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Arte Gravada

O filósofo e engenheiro Leon Kossovitch é especialista em estética e artes plásticas. Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), tem publicados, entre outros livros, Hélio Cabral (Edusp, 1995) e Signos e Poderes em Nietzsche (Azougue, 2004).

Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, o convidado desta edição falou sobre a atual posição da crítica artística, desmistificou a Semana de Arte Moderna e analisou a importância da gravura nacional. “No resto do mundo a gravura praticamente desapareceu, só no Brasil que não”, afirma. “É o campo mais forte brasileiro e que não faz concessões internacionais”. A seguir, trechos.

 

Gravura brasileira

A gravura brasileira, sem o menor ufanismo, está no primeiro time do planeta no seu conjunto e na sua repercussão. Tivemos um tipo de gravura surgido da academia do Rio de Janeiro. Os retratos das pessoas ilustres, antes da fotografia, eram gravuras. Os artistas oficiais da academia faziam gravuras, andavam pelas repartições públicas, era uma prática comum.

Como tinha essa finalidade, não era considerada artística. Tivemos alguns gravadores do século 19 que faziam não só retratos oficiais, mas trabalhos artísticos, no entanto explodimos no século 20. Um gravador excelente era o Carlos Oswald, que trabalhou muito no Rio. Nos anos de 1920 e 1930 ninguém se interessava muito pela gravura, mas aquilo com o tempo foi tomando fôlego. É preciso lembrar que houve uma invenção.

A Semana de Arte Moderna foi uma invenção, feita principalmente nos anos de 1960, pela Universidade de São Paulo. Não quero diminuir nada, mas a Semana de Arte Moderna foi um sarau sorocabano. O Mário de Andrade queria a atualização da consciência artística do Brasil, o que significa isso em 1922? Trazer o que foi feito na Europa. Mas, em 1922, o cubismo, o expressionismo, já estão estabelecidos, já são acadêmicos. São páginas viradas na Europa. A Semana de Arte Moderna em certo sentido traz para o Brasil o que está academizado na Europa.

Nesses anos ainda, o artista que muda a gravura é o [Oswaldo] Goeldi que foi um grande gravador e desenhista brasileiro. Ele traz uma obra que não é expressionista, mas está nas proximidades disso. O grande foco dele é o Kubin [Alfred, ilustrador expressionista austríaco], artista gráfico que é o dialogante dele. Aí se começa a acreditar na gravura, muita gente de São Paulo e do Nordeste vai estudar no Rio.

O Marcelo Grassmann se aproxima do Goeldi e outros artistas gravadores muito importantes circulam em torno dele. Depois disso, entrou a abstração, que foi muito importante principalmente no Rio, com a Fayga Ostrower, por exemplo. A Renina Katz começou na figuração comunista e passou para uma figuração próxima à abstração. O comunismo na gravura é muito forte no Rio Grande do Sul, dos anos de 1940 e 1950, com o Carlos Scliar. É uma arte muito interessante, ela entra nacionalíssima, apesar de retratar as coisas locais, já que o comunismo na era stalinista – era do socialismo em um só país – é a valorização do regional; então, como todos que orbitavam o comunismo, valorizava o regional.

A gravura é muito móvel, ela segue vários caminhos, ela se internacionaliza. De todas as artes é a que mais pega no Brasil nesse sentido, tem um traço inconfundível pela abrangência inclusive de visadas. A Maria Bonomi é uma grande gravadora. O Evandro Jardim excelente artista, gravador, é outro nome, que tem caminho próprio, não se reduz a nenhum grupo. Há um campo muito vasto e que continua atuante, temos muitos artistas atuantes. No resto do mundo a gravura praticamente desapareceu, só no Brasil que não. É o campo mais forte brasileiro e que não faz concessões internacionais.

Modismo da instalação

Não tenho nada contra uma instalação interessante, mas em geral basta ser uma instalação para todo mundo achar bacana. Uma pessoa que fez uma coisa polêmica e interessantíssima foi o [Hélio] Oiticica. Ele criou problemas.

O Celso Favaretto, nosso estudioso do Oiticica, mostrou tão bem isso, todos os vínculos e como esses vínculos estão fora do enquadramento duchampiano, é todo um percurso intelectual. Outra coisa: por que não pensar aquilo como uma instalação que interessa? Uma instalação como tal não faz mal a ninguém, mas vira um modo de vida. A gravura não vira um modo de vida porque não tem nenhum gravador que viva disso.

Crítica de arte

Tivemos uma crítica de arte em jornal. Sempre tivemos e ela foi empenhada, como é o caso do Mário de Andrade. Mas com o tempo os jornais acharam que não era o caminho, então os críticos estão sem emprego. Houve uma mudança muito grande. Não temos mais o crítico de arte. O que entrou no lugar do crítico foi uma organização, composta por um artista, um crítico, um diretor de museu e um relações públicas, que lança um produto. ?São lançamentos de produto, não é arte. E nada de começar a discutir muito, porque senão atrapalha o bom funcionamento do nosso negócio.

A crítica foi liquidada há uns 20 anos, o que se inventou foi uma categoria que eu acho terrível, que é o formador de opinião. Esse conceito positivista. Uma coisa é a pessoa que tem posições, outra coisa é um papel assinalado para dirigir opiniões. A arte está morrendo por isso, onde entram os formadores de opinião, a coisa não fica muito legal. Existem revistas que dão espaços para a crítica, mas os jornais, não.

Além disso, criou-se um tom de tratar a arte que é péssimo hoje, e não é só o jornalista que faz isso. É um tom de tratar a arte como uma espécie de perfumaria. Qualquer coisa que vai se noticiar é dito como um suspiro. O artista ralou, se matou para fazer o negócio. Quando se trata da discussão do que o artista faz, o foco vai para a biografia dele, e o cara diz: “É, realmente, eu sofri muito”. É ridículo. A ciência, de certa forma, também é tratada assim. O Brasil é o país da cretinização, o que mostra nosso traço autoritário. A polêmica é vista com maus olhos. O crítico antigamente xingava no jornal, hoje tudo tem panos quentes.

Academia

A universidade é um lugar de um autoritarismo tremendo. A universidade está mudando. Hoje, ela é muito produtiva num sentido em que foi muito mal pensada, desde o tempo do Montoro [André Franco Montoro, governador de São Paulo de 1983 a 1987], a associação da pesquisa às empresas. Não digo que o cientista pense nos ares, mas você não pode forçar certos vínculos porque eles comprometem a liberdade da pesquisa.

Grande parte dos físicos hoje se tornaram engenheiros, eles trabalham em pesquisas de aplicação técnica imediata. Os centros que dão bolsas de pesquisa, Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], não vão liberando grana assim, eles têm as prioridades. Mas tal pesquisa não interessa por quê? Qual o critério? Com o fim da ditadura, entrou outra ditadura: a intelectual.


“Não temos mais o crítico de arte. O que entrou no lugar do crítico foi uma organização, composta por um artista, um crítico, um diretor de museu e um relações públicas, que lança um produto. São lançamentos de produto, não é arte”

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