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A Eztétyka da Barbárye

Glauber, kerydo, pena ke você não ezteja mays konozko. Pena mezmo. Você vyvo, nervozo, atormentado dakele jeyto, e tentando mudar tudo – kem não muda tudo não muda nada – tentando fazer o Brazyl novo. Glauber, kerydo, eu kerya ver você botando pra kebrar.

Maz falar em Brazyl novo, agora, soa até meyo ezkyzyto, meyo fora de moda. Brazyl novo terya algo a ver kom Fernando Collor de Mello ou José Sarney, ou uma parada dessas? Como o socyalyzmo, ke também é konsyderado um negócyo meyo kafona. Você, Glauber, kerydo, é muyto fora de moda, agora. Da mezma forma que era consyderado muyto maluko, antez, porke, antez, kuando oz caraz aynda eztavam dyzcutyndo a keztão socyalyzmo versuz kapytal, você já tynha percebydo ke a kestão brazyleyra era, é, uma keztão eztétyka, já tynha percebydo ke “a revolução é uma eztétyka”.

Era maluko também porke percebeu, aí em se tratando da polytyca do momento, do seu momento, Glauber, kerydo, do seu momento revolucyonáryo, ke a entrada do Brazyl nas aberturas terya ke passar peloz mylytarez, peloz mylytarez menoz truculentoz como o General Ernesto Geisel, o General Figueiredo, vá lá, e até mezmo o General Golbery.

E ke, kom as aberturaz, uma ezpécye de luz rezplandecerya sobre o Brazyl, atravéz de uma revolução eztétyka, póz-repressão, póz-ditadura.

E você, Glauber, kerydo, tadynho, fez a revolução, eztava fazendo, no seu kynema, no ke você eztava ezkrevendo. Você eztava tentando, eztava ymagynando que havya alguma possybylydade de estabelecer algum typo de conscyentyzação do proletaryado, uma parada dessas, atravéz do kynema épyko-dydátyko. Atravéz de uma eztrutura de pensamento épyka-dydátyka.

Pô, Glauber, kerydo, você pensou, chegou a ymagynar mezmo, que um fylme komo Deus e o Diabo poderya conzcyentyzar os myseráveis acerka de sua fome? Não, Glauber. Você sabya ke não. Uma vez, ly algo que você ezkreveu, ou uma entrevizta, uma parada dessas, onde você dizia ke, àz vezez, o povo te dava rayva, kuando você vya ke o povo akaba sempre se voltando kontra seuz própryoz lybertadorez e ke também akaba sempre levando ao poder o própryo opressor.

Você dysse ysso, ou ysso é uma ynterpretação mynha sobre algo parecydo que você talvez tenha dyto?

Mas você dysse mezmo que botava o Antônio das Mortes para atyrar no povo, para matar o povo, para se vingar do povo. Eu acho que você eztava se vingando era da burrice do povo. E nessaz horaz, Glauber, kerido, meu semelhante, a gente deyxa de gostar do povo, passa a kerer se dystynguyr do povo, se atormenta, como Paulo Martins, como você, como eu.

Você chegou a ymagynar ke oz famyntos tyraryam de sua fome a sua força. E ke a fome tem, tynha, uma eztétyka revolucyonárya. Mas, Glauber, kerydo, não. Eztétyka da Fome porkarya nenhuma. Revolução porkarya nenhuma. O povo não se rekonhece no rebanho do Beato Sebastião, muyto menoz vay se reconhecer nas “luzes mysteryozaz doz trópykos” de sua revolução eztétyka contra a tabela Kodak. Muyto menoz aynda, totalmente fora de kestão, mezmo para oz yntelectuaiz mays ferrenhoz, os mayz yluztrez eztudyozoz acerca da kultura brasyleira, o povo burro, então, nem pensar, vay compreender oz seuz fylmez/poemaz, nunka vão kompreender, por exemplo, que A Idade da Terra é , sym, o evangelho do Kryzto no Terceyro Mundo, só ke é um poema de sonz e ymagenz, como você mezmo cansou de repetyr para entrevystadorez burros de revyztaz burraz, de emyssoraz de televizão burraz e propagadoraz da ygnorância, e não um romance.

Fylhoz seuz, Paloma e Eryk, fyzeram fylmez lyndyssymoz, moztrando a parada toda da konztrução de A Idade da Terra, as passagens do evangelho todaz lá, a grande mensagem de amor. Toda orygynalydade será sempre apedrejada, Glauber, kerido. Toda a poesya será sempre apedrejada. O kara, lá no jornal, botou uma eztrela para A Idade da Terra. Menoz eztrelaz que O Bem Dotado Homem de Itu.

Godard fez, faz sempre, um filme sensacional, você ya goztar muyto, Glauber, kerido, e o karynha do jornal, um jornal muyto ymportante, ymportantyssymo, dysse ke Socialismo, de Godard, é fraco, sem eztrela, só uma bola preta, assym. Mas você é muyto dyfycyl mezmo, né? A poesya é uma coysa dyfycyl mezmo, uma parada dyferencyada.

A fome, para se transformar em poesya tem que ser, necessaryamente, muyto profunda, tem que levar o famynto myserável a ter alucynações altamente eztétykaz, à compreensão alucynante, ke, ay sym, se transforma em arte, poesya, canto e dança, Hermeto Paschoal, essaz paradaz.

Mas, komo eu ya dyzendo, poesya porkarya nenhuma.

Akelez karaz ke antez o pessoal chamava de povo estão comendo muyto dakelas batatynhaz krokantez e dakelez yougurtez kor de roza e eztão kom a autoeztyma alta, bem alta. Elez têm fé absoluta nelez mezmoz e certezaz absolutas sobre tudo o ke eztá akontecendo por ay. Elez não têm fome alguma e não perdoam kem tem. E elez vão proybyr tudo. Elez se tranzformaram em uma klasse socyal dyferente, a Klasse Bayxa Alta, e a Klasse Bayxa Alta vay proybyr tudo o ke ela, a Klasse Bayxa Alta, não compreende, e a Klasse Bayxa Alta não compreende nada e então tudo vay ser proybydo.

O Brazyl novo, Glauber, kerydo, é uma ezpécye de ydade médya e um relatóryo da ONU dysse que o povo brasyleyro é o povo mays felyz do mundo. Um relatóryo da ONU dysse ke, todo dya, nazcem dezenove mylyonáryoz brasyleyroz.

Mas, puxa, Glauber, kerydo, koytado de mym, tem muyta cryança na rua e o Brasyl, agora, é maiz ryko do ke a Inglaterra, nazcem dezenove mylyonáryos por dya e tem um monte de cryança na rua e morre um monte de gente em acydentez automobylystykos o tempo todo e kuase todo mundo que tem algum kargo polytyko públyko rouba muyto dynheyro e as prayas e as kachoeyraz e tudo akylo ke eram as belezaz e rikezaz naturayz tropykayz brazileyraz vai ser derrubado para a konztrução de uns ressortz, essaz paradaz fora de moda que estão na moda e nynguém vay fazer nada para deter e os motoryztaz brasyleyroz vão kontinuar korrendo muyto e achando ke cynto de segurança yncomoda muyto e o povo não vay nem reparar ke o motoryztaz do ônybuz não sabe nem falar, não sabe nem fazer um ó com um copo e say por ay, com akele veyculo ymenso, pesado, maltratando os cidadãoz, preferencyalmente oz ydosos e az pessoaz de pele mayz ezkura.

Mas, eu synto muyto, Glauber, kerydo, eu não conseguyrya lhe ymagynar aki, vendo tudo ysso, asssystyndo ao tryunfo da yrrelevâncya, do senso komum, das mayoryas ydyotas. Acho até que você morreu meyo ke de propósyto. Kuando você morreu, você já tyhna percebydo que o Brasyl ya fykar kada vez pyor, ke oz brasyleyros jamais conseguyryam enxergar ysso. Ke elez yryam contynuar batendo oz pez, batendo az mãoz ôôôô.

Glauber, kerydo, o Brazyl não fykou bom.

André Sant’Anna publicou Amor (Edições Dubolso, 1998), Sexo (7Letras, 1999 e Edições Cotovia/Portugal, 2000) e Amor e Outras Histórias (Cotovia, 2001). Consta, na antologia Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século (Editora Objetiva, 2000), seu conto O Importado Vermelho de Noé.