de um dia pela cidade de São Paulo ou pelos municípios próximos, apesar de não serem reconhecidos como atividade turística segundo a acepção mais rigorosa do termo, colocam as pessoas em contato com a própria realidade, sob um ponto de vista oposto ao do cotidiano. Essa prática pode inclusive se tornar uma pedra de toque na discussão sobre os anseios que justificam o turismo, pois confronta o cidadão com a sua cidade, sem uma evasão física. Evidencia-se a procura por novas experiências, mas sem o impulso da mídia e da sociedade. É, ao contrário, um contra-senso ao lugar-comum, que impõe justamente a necessidade de paz e tranqüilidade longe do contexto urbano. "Os programas DiverSãoPaulo e DiverCidades resgatam o princípio de cidadania. É importante que o cidadão tenha idéia do que a cidade possa oferecer. Poucos moradores sabem, por exemplo, que no zoológico de Bauru existe um pingüinário que é o único da América do Sul. A mesma coisa vale para o paulistano", conclui José de Paula Barbosa, gerente do Sesc Paraíso.
O futuro
A diversidade do turismo reflete seu imenso potencial econômico. Hoje, é a fonte principal de divisas de muitos países. França, Espanha e Estados Unidos recebem juntos mais de 150 milhões de visitantes por ano, que levam o dinheiro do país de origem para gastá-lo alhures. No panorama internacional, há campanhas ferozes de caça ao turista. O marketing para atrair o cidadão em trânsito une-se à infra-estrutura para recebê-lo com conforto e alternativas que contemplem do idoso à criança.
No cenário internacional, o Brasil desempenha um papel quase irrisório na captação do turista. O país recebeu em 1998 apenas 5,56 milhões de turistas, ocupando a 39a posição no ranking da OMT e arrecadando cerca de 3,67 bilhões de dólares. A cifra é decepcionante se pensarmos em nosso potencial de sedução. É desnecessário decantar suas belezas, decoradas em prosa e verso. Mas, então, por que o consumidor prefere ir à Argentina ou à Austrália mesmo com o real desvalorizado? "Vários motivos atrapalham o Brasil", explica Luiz Gonzaga Godoi Trigo, gerente corporativo do Centro de Educação em Turismo e Hotelaria do Senac de São Paulo. "Nossa infra-estrutura para o turismo ainda é muito precária. Temos problemas com portos, estradas e rede hoteleira e uma carência de mão-de-obra especializada. Além disso, os episódios de violência e de impunidade, como Carandiru e Vigário Geral, repercutem muito mal no exterior. Falta também uma estratégia de marketing sólida para atrair o turista."
Enfronhado no ramo há vinte anos, Trigo foi um dos que reconheceu precocemente o potencial econômico do turismo. Formou-se na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas em 1981 e de lá para cá assistiu ao boom dos cursos no setor. "Hoje existem mais de 250 faculdades de turismo no Brasil, que formam cerca de 4 mil novos profissionais por ano", explica. Muitos dos jovens que ingressam na faculdade vêm seduzidos pela aura de aventura que envolve a carreira. Acreditam que, uma vez formados, as viagens serão constantes e a rotina de uma profissão "normal" , um fantasma distante. "A realidade não é tão glamourosa", prossegue Trigo, pois "o profissional da área tem muitas alternativas de trabalho que não abrangem necessariamente viagens paradisíacas. Ele pode trabalhar na rede hoteleira, em agências de viagens, órgãos oficiais, companhias aéreas e, claro, como guia, mas mesmo nesse caso o cotidiano é muito duro."
Sem dúvida, o turismo mexe com o imaginário das pessoas. Conhecer novos lugares ou travar contato com outros povos desperta uma série de símbolos que o dia-a-dia enfadonho teima em reprimir. A sedução de paisagens paradisíacas e paragens exóticas, cuidadosamente editadas em documentários e peças publicitárias, despertam uma nova necessidade de consumo. Torna-se imperioso preencher o tempo livre com atividades construtivas. Na vida moderna não se perde um minuto. Portanto, viaje! O imperativo não comporta juízos de valor: ninguém questiona o prazer embutido numa excursão - uma semana em Fortaleza, Bertioga ou Miami. O que se discute é a postura crítica, como consumidor, que o turista deve assumir diante das alternativas oferecidas pelo mercado.
É preciso refletir sobre os grandes resorts (grandes hotéis localizados em áreas verdes, com amplo contato com a natureza) como os hotéis do Clube Méditerranée. Existem 250 empreendimentos dessa empresa espalhados pelo mundo: salvo insignificantes "excentricidades" locais, todos seguem o mesmo padrão, ou seja, na Malásia, na França ou em Itaparica, o atendimento, a comida e as atrações seguem o mesmo critério. São planejados para que o turista sinta-se em casa, sem os desconfortos e os riscos que as descobertas espontâneas da cultura local podem implicar. Adyr Rodrigues faz uma crítica a esses espaços: "Tudo parece ter sido meticulosamente arquitetado com séculos de antecipação. Cria-se a fábrica, cria-se a metrópole, cria-se o estresse urbano e cria-se a necessidade do retorno à natureza. Onde não há natureza, ela é fabricada, como em vários projetos turísticos de Orlando, na Flórida". E sobre os resorts: "São modelos de alojamentos produzidos pelo turismo global, no qual as pessoas desfrutam de ambientes absolutamente familiares, no qual até, e sobretudo, a alimentação é estandardizada".
Nas perspectivas de investimento em projetos turísticos no Brasil, a pesquisadora identifica duas frentes divergentes: uma com o estabelecimento de grandes resorts, principalmente em áreas verdes isoladas do Nordeste, a outra com o ecoturismo, "que se baseia na convivência e busca da integração dos turistas com o entorno".
À medida que o tema ganha importância, não só na economia mundial, mas como um valor de vida, as questões que envolvem a dinâmica do turismo tornam-se mais complexas. Ainda não existem respostas infalíveis, há linhas gerais a serem debatidas. Por exemplo, o turismo virtual, aguçado pelos incrementos tecnológicos, desafia o futuro das viagens físicas? Não seria possível angariar experiências pessoais, objetivo principal do turismo, numa postura estática? Não seremos todos nós turistas ao cumprir nossas obrigações diárias, realizando as mais comezinhas operações urbanas? O sociólogo mexicano Hector Romero afirmou que o homem é um viajante por natureza, pois seus anseios e necessidades vagueiam fora de si. E para Adyr Rodrigues, "viajar autenticamente é partir do conhecido ao desconhecido, de dentro para fora, do interior de si mesmo para o exterior do outro."
Conheça Bertioga A preocupação com as férias do comerciário e de sua família determinou a criação de uma unidade especial do Sesc: o Sesc Bertioga. O traçado urbanístico do projeto foi encomendado ao engenheiro Prestes Maia, em 1948, numa época em que não existiam no Brasil colônias de férias para trabalhadores com instalações próprias. Foram construídas 28 casas pré-fabricadas, que recebiam cerca de duzentas pessoas a cada quinzena. Além de toda essa infra-estrutura, a unidade possui ainda cinema, salas de jogos de mesa, lanchonete com pista de dança e palco para apresentações. Na área de esportes, o Sesc Bertioga conta com ginásio esportivo, quadras de bocha, campo oficial e minicampo de futebol, quadras de tênis, vôlei, basquete e futebol de salão, pista de cooper, parque aquático com piscinas adaptadas para adultos e crianças. E não pára por aí: para a criançada existe um Centro de Recreação Infantil com um playground onde são realizadas diversas atividades. O restaurante merece destaque pelos dois salões com capacidade de atendimento simultâneo de até oitocentas pessoas, servindo café da manhã, almoço e jantar, num total de mais de 2 mil refeições por dia, preparadas sob orientação e supervisão de nutricionistas. Há também projetos ligados ao meio ambiente. Um deles é o sistema de captação de água, localizado em plena serra do Mar, que tem capacidade para suprir as necessidades da unidade e até mesmo da própria cidade, em caso de problemas de abastecimento da rede pública. O Sesc Bertioga realiza caminhadas monitoradas até a estação, através da Trilha da Água, com extensão de três quilômetros, em passeios que funcionam como atividade recreacional e educativa, possibilitando o contato com três ecossistemas diferentes: a mata atlântica de encosta, a mata de restinga e o manguezal. Outro projeto é o Avifauna, que cria meios para prolongar a permanência de aves nos limites da unidade. Os especialistas envolvidos registram e catalogam espécies vegetais e a avifauna da região. Toda essa gama oferecida pelo Sesc Bertioga está aberta a todos os comerciários e funciona o ano todo, exceto em junho, mês de férias coletivas de seus funcionários. As reservas podem ser feitas para períodos de seis a nove dias, finais de semana e pacotes especiais em feriados prolongados, com sistema de diária completa. Para inscrever-se, é necessário antecedência mínima de sessenta dias. |