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Esporte
Rompendo barreiras

Muito já se ouviu dos benefícios gerados pela atividade física. Os estudos mais recentes comprovam que uma vida saudável passa, obrigatoriamente, por uma quantidade mínima de exercício regular. O ideal são quinze minutos diários estimulando os músculos e a circulação sangüínea por meio das ações mais comezinhas, como lavar o carro, fazer compras, subir e descer as escadas.
Há um porém. Essa regra foi estabelecida, pensado-se apenas em uma parcela limitada da população. Quando se fala em atividade física, raramente se contempla as pessoas que precisam de necessidades especiais, que estão, já no discurso, alijadas do cotidiano comum. Às pessoas portadoras de deficiência restam, na maioria das vezes, o preconceito e a discriminação, fundamentados em um raciocínio cruel e deturpado indicando que tais características singulares impediriam definitivamente a prática de atividade física. Não há nada mais falso, pois com atividades corporais adaptadas e prática esportiva a grande maioria dos portadores de necessidades especiais alcança integração e inclusão no meio social, derrubando mitos e preconceitos. Segundo o professor Dr. Luzimar Teixeira, mestre e doutor em Educação Física pela USP, os benefícios da prática esportiva para portadores de deficiência são inúmeros. "Com a atividade física você pode tornar o indivíduo deficiente apto a uma série de coisas", explica. "É inegavelmente saudável. Melhora a condição física, mesmo que de forma passiva. Ao fazer um trabalho com natação, por exemplo, consegue-se um alívio em toda a articulação, movimentando a estrutura muscular e melhorando o seu bem-estar", conclui. Outro profissional que compartilha a mesma opinião é Marco Túlio, da Escola Paulista de Medicina. Ele afirma que a prática corporal auxilia no processo de reabilitação e torna o portador de deficiência muito mais independente, melhorando inclusive sua auto-estima.
No ritmo do som
Karina Vaneska tem 17 anos e é portadora de deficiência auditiva. Desde os cinco anos estuda no Instituto Educacional São Paulo, que faz parte da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (Derdic), órgão ligado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ela está na oitava série e vive, a exemplo de suas colegas, os anseios da idade. Quando terminar os estudos na Derdic, pretende cursar uma escola de ouvintes e diz estar preparada para enfrentar todas as dificuldades que possam surgir. Karina tem muitos planos para o futuro. Um deles é se formar em Nutrição e casar com o namorado, que também é portador de deficiência auditiva. Mas o que ela mais gosta de fazer no instituto é dançar balé e dança de salão. Ela faz parte do grupo de dança corporal desenvolvido pelo professor de Educação Física, Antonio Carlos Pinheiros de Almeida.
Suas primeiras pesquisas foram desenvolvidas tendo como ponto principal a percepção do resíduo auditivo do aluno (o quanto de audição ele ainda possui). Com esse dado, Antonio busca na música uma maneira de reverter o som em movimento corporal, possibilitando aos alunos rever o próprio corpo de uma forma mais ampla, pessoal e fortalecida. As aulas são realizadas em pista tátil, onde os adolescentes dançam descalços utilizando pinças auditivas. Com a amplificação do som, eles podem perceber as diferenças em relação à música e ao ritmo. O professor explica que o ponto principal é não dar prioridade para a estética. Segundo ele, o mais importante é a integração social por meio da dança e a possibilidade de estruturar o aluno para enfrentar o meio social, com a perda da inibição.
Contudo, Antonio Carlos afirma que a maior dificuldade do seu trabalho é convencer a sociedade de que o portador de deficiência é apenas um sujeito com algumas necessidades especiais, a exemplo do idoso e da criança. Além disso, observa que a falta de informação e de convivência agrava o quadro de preconceito.
Bola ao cesto
Conhecido pelas façanhas no basquete, o Clube dos Paraplégicos de São Paulo, fundado em 1958 por Sergio Seraphim Del Grande em homenagem à Federação Internacional de Stoke Mandeville (pioneira internacional no esporte em cadeira de rodas, criada em 1948), é uma entidade cuja finalidade é a prática esportiva adaptada e competitiva para pessoas portadoras de deficiências.
Hoje o clube conta com o trabalho voluntário de professores, alunos e profissionais da área de educação física e recebe mais de cem atletas, que praticam as mais diversas modalidades do esporte adaptado, como natação, basquete, halterofilismo, bocha, atletismo e tênis de mesa.
Há cinco anos como presidente do clube, João Antônio Bentim, ex-corredor de rally, paraplégico devido a um acidente de carro, conta que as maiores dificuldades em manter a entidade relaciona-se à falta de patrocínio para campeonatos. "Nenhuma empresa quer ver um deficiente como garoto-propaganda", alerta.
Mas, como uma entidade sem fins lucrativos, o clube depende da doação financeira de algumas empresas do setor privado e do apoio de particulares. Foi por meio dessas doações e da força de vontade dos profissionais e atletas envolvidos que o clube já conquistou vários títulos nacionais e mundiais disputados em várias modalidades. João enfatiza ainda que a prática esportiva tornou-se um fator de extrema importância na reabilitação e reintegração do portador de deficiência na sociedade, além de auxiliá-lo na recuperação da auto-estima.
Laramara
Em 17 de julho de 1978 nasceu Lara Siaulys, uma garota igual a todas as outras, que só não conseguia enxergar. A mãe, a educadora Mara Siaulys, passou, então, a procurar diversos profissionais que auxiliassem a filha em seu desenvolvimento, mas tudo o que ouvia era que nada podia ser feito. "Nos anos que se seguiram ao 'nada a fazer', tudo o que fiz foi aprender a fazer alguma coisa.", explica. Desse esforço nasceu a Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, o Laramara. Criado em 1991, a instituição é hoje uma entidade cujo grande mérito está em agregar programas de recreação para adultos e crianças portadores de deficiência visual. Hoje, diferente da época em que Lara nasceu, vários profissionais da área pedagógica contribuem para o sucesso da iniciativa. Entre os programas desenvolvidos pela entidade, o AMA (Atividades Motoras Adaptadas) é voltado especificamente à promoção de atividades físicas para crianças e adolescentes. O coordenador, João Álvaro de Moraes Felipe, explica que "é imprescindível que, desde cedo, os jovens comecem a praticar atividades físicas, aprendendo a conhecer melhor o seu corpo e seus limites". Ainda segundo João, é saudável também o contato com outras crianças não-portadoras de deficiência. "É importante dar continuidade a essas atividades na escola e até em casa, com a própria família", explica. No AMA, os alunos jogam bola, fazem ginástica em cama elástica e até são iniciados nas acrobacias da ginástica olímpica. Tudo com o objetivo de oferecer condições de obter um domínio corporal, só possível com a atividade corporal.
Ginástica contra o preconceito O Sesc São Carlos realizou no final de abril a terceira edição do Simpósio de Atividades Físicas Alternativas e Adaptadas, no qual profissionais, educadores, alunos e o público em geral tiveram contato com algumas técnicas dessas atividades em conferências, cursos e vivências. O principal objetivo do evento foi provocar uma reflexão sobre os movimentos corporais relacionados à prática consciente de atividades motoras e ao bem-estar dos portadores de necessidades especiais. O Sesc São Carlos, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, desenvolve um trabalho baseado no conceito de que o homem deve ser entendido como um ser total e de que o movimento corporal deve conter um significado amplo na vida das pessoas, extravasando estereótipos. Essa atitude toma uma importância maior quando se analisa o contexto atual que contempla o paradigma da inclusão, em que a sociedade é desafiada a modificar suas estruturas físicas e programáticas, bem como suas políticas sociais e leis para que ninguém seja excluído dos sistemas sociais gerais. Graças à convivência com as diferenças individuais, parece que estamos diante da perspectiva de se eliminar, ou amenizar, as piores barreiras que sempre existiram contra pessoas portadoras de deficiência. O esporte e a atividade física são os caminhos mais viáveis. |